Acórdão nº 7888/15.9TDLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-05-2022

Data de Julgamento17 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão7888/15.9TDLSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, após Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,


–Relatório


No âmbito do Processo com o nº 7888/15.9TDLSB que corre termos no Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido despacho a indeferir a intervenção nos autos como assistente da Massa Insolvente de I., SA, e, consequentemente a não admitir a instrução requerida.
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Sem se conformar com a decisão a Massa Insolvente de I., SA interpôs o presente recurso pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que admita a sua constituição como assistente e, em consequência admita o seu requerimento de abertura de instrução.

Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
1.–O despacho recorrido afecta directamente a Recorrente, impedindo-a de se constituir como assistente, e, consequentemente, de requerer a abertura de instrução, sendo a única afectada pelo despacho recorrido, pelo que tem legitimidade para recorrer nos termos da última parte da alínea d) do nº 1 do art. 401º do CPP.
2.–A Assistente requereu, nos termos do art. 68º nº 3 a) do CPP a sua constituição como assistente, tendo, para o efeito, liquidado a taxa de Justiça devida nos termos do nº 1 do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais.
3.–A Recorrente tem como propósito através do Requerimento de Abertura de Instrução formulado, que seja apurada a conduta imputada ao administrador único da Insolvente, o arguido A. , e o mesmo condenado pela prática dos crimes identificados, sendo evidente o conflito de interesses que determina o entendimento do despacho recorrido.
4.–A Insolvente, que tem como representante legal único o principal Arguido nos presentes autos, não tem legitimidade ativa para se constituir assistente uma vez que foi o seu representante legal que praticou as condutas ou atos dolosos imputados, os quais lesam o património da insolvente (massa).
5.–O administrador único da Insolvente praticou os factos denunciados pela Recorrente pelo que, naturalmente, não teria qualquer interesse em agir, nem em nome próprio, nem em nome da Sociedade Insolvente.
6.–As funções e exercício do administrador da insolvência (em cumprimento de um dever legal de interesse público) prendem-se essencialmente, com a liquidação da massa insolvente, mas não exclusivamente!
7.–Tratando-se de responsabilidade criminal do administrador único da sociedade declarada insolvente, a representação e a defesa dos interesses patrimoniais da sociedade (massa insolvente) perante atos dolosos do seu administrador pertence ao Administrador da Insolvência.
8.–O despacho recorrido põe em causa a função do Administrador de Insolvência consistente em prover à conservação e frutificação dos direitos da insolvente, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica, conforme decorre do art. 55º nº 1 b) do CIRE.
9.–Ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que a Recorrente deveria ser admitida a se constituir assistente na medida em que é titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação.
10.–Efetivamente, a Massa da Insolvente, representada pelo Administrador de Insolvência, ora Recorrente, é titular de um interesse imediato e direto no resultado do processo-crime que tem por objeto os bens que integram a massa e que foram retirados à esfera patrimonial da insolvente pelo seu administrador, constituído arguido.
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O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1.–Inexiste qualquer fundamento para alterar a decisão recorrida.
2.–O ofendido, para efeitos de constituição como assistente, não pode ser qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas unicamente o titular do interesse que constitui o seu objeto imediato.
3.–O titular dos direitos protegidos no caso dos autos, atentos os crimes em causa (crimes de participação fraudulenta em assembleia geral, p.p. pelo art. 517º do Cód. das Sociedades Comerciais; burla qualificada, p.p. pelos arts. 217º e 218º do CP; branqueamento, p.p. pelo art. 368º-A, nº 2 e recetação, p.p. pelo art. 231º, de falsificação de documento, p.p. pelo art. 256º, al. d), todos do CP) é a Sociedade I. , pelo que é essa sociedade quem dispõe de legitimidade para intervir nos autos e se constituir assistente, representada pelos titulares dos seus órgãos sociais e não pelo Administrador de Insolvência.
4.–Os poderes de representação do Administrador da Insolvência estão limitados aos efeitos de natureza patrimonial que interessam à insolvência, extravasando das suas funções todas as questões que respeitem a processos crime.
5.–Qualquer conflito de interesses entre a representação da Sociedade Insolvente e o arguido seu administrador é ultrapassável pela sua representação pelos titulares dos órgãos sociais que a compunham à data da insolvência que se mantém em funções (cfr. art. 82º, nº 1 do CIRE).
6.–A defesa dos direitos patrimoniais da sociedade insolvente, por parte do Administrador da Insolvência, eventualmente lesados pela conduta dos arguidos, ainda que o processo crime tenha sido arquivado, pode sempre ser assegurada com recurso aos meios civis.
7.–O recorrente Administrador de Insolvência não possui legitimidade para se constituir assistente pelo que não pode requerer a abertura da instrução.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso.

A recorrente respondeu, dando por integralmente reproduzidas as motivações de recurso.

Efectuado o exame preliminar foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
No âmbito dos presentes autos, o Ministério Público entendeu que realizadas as diligências de investigação tidas por pertinentes para a descoberta da verdade material, não resultaram das mesmas indícios suficientes que permitam formular um juízo de prognose de condenação dos arguidos, em sede de julgamento, e, em conformidade, proferiu despacho de arquivamento, que integra fls. 1286 a 1321.
A participante “Massa Insolvente da I., S.A.”, devidamente representado por advogado, veio requerer, simultaneamente, a constituição como assistente nos presentes autos e a abertura da fase de instrução contra os arguidos A., AG., JB, AR, MP e SV, em conformidade com o disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b) do Cód. Processo Penal, pugnando pela pronúncia dos seis arguidos pela prática de um crime de sequestro, p.p. pelo art. 158.º do Cód. Penal, e pugnando, ainda, pela pronúncia dos dois primeiros arguidos pela prática dos crimes de participação fraudulenta em assembleia geral, p.p. pelo art. 517.º do Cód. das Sociedades Comerciais, de burla qualificada, p.p. pelos arts. 217.º e 218.º, de branqueamento, p.p. pelo art. 368.º-A, n.º 2, de receptação, p.p. pelo art. 231.º, e de falsificação de documento, p.p. pelo art. 256.º, al. d), todos do Cód. Penal, por requerimento que integra fls. 1353 a 1380.
Por promoção, que integra fls. 1394, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de a requerente ser admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente.
Notificados os arguidos para, querendo, se pronunciarem sobre o pedido de
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