Acórdão nº 69/20.1T9TBU.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-07

Ano2024
Número Acordão69/20.1T9TBU.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – J2))
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Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo de Instrução nº 69/20.... do Juízo de Instrução Criminal de Coimbra, foi proferida decisão de não pronúncia dos arguidos

1. AA , divorciado, jornalista, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1956, natural da ... de são ..., município ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., ...;

2. DD, casado, filho de EE e FF, nascido em .../.../1986, natural de ..., residente na Estrada ..., ..., ... ... ...; e

3. GG, casado, empresário, filho de HH e II, nascido em .../.../1973, natural da freguesia ..., município ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., ...,

pela prática dos factos que lhes eram imputados na acusação, susceptíveis de, alegadamente, os constituírem:

A – Arguido AA, como autor material, de:

a) Dois crimes de difamação com publicidade agravada, previstos e punidos pelos art.ºs 27.º, 180.º, n.ºs 1 e 4, 183.º, n.º 2, e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01); e de

b) Um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, previsto e punido pelos art.ºs 199.º, n.º 2, al. b), e 197.º, do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01);

B – Arguido DD, como cúmplice, de:

a) Dois crimes de difamação com publicidade agravada, previstos e punidos pelos art.ºs 27.º, 180.º, n.ºs 1 e 4, 183.º, n.º 2, e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01); e de

b) Um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, previsto e punido pelos art.ºs 199.º, n.º 2, al. b), e 197.º, do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01);

C – Arguido GG, como autor material, de um crime de difamação com publicidade agravada, previsto e punido pelos art.ºs 27.º, 180.º, n.ºs 1 e 4, 183.º, n.º 2, e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, determinando, consequentemente, o oportuno arquivamento dos autos.

1.2.Os recursos

1.2.1. Das conclusões da assistente JJ

Inconformada com a decisão, a assistente interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

(…)

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões dos recursos, a questão a conhecer consiste em averiguar a existência de indícios dos crimes de difamação com publicidade agravada, previsto e punido pelos art.ºs 27.º, 180.º, n.ºs 1 e 4, 183.º, n.º 2, e 184.º, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01); e de gravações e fotografias ilícitas agravado, previsto e punido pelos art.ºs 199.º, n.º 2, al. b), e 197.º, do Código Penal, 30.º e 31.º da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13/01).

III. FUNDAMENTAÇÃO
(…)

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se os arguidos devem ser pronunciados,

- AA como autor material de 2 crimes de difamação com publicidade agravada e 1 crime de gravações e fotografias ilícitas agravado;

- DD como cúmplice de 2 crimes de difamação com publicidade agravada e 1 crime de gravações e fotografias ilícitas agravado;

- GG como autor material de 1 crime de difamação com publicidade agravado.

A instrução é uma fase processual de carácter facultativo destinada a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento (artigo 286º, nº 1 do C.P.P.). Pode ser requerida pelo arguido, em caso de acusação, ou pelo assistente, em caso de arquivamento.

Conforme refere Maia Costa, in Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2022- 4ª edição revista, p. 970, «A instrução não é um julgamento «antecipado», com o mesmo nível de garantias e direitos de defesa, com a mesma intensidade de produção e apreciação da prova. A instrução, insiste-se, visa apenas a comprovação da acusação, isto é, saber se existe fundamento para abrir a fase de julgamento, que é a fase central e paradigmática do processo penal, segundo o modelo garantista herdado do iluminismo».

Ou, nas palavras de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1994, volume III, p. 126, «No CPP a fase de instrução foi estruturada com uma dupla finalidade: obter a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação, por uma parte, e o controlo judicial da decisão processual do MP de acusar ou de arquivar o inquérito, nos termos do art. 277º, nº 1 e 2, por outra».

De acordo com o artigo 308º do C.P.P. :

1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos nºs 2,3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.

3 - No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.

Assim, o juízo a efectuar no final da instrução – bem como neste recurso – é acerca da suficiência de indícios recolhidos nos autos, para o que há que formular um prognóstico, uma previsão sobre o que acontecerá em julgamento.

Refere Germano Marques da Silva, in op. cit, p. 182-183, que «Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais, de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento.

Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.».

Ou seja, o grau de convicção exigido para que seja proferido um despacho de pronúncia equivalerá ao grau de convicção exigido para que seja proferida uma acusação – neste sentido, ver Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, volume II, 5ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 232.

Assim, se a probabilidade de absolvição for superior ou igual à de condenação, o processo não deve prosseguir, sendo proferido despacho de não pronúncia

Noutro entendimento, mais exigente, em consonância com os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, os indícios são suficientes quando os vários elementos de prova disponíveis provocam no juiz a convicção de que é altamente provável a condenação em julgamento.

Na verdade, enquanto princípio estruturante do processo penal, o princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 5 da CRP, vigora em todo o processo penal, pelo que também actua no momento da acusação e da pronúncia. Assim, não pode ficar alheado do juízo indiciário que é formulado nestes actos processuais.

Deste modo, não se deve submeter uma pessoa a julgamento por factos em relação aos quais existam dúvidas razoáveis, pelo que a suficiência dos indícios apenas se verifica quando não subsistam aquelas dúvidas, quando é atingida uma convicção de probabilidade de condenação.

Ou seja, seguindo a lição de Castanheira Neves, deve defender-se para a acusação «a mesma exigência de prova e de convicção probatória, a mesma exigência de “verdade” requerida pelo julgamento final» - in Sumários de Processo Criminal (1967-68), Coimbra, 1968, página 39.

Aquela primeira posição, denominada teoria da probabilidade dominante, é a que encontra mais apoio na letra da lei, pois o nº 2 do artigo 283º do C.P.P. (aplicável à decisão instrutória por força do disposto no artigo 308º, nº 2) diz-nos que os indícios são suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Veja-se, a propósito, o Acórdão do STJ de 8/10/2008, processo 07P031, relatado pelo Conselheiro Soreto de Barros, in www.dgsi.pt, onde se afirma que «possibilidade razoável» é a que se baseia num juízo de probabilidade, «uma probabilidade mais positiva do que negativa, de que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha».

A segunda posição mencionada exige que dos indícios resulte uma forte ou séria possibilidade de condenação em julgamento. Fala-se, a este propósito, em «possibilidade particularmente qualificada» ou de «probabilidade elevada» de condenação.

Veja-se, neste sentido, o Acórdão do STJ de 16/6/2005, processo 05P1938, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que «aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os...

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