Acórdão nº 846/12.7GACSC.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-19

Ano2024
Número Acordão846/12.7GACSC.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1. DESPACHO RECORRIDO
Por despacho proferido em 27.09.2023, no Processo Sumário n.º 846/12.7GACSC do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais, foi decidido:
- julga-se parcialmente perdoada a pena aplicada nos presentes autos remanescendo a pena de um ano e seis meses de prisão para o arguido AA cumprir.
- Considerando que o perdão concedido se mostra subordinado à condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, notifique ainda o condenado de que, caso cometa qualquer infração até 01.09.2024, à pena aplicada subsequentemente acrescerá o cumprimento desta pena (na medida em que foi) perdoada (art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto).
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2. O RECURSO
Inconformado, o Ministério Público recorreu do despacho, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. O arguido AA foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por factos cometidos no dia 12 de junho de 2012.
2. Por decisão proferida no dia 27 de setembro de 2023, o Tribunal a quo julgou perdoada em 1 (um) ano a pena aplicada ao arguido AA, permanecendo o mesmo condenado numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
3. O arguido AA nasceu no dia …/…/1989, contando à data da prática do crime por que foi condenado, com 23 (vinte e três) anos de idade – ou seja, menos de 30 anos de idade –, remontando os factos a 12 de junho de 2012 – a data anterior a 19/06/2023 – (artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto).
4. O arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo que, em virtude de ter sido condenado numa pena inferior a 8 (oito) anos, se verifica preenchido o requisito previsto no artigo 3º, nº 1, da citada Lei.
5. O artigo 7º, nº 1, alínea g), da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto exclui do perdão os «condenados por crimes praticados contra (…) vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro»
6. De acordo com o disposto no artigo 67º-A, nº 3, do Código de Processo Penal «As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis (…)».
7. O crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, consiste num crime, cuja conduta dolosa se dirige, pelo menos, contra a integridade física da vítima, ao qual cabe, em abstrato, uma pena até 8 anos de prisão, integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta (artigo 1º, alínea l), do Código de Processo Penal), sendo, consequentemente, a respetiva vítima sempre uma vítima especialmente vulnerável (artigo 67º-A, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal).
8. Deste modo, ainda que não se encontre excluído pela subalínea i), da alínea b), do nº1,do artigo 7º, da Leinº38-A/2023,de 2de agosto, o crime de roubo previsto no nº 1, do artigo 210º, do Código Penal encontra-se excluído do perdão das penas, por força da alínea g), do nº 1 do citado artigo 7º.
9. Face ao exposto, por força tipo de crime em que foi condenado, parece-nos, e ressalvando o devido respeito, que o arguido AA não poderá beneficiar do perdão de penas previsto nesse diploma legal.
10. A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que exclua a pena em que foi condenado o arguido AA do perdão das penas e mantenha, na íntegra, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, em que foi condenado.
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O arguido respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. Veio o Ministério Público recorrer da decisão que aplicou o perdão de um ano à pena de 2 anos e 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, p.p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito da entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
2. Fundamenta, em síntese, que, pese embora se verifiquem todos os critérios impostos para a sua aplicação, nomeadamente a data dos factos, idade do arguido à data dos factos e o tipo de crime, o perdão não pode ser aplicado, in casu, por força do art. 7.º, n.º 1, alínea g) da mencionada lei.
3. Nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 1, alínea g) da referida lei, ficam excluídos do perdão os arguidos condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, tendo ainda alegado o Ministério Público que todas as vítimas de crimes de roubo se enquadram na definição de vítimas especialmente vulneráveis.
4. Ora, salvo melhor entendimento, não lhe assiste razão.
5. Isto porque, se assim fosse, não teria o legislador necessidade de especificar na letra da lei, nomeadamente no art. 7,º , n.º 1, alínea i), parte final, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que o roubo p.p. pelo art. 210.º n.º 2 do Código Penal está excluído para efeitos de perdão e amnistia nos termos legalmente previstos.
6. Significa isto que o legislador foi claro ao distinguir os n.ºs 1 e 2 do art. 210.º do Código Penal para efeitos de aplicação da lei de perdão das penas, dizendo claramente que apenas o roubo cometido nos termos do n.º 1 da mencionada norma é passível de perdão, à contrario sensu.
7. Dúvidas não restam que, se o legislador entendesse que todas as vítimas de crimes de roubo, sem distinção entre os n.º 1 e 2 do art. 210.º do Código Penal, são vítimas especialmente vulneráveis, tê-lo ia dito ou, por outro lado, não teria excluído especificamente da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto o crime de roubo p.p. no n.º 1 do art. 210.º do Código Penal.
8. Pelo que é manifesto que improcedem os fundamentos do recurso apresentado pelo Ministério Público.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total procedência do recurso, nos termos propostos no recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrido não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, a única questão a decidir é se estão reunidos os pressupostos para que o arguido/condenado pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, beneficie do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.
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DO DESPACHO RECORRIDO E DEMAIS FACTUALIDADE RELEVANTE
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“O arguido AA foi condenado nos presentes autos, por decisão pacificamente transitada em julgado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de roubo, p.p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal.
Vejamos.
Por referência ao acima descrito e em virtude do disposto no art. 4.º do aludido diploma legal são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.
Para além do mais, e concretamente aplicável ao caso presente, prevê o art. 3.º, n.º 1 da mesma Lei n.º 38-A/2023 que é perdoado um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos.
Acrescentando, para o que releva o n.º 2 do preceito elenca que: São ainda perdoadas: a) as penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
No caso dos autos foi o arguido condenado em pena de prisão à qual se impõe o cômputo de menos um ano de prisão.
Do mesmo modo, o tipo de crime por que o arguido foi condenado não integra nenhum dos elencados como estando excluídos do âmbito de aplicação da previsão legal (art. 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto) e a medida da sanção inclui-se no âmbito de aplicação da norma (art. 3.º, n.º 1 e 4 do mesmo diploma).
Sendo a amnistia e o perdão genérico medidas de clemência de que o Estado pode lançar mão em razão de critérios objetivos, devidamente enquadrados e que tem por efeito a extinção da responsabilidade criminal (art. 127.º do Código Penal), no caso presente, impõe-se tão só a constatação de estarem verificados os pressupostos de que depende a aplicação do regime jurídico validamente promulgado e entrado em vigor a 1.09.2023.
Em consequência, julga-se parcialmente perdoada a pena aplicada nos presentes autos remanescendo a pena de um ano e seis meses de prisão para o arguido cumprir.
Considerando que o perdão concedido se mostra subordinado à condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, notifique ainda o condenado de que, caso cometa qualquer infração até 01.09.2024, à pena aplicada subsequentemente acrescerá o cumprimento desta pena (na medida em que foi) perdoada (art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto).
Notifique, comunique e D.N., pela via mais expedita (caso o PD
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