O enquadramento legal do seguro de capitalização
Autor | Luís Poças |
Páginas | 31-59 |
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O conceito de ramo de seguro é fundamental para a estruturação do Direito dos Seguros, sobretudo na sua vertente institucional73. Esse carácter estruturante decorre, desde logo, do Direito Comunitário e das Directivas74 actualmente transpostas para o Direito Page 32 Português pelo Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril. Este diploma firma uma clara fronteira entre os seguros do ramo “Vida” e dos ramos “Não vida”, estabelecendo normas e soluções diferenciadas para os referidos ramos, nomeadamente quanto à fiscalização da solidez financeira das empresas de seguros e da sua solvabilidade. Embora o Decreto-Lei referido não apresente um conceito de ramo de seguro, podemos defini-lo como uma classificação do conjunto de subtipos contratuais de seguros que, nomeadamente em função do respectivo objecto, risco inerente e princípios aplicáveis, apresentam afinidades relevantes. A classificação legal em ramos de seguros manifesta-se estruturante numa plurali- dade de aspectos institucionais, entre os quais se destacam: a organização da actividade seguradora a partir da classificação-chave ramo “Vida” / ramos “Não vida”; a concessão ramo a ramo da autorização para o exercício da actividade seguradora (artigo 10.º do mesmo diploma); a importância fundamental na determinação das garantias prudenciais de empresas de seguros (artigos 68.º ss.); e, por fim, a identificação do objecto, risco inerente e modalidades de seguro dentro de cada ramo (artigos 123.º ss.).
O artigo 124.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, reconhece a inclusão no ramo “Vida” de um vasto leque de seguros e operações. É neste âmbito que procuraremos enquadrar os seguros de capitalização como submodalidade legalmente típica de seguro de vida (partindo da qualificação já avançada), distinguindo-a de outras modalidades de seguro de vida.
A enumeração efectuada no referido artigo, que tem por base uma tipologia75, revela-se assente em critérios múltiplos e profundamente heterogéneos. Desde logo, o respectivo grau de abstracção variável76. Por outro lado, existem modalidades que surgem Page 33 autonomizadas relativamente a outras que as englobam (por exemplo, as rendas, que são seguros de vida em caso de vida, surgem como modalidade autónoma em relação a estes). Quanto à respectiva estrutura, temos seguros de tipos puros (seguro de vida em caso de vida ou em caso de morte) e mistos (que incluem garantias em caso de vida e em caso de morte), tipos que igualmente se verificam relativamente aos seguros ligados a fundos de investimento. Outro critério classificatório atende ao objecto da modalidade77. O preceito classifica ainda o carácter essencial (cobertura base) ou complementar da garantia, distinguindo os seguros complementares (que não são passíveis de serem contratados isoladamente) dos seguros de vida. Outros critérios são considerados, como o facto de o seguro estar ligado a um fundo de investimento. Apesar das incoerências dos critérios de tipificação - a qual, aliás, se afigura com carácter taxativo78 - seguiremos, em qualquer caso, por razões de ordem sistemática, a sequência do artigo 124.º.
Os seguros de vida em caso de morte são aqueles em que, como a designação indica, o segurador se obriga ao pagamento, a um beneficiário designado, de um montante por morte da pessoa segura durante a vigência do contrato. Esta categoria inclui algumas moda- Page 34 lidades tradicionais de seguro de vida, entre as quais podemos destacar79 o seguro Temporário80; o de Vida Inteira81; ou o Renda Certa Amortizações82.
Nos seguros de vida em caso de vida (sem contra-seguro) o segurador obriga-se a pagar um capital no final do contrato se a pessoa segura se encontrar viva nessa data. Estes contratos perderam, ao longo do tempo, o interesse que inicialmente despertaram, sendo hoje raros. Em qualquer caso, alguns exemplos podem ser dados destas modalidades, como o do seguro dotal83 ou o do seguro de capital diferido (sem contra-seguro)84. Page 35
Os seguros de vida mistos são aqueles que comportam simultaneamente garantias em caso de morte e em caso de vida85. Desta forma, através de um contrato de seguro de vida misto o segurador obriga-se ao pagamento de um capital, quer em caso de morte da pessoa segura durante a vigência do contrato (pagamento efectuado aos beneficiários designados), quer em caso de vida desta no termo do contrato ou em vários momentos (pré-definidos) de vigência da apólice. Neste âmbito, é possível identificar uma pluralidade de modalidades contratuais, entre as quais o Misto Simples86; o Misto com Opções87; ou o Misto com Pagamento Antecipado88.
Entre os seguros mistos, o “Universal life” conheceu uma larga expansão nos Estados Unidos da América a partir da década de 1970, numa estratégia de concorrência entre os seguros e a banca. Seguindo a estrutura dos seguros mistos simples (pagamento de um capital em caso de morte durante a vigência do contrato ou de um capital em caso de vida no termo contratual), comporta, não obstante, a conjugação de uma vertente de risco puro (em caso de morte) com outra de pura capitalização, mantendo uma maior flexibilidade89. Page 36
A modalidade técnica em causa - que é, de resto tradicional na actividade seguradora90, mas que beneficiou de um recente impulso com a “revolução financeira” do ramo “Vida”91 - prevê o pagamento de um capital convencionado, em caso de vida da pessoa segura na data de termo do contrato. Porém, caso ocorra a morte da pessoa segura durante a vigência do contrato, o segurador obriga-se a liquidar aos beneficiários designados a soma dos prémios pagos até então pelo tomador do seguro92. É nesta categoria classificatória que, em virtude da configuração técnico-actuarial que lhes subjaz - assentando numa base técnica rigorosa, que transcreve por uma fórmula actuarial as garantias do contrato - se posicionam os seguros de capitalização93. Estes distinguem-se dos tradicionais capitais diferidos com contra-seguro pela relevância da componente financeira, traduzida na participação nos resultados do Fundo Autónomo subjacente à modalidade de seguro (e que resulta na distribuição de uma taxa de revalorização, em regra superior à taxa de juro técnica da modali- dade)94. Desta forma, em termos simplistas, o capital liquidado na data de termo do contrato resulta da aplicação aos prémios pagos (líquidos de encargos) de uma taxa de revalorização anual (participação nos resultados, tendo por mínimo a taxa técnica da modalidade) e da respectiva capitalização sucessiva. Em caso de morte da pessoa segura antes da data de termo, o segurador liquida aos beneficiários o valor das provisões matemáticas constituídas (ou seja, a soma dos prémios líquidos pagos e respectivas revalorizações à data da morte)95. Page 37
Em rigor, os seguros de renda são seguros de vida em caso de vida, que se distinguem pelo facto de o benefício ser pago, não em capital (lump sum), mas sob a forma de renda, garantindo-se o pagamento de prestações pecuniárias de acordo com uma periodici- dade contratualmente pré-definida e com outras variáveis convencionadas, podendo, consequentemente, configurar diversas modalidades96.
Esta garantia refere-se a seguros complementares, isto é, a modalidades que não podem ser autonomamente contratadas, mas que apenas podem surgir associadas a outros contratos de seguro de vida. A lei prevê, assim, três modalidades de seguros complementares relativos a danos corporais97: Page 38
a) a morte por acidente98;
b) a incapacidade para o trabalho profissional99;
c) e a invalidez em consequência de acidente ou doença100.Page 39
Trata-se de modalidades de seguro actualmente sem qualquer expressão, o que é, aliás, ilustrado pelo facto de a conta técnica dos seguros de nupcialidade e natalidade do conjunto das empresas de seguros se apresentar, em todas as rubricas, sem quaisquer valores relativamente aos anos de 2003 a 2005101. O objecto destes seguros consistia em, contra o pagamento de um prémio periódico, garantir um capital ou renda em caso de casamento ou de nascimento de um filho102.
Os seguros de vida ligados a fundos de investimento, também designados por...
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