Acórdão n.º 9/2005, de 06 de Dezembro de 2005

Acórdão n.º 9/2005 Processo n.º 3172/2004 - pleno. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ): 1 - Fernando António Bento, identificado no processo, interpõe recurso para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação do Porto (processo n.º 3165/2004, 4.' Secção) que, confirmando decisão do tribunal de Bragança, 'julgou inaplicável o n.º 6 do artigo 698.º do CPC, ao prazo fixado no n.º 1 do artigo 411.º do CPP, quando o recorrente tenha impugnado a matéria de facto, pretendendo a sua reapreciação'.

Como sobre a mesma questão foi proferido, entre outros, o acórdão do STJ de 27 de Novembro de 2002, publicado em Colectânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça, ano X (2002), t. III, a pp. 236 e seguintes, o qual, no domínio da mesma legislação, 'proferiu decisão assente em solução oposta à do acórdão recorrido', o recorrente pede que o recurso seja admitido e, após decisão em conferência que conclua pela oposição de julgados, seja julgado procedente, com a revogação do acórdão recorrido, fixando-se jurisprudência no sentido de que 'é aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, no que respeita ao alargamento do prazo de recurso, se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, solicitando a reapreciação da prova'.

2 - Remetido o processo ao Supremo Tribunal, a Secção, em conferência, pronunciou-se no sentido da existência de oposição de julgados, determinando o prosseguimento do recurso.

3 - Foram apresentadas alegações pelo Ministério Público e pelo recorrente.

A Exma. Magistrada do Ministério Público considera que o acórdão recorrido deverá ser mantido e que o conflito que se suscita há-de resolver-se no sentido em que este acórdão decidiu, propondo, para o efeito, que a jurisprudência seja fixada pelo seguinte modo: 'Quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da matéria de facto e a prova tiver sido gravada, ao prazo previsto no n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal não acresce o prazo referido no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, por este não se lhe aplicar subsidiariamente.' O recorrente, por seu lado, faz terminar a alegação com a formulação das seguintesconclusões: '1.' Quando, em processo penal, o recorrente tenha impugnado a matéria de facto, ao prazo previsto no artigo 411.º, n.º 1, do CPP acresce o prazo de 10 dias previsto no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, aplicável por força do artigo 4.º do CPP; 2.' 'O direito ao recurso, corporizando-se como um dos elementos das garantias fundamentais da defesa, não só pressupõe como mesmo reclama que o recorrente disponha não apenas dos elementos indispensáveis à própria decisão de recorrer ou não mas ainda daqueles dados e elementos necessários à elaboração e apresentação da própria motivação, aliás simultânea em processo penal', como seja a disponibilidade de tempo para audição e análise das cópias das gravações, para a respectiva transcrição e para a referenciação dos concretos elementos de prova que fundamentem decisão diversa da impugnada; 3.' A impugnação da matéria de facto em processo penal determina e envolve todo um particular e muito especial circunstancialismo, a requerer e a exigir consequentemente a devida atenção, face ao ónus da especificação prevenido nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, com implicações e consequências decisivas, situação 'que de modo nenhum foi contemplada nem prevenida nas alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98'; 4.' 'No nosso actual sistema processual penal, a consideração única do prazo geral de 15 dias para interposição do recurso não satisfaz as referidas exigências, decorrentes desse sistema, no caso específico de o recurso poder ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto envolvendo a reapreciação de prova gravada.'; 5.' Já a aplicação do artigo 698.º, n.º 6, do CPC, por força do artigo 4.º do CPP, 'se harmoniza com a natureza e as regras do processo penal referentes ao recurso tendo como objecto a impugnação da matéria de facto com base em elementos decorrentes da gravação das declarações prestadas em audiência'; 6.' Inexiste norma no processo penal que directamente ou por analogia possa regular o caso, o que legitima o recurso à citada norma processual civil, por remissão do artigo 4.º do CPP; 7.' A verificada oposição de julgados deve ser resolvida no sentido propugnado pelo acórdão fundamento, fixando-se, em consequência, jurisprudência que determine que 'é aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, no que respeita ao alargamento do prazo de recurso, se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, solicitando a reapreciação da prova'; 8.' Foram violados os artigos 698.º, n.º 6, do CPC e 4.º do CPP.' Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente, fixando-se jurisprudência no sentido de que 'é aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, no que respeita ao alargamento do prazo de recurso, se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, solicitando a reapreciação da prova'.

4 - Colhidos os vistos, nos termos determinados pelo artigo 442.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), cumpre apreciar e decidir.

Tal como foi verificado pela Secção, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento decidiram de modo divergente a mesma questão de direito.

O acórdão recorrido, com efeito, invocando expressamente a discordância com jurisprudência anterior do Supremo Tribunal, julgou inaplicável em processo penal a norma do n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece que, no caso de o recurso ter como objecto a reapreciação da matéria de facto, o prazo de interposição é acrescido de 10 dias.

Por seu lado, o acórdão invocado como fundamento, considerando que existia uma lacuna no que respeita à regulação do prazo de recurso em processo penal quando o recorrente pretenda a reapreciação da matéria de facto e haja prova gravada, resolveu idêntica situação aplicando ao processo penal a referida norma de processo civil por força do disposto no artigo 4.º do CPP.

As decisões invocadas são, pois, contraditórias sobre a decisão da mesma questão de direito, tendo sido proferidas no domínio da mesma legislação.

Existe, assim, tal como decidiu a Secção, oposição de julgados.

5 - O regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo como nas...

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