Acórdão nº 7979/21.7YIPRT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão7979/21.7YIPRT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA


1.Relatório:


Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, Eperam, pessoa colectiva n.º 5.......8 e com sede na Avª. ..... ....., n.º ..., F_____, intentou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, ao abrigo do n.º 2, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, contra B [… Seguros,S.A.], com sede em Lisboa, PEDINDO,
- a condenação da ré no pagamento da quantia de € 10.429,10 a título de capital em dívida, acrescida de juros de mora vencidos até 29/01/2021 no valor de € 138,29 e vincendos à taxa de 4 %.
1.1.Após oposição da Ré, e resposta da autora, foi proferido DESPACHO SANEADOR e, após julgamento, foi proferida a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:

IV–Dispositivo:
Em face do exposto e ao abrigo do disposto nos preceitos legais supracitados, julgo a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a ré B do pedido formulado pelo autor Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, Eperam.
Condeno o autor no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta).
*
Fixo o valor da presente causa em € 10.567,39 (dez mil e quinhentos e sessenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 306.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Funchal, d.s.”

1.2Inconformada com o decidido em sede de obrigação do pagamento de CUSTAS, da referida SENTENÇA recorreu a Autora Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, Eperam apresentando alegações e para tanto alegando e deduzindo as seguintes conclusões:
A.–O presente recurso é interposto da decisão que indefere a aplicação da isenção das custas processuais prevista ao ora Recorrente.
B.–Foi o Recorrente notificado do despacho que que ordena o pagamento da taxa de justiça.
C.–A taxa de justiça refere-se a um processo iniciado através de uma injunção com vista à cobrança de dívidas hospitalares ao abrigo do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, na sua actual redacção.
D.–O SESARAM, EPERAM, conforme a alínea s) do n.º 1 do artigo 10.º dos seus estatutos, procede à cobrança de dívidas hospitalares ao abrigo do Decreto-lei n.º 218/99, de 15 de Junho, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/2000/M, de 31 de Janeiro, estando abrangido pela isenção do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
E.–Com o requerimento injuntivo enviou o Recorrente requerimento de isenção de pagamento de taxa de justiça com fundamento legal no artigo 24.º constante do capítulo IV, sob a epígrafe “Disposições finais”, do Decreto-Lei n.º 34/2008,de 26 de Fevereiro, publicado no Diário da República, I Série, n.º 40, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.
F.–Ora, o Recorrente beneficia de uma isenção de custas processuais (prevista no artigo 24.º Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) na cobrança destes créditos enquanto não entrar em funcionamento o Tribunal arbitral.
G.–Entendeu o Tribunal a quo que esta isenção se encontra revogada desde a alteração do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 218/99, de 15 de Junho, ocorrida pela Lei 64-B, de 30 de Dezembro.
H.–Que com a possibilidade da cobrança de dívidas hospitalares através do regime jurídico das injunções, o legislador abdicou da entrada em funcionamento do tribunal arbitral.
I.–Contudo, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, no seu artigo 192.º, ao alterar a redacção do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 218/99, de 15 de Junho veio também revogar os artigos 7.º e 9.º a 12.º, mantendo em vigor o artigo 8.º que prevê a arbitragem.
J.–A norma que prevê o tribunal arbitral não foi revogada pela referida Lei, nem por nenhuma outra, mantendo-se assim em vigor.
K.–Se fosse o espírito do legislador abdicar do tribunal arbitral ao introduzir a possibilidade reaver o crédito hospitalar através do regime jurídico das injunções, certamente teria revogado expressamente a norma do artigo 8.º, tal como fez com o artigo 7.º e os artigos 9.º a 12.º. O que não aconteceu.
L.–Nesta senda, o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que prevê a isenção, não pode ser considerado, sem mais e até um tanto ou quanto levianamente, revogado como o faz o douto despacho.
M.–Nenhum diploma revogou a isenção conferida pelo artigo 24.º aos serviços e estabelecimentos do SNS, a qual se manterá em vigor até à verificação da sua condição resolutiva (entrada em funcionamento do tribunal arbitral prevista no artigo 8.º do Decreto-lei nº 218/99, de 15 de Junho).
N.–Aliás, como já se pronunciou este Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1894/18.9PBFUN, a 27 de Outubro de 2021, onde concluíram os Venerandos Juízes Desembargadores que “A existência e manutenção da isenção de custas previstas no artigo 24º para os serviços de saúde integrados no SNS está dependente de condição resolutiva não verificada.
O.–Em suma, não foi intenção do legislador abdicar da criação e funcionamento do tribunal arbitral e, por isso mesmo, também não foi revogada a norma transitória de isenção de custas do artigo 24.º.
P.–Pelo que a condenação do Recorrente no pagamento das custas processuais, viola o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que prevê expressamente a isenção de custas processuais das instituições do Serviço Nacional de Saúde na cobrança de dívidas referentes à prestação de cuidados de saúde, ao abrigo do Decreto-lei nº 218/99, de 15 de Junho, aplicável ao Serviço Regional de Saúde e ao ora Recorrente nele integrado, nos termos do Decreto Legislativo Regional n.º 13/2019/M, de 22 de agosto, na sua actual redacção.
Nestes termos e melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente revogado o despacho recorrido, por violação do artigo 24.º Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro em virtude da isenção do pagamento de custas processuais do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM, que se mantém em vigor.

1.3.–Não foram apresentadas contra-alegações.
***

Thema decidendum
1.4.–Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é apenas uma, a saber:
- Aferir se a AUTORA/apelante não deve ser condenada no pagamento de CUSTAS, porque beneficia de ISENÇÃO concedida pelo artigo 24.º Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro
***

2.–Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação pela Autora interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete
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3.–MOTIVAÇÃO DE DIREITO
3.1.Da invocada isenção - pela apelante - do pagamento de CUSTAS.
A pretensão da recorrente mostra-se deduzida com fundamento no disposto no artº 24º, do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro , o qual reza que "Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde ficam isentos de custas processuais na cobrança de dívidas em virtude dos cuidados de saúde prestados a utentes ao abrigo do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, até à entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Dívidas Hospitalares".

É que, reitera a APELANTE, pacífico é que :
i)É a Recorrente (SESARAM, EPERAM) uma unidade integrada de prestação de cuidados de saúde, e dispondo de competência para a cobrança dos cuidados de saúde prestados, nos termos do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho ;
ii)Não entrou ainda em funcionamento o Tribunal arbitral.
O referido entendimento, diz a apelante, foi já sufragado por este Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1894/18.9PBFUN, a 27 de Outubro de 2021, onde concluíram os Venerandos Juízes Desembargadores que “A existência e manutenção da isenção de custas previstas no artigo 24º para os serviços de saúde integrados no SNS está dependente de condição resolutiva não verificada.”
Mais recentemente, o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, certo é que veio mais uma vez a reconhecer como acertado o entendimento da apelante, o que ocorreu no âmbito de Acórdão proferido em 5/4/2022 (1) , e no qual se concluiu :
“O Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM, no âmbito de procedimento de injunção deduzido com vista à cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Regional de Saúde, em virtude dos cuidados de saúde prestados, em conformidade com o estatuído no Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/2000/M, de 31 de Janeiro, beneficia da isenção de custas processuais, nos termos do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 34/20008, de 26 de Fevereiro”

Porém, este mesmo tribunal da Relação de Lisboa, veio já a enveredar por um diverso entendimento, o que fez no igualmente recente Acórdão proferido em 7/4/2022 (2), nele se concluindo ( ainda que com um voto de vencido ) que :
I- Ao sujeitar a cobrança das dívidas referentes à prestação de cuidados de saúde, ao abrigo do Decreto-lei n.º 218/99, de 15 de Junho, ao regime jurídico das injunções , e tendo o legislador abdicado de fazer entrar em funcionamento do Tribunal Arbitral do Centro
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