Acórdão nº 953/19.5T9CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 20-03-2024

Data de Julgamento20 Março 2024
Ano2024
Número Acordão953/19.5T9CTB.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J1))
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Processo 953/19.5T9CTB.C1
Tribunal de Origem: Juízo Local Criminal de Castelo Branco.
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.
Juiz Desembargadora Adjunta: Maria José Matos.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra.

I.
No processo comum singular que, com o nº 953/19...., corre termos pelo Juízo Local Criminal ... foi proferida a seguinte decisão (transcrição):
Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente e, em consequência:
a) Condena a arguida AA pela prática, em 09.09.2019, em autoria material e na forma consumada, de um crime de usurpação de funções, p. p. pelo art. 358.º, al. b) do Código Penal, na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa, à taxa diária de 9,00€ (nove euros), num total de 1.710,00€ (mil, setecentos e dez euros).
b) Condena a arguida AA no pagamento das custas do processo penal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos dos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
c) Condena a demandada AA a pagar à demandante BB uma compensação no valor de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a notificação da decisão e até efetivo e integral pagamento.
d) Condena a demandante BB e a demandada AA no pagamento das custas relativas ao pedido de indemnização civil, na proporção dos respetivos decaimentos, nos termos dos arts. 377.º, n.ºs 3 e 4, 523.º e 524.º do Código de Processo Penal, 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
(…)
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Inconformada com a decisão recorreu a arguida para este tribunal concluindo assim o seu recurso (transcrição):
DA NULIDADE DO DESPACHO PROFERIDO EM 07.07.2022
1. Encerrado o inquérito o Ministério Público ordenou o arquivamento do inquérito referente ao crime de falsificação de documento;
2. Em síntese, afirmou-se naquele despacho que a inexistência do original da receita frustraria qualquer condenação da arguida;
3. Porém, ainda que se diga que o referido documento se extraviou, destruiu e/ou foi apresentado junto de uma farmácia, a verdade é que não foram realizadas as diligências com vista a apurar essa factualidade;
4. A cópia da receita mostrou-se essencial para condenar a arguida;
5. Foi requerida em sede de audiência e julgamento a notificação do denunciante CC para juntar aos autos o documento original da cópia da suposta receita, que consta de fls. 87, já que fora este a apresentar aquela cópia, de forma a ser submetida a perícia;
6. O Tribunal deu como assente que o original da referida receita teria sido destruído, mas não se apurou sequer que o teria sido ou porquê dessa destruição;
7. E, indeferiu o requerido;
8. Por se mostrar relevante para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade, tal indeferimento pressupõem a violação do princípio da indefesa e do contraditório;
9. Pelo que, aquele douto despacho é nulo, com as legais consequências;

DA DOUTA SENTENÇA
a) Questões prévias: da inadmissibilidade da cópia da receita como meio de prova
10.Não são meios de prova válidas as reproduções de originais, não podendo elas servir de fundamento a uma condenação se o Tribunal não pode confrontar em nenhum momento os originais com as reproduções, porque os originais foram destruídos;
11.Todo o processo penal, incluindo aspetos processuais, devem revestir um carater contraditório e garantir uma igualdade de armas entre a acusação e a defesa;
12.A destruição, extravio ou levantamento da referida receita junto da farmácia, impossibilitando o Tribunal de aceder a esse original, não pode constituir meio de prova;
13.A utilização daquela cópia que se mostrou essencial para a condenação da arguida é um meio de prova proibido o que se invoca, por violação do artigo 32.º, n. 1, da Constituição da República Portuguesa, com as suas demais consequências legais.
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NESTE SENTIDO:
Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Processo Penal, À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed, Universidade Católica Editora, pág. 444, anotação ao artigo 168.º do Cód. Proc. Penal);
Acórdão TEDH Georgios Papageorgiou contra Grecia, de 9 de maio de 2003 (que se junta na sua versão em espanhol);
Tiago Caiado Milheiro (in comentário judiciário do Código Processo Penal, Tomo II, 2.ª ed., Almedina, nota 2, parágrafo segundo, artigo 168.º, pág. 543)
b) Da alteração não substancial dos factos descritos na acusação e da violação do dever de comunicar a referida alteração
14.O Tribunal a quo, acrescentou os factos 17) e 18), dados como provados, à acusação pública;
15.Estamos perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação;
16.Estes factos foram dados a conhecer à arguida apenas no decurso da leitura da Sentença;
17.O douto Tribunal sob recurso, não procedeu à comunicação daquela alteração;
18.Os referidos factos, dados como provados, são relevantes na decisão da causa;
19.Por violação do princípio do contraditório a não comunicação da alteração não substância dos factos, consubstancia uma nulidade da Sentença, o que se invoca com as suas demais consequências legais, nos termos do art. 379, n.º 1, al. b) do Cód. Proc. Penal;

DA MATÉRIA DE FACTO (ponto .III)
(…)
DO DIREITO (ponto .IV)
g) Da Ilegitimidade da assistente para intervir nos presentes autos
62.O Inquérito com a denuncia de factos suscetíveis, em abstrato, de consubstanciar a prática pela arguida dos crimes de falsificação de documentos e de usurpação de funções;
63.No decurso do inquérito, BB constituiu-se assistente;
64.Encerrado o inquérito o crime de falsificação de documentos foi arquivado;
65.Não foi requerida abertura de instrução;
66.Os intervenientes processuais conformaram-se com aquela decisão;
67.Prosseguiram os autos com dedução de acusação pública, apenas, pelo crime de usurpação de funções;
68.O bem jurídico protegido pelo artigo 358.º do Cód. Penal, consiste na integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento em funções públicas ou em profissões de especial interesse. (Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2013, proc. 1066/12.6TALRA.C1, disponível em: www.dgsi.pt);
69.“Nos processos-crime por usurpação de funções, não é admissível a constituição de assistente.” (Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2013, proc. 1066/12.6TALRA.C1, disponível em: www.dgsi.pt);
70.“Para efeitos do disposto no artigo 68.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas unicamente o titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato do crime relativamente ao qual se põe a questão da constituição de assistente.” (Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2013, proc. 1066/12.6TALRA.C1, disponível em: www.dgsi.pt);
71.“Os titulares de interesses mediata ou indiretamente protegidos não podem ser englobados na abrangência do conceito de ofendido para os efeitos consignados no artigo 68º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.” (Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2013, proc. 1066/12.6TALRA.C1, disponível em: www.dgsi.pt);
72.“Nos casos de crimes públicos em que o interesse tutelado é exclusivamente público, a regra é a de que ninguém poderá constituir-se assistente, sendo que o direito de constituição como assistente só existirá se for conferido por lei especial, conforme expressamente dispõe o artigo 68.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.” (Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-04-2013, proc. 1066/12.6TALRA.C1, disponível em: www.dgsi.pt);
73.A demandante não é titular do interesse tutelado;
74.Não pode reclamar danos e/ou prejuízos no âmbito de um crime de usurpação de funções;
75.A falta de legitimidade dos sujeitos processuais é de conhecimento oficioso, o que se invoca com as demais consequências legais;
76.Pelo exposto, o pedido de indemnização cível deve improceder por inadmissibilidade legal, assim como, os atos processuais praticados pela assistente, em sede de audiência e julgamento, devem ser desconsiderados;
h) Da aplicação do direito
77.O elemento objetivo constitutivo do crime de usurpação de funções para o que aqui releva, consiste, no exercício de profissão ou prática de ato Próprio de uma profissão para a qual a Lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche;
78.O tipo subjetivo admite, apenas, o dolo direto e o dolo necessário, mas não o dolo eventual;
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NESTE SENTIDO:
Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Processo Penal, À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed, Universidade Católica Editora, pág. 1125, nota 12, anotação ao artigo 358.º do Cód. Proc. Penal).
79.Impugnada a matéria de facto, seja por inadmissibilidade legal da prova produzida, seja pela violação do princípio da indefesa, seja pela inexistência da prova concludente, é evidente que não estão preenchidos os requisitos que a Lei impõe e que consubstancia o crime de usurpação de funções de que vem acusada a arguida;
80.A utilização de um meio de prova proibido, cuja importância nos autos é determinante, a impossibilidade da arguida poder demonstrar que a assinatura que constava da cópia da receita, a fls. 87, não era do seu punho, nem tão pouco o demais constante naquela receita;
81.A junção aos autos de documentos que não foram emitidos pela arguida, com a qual não foi confrontada, nem, tão pouco as demais testemunhas, não pode justificar a inversão do ónus da prova, afirmando-se como se faz na douta sentença que a arguida não explicou o conteúdo do
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