Acórdão nº 05P1938 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução16 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo de inquérito em que é arguido o juiz de direito MCGV, o Desembargador que presidiu à instrução proferiu o seguinte despacho: «GSMR entretanto constituído assistente (cfr. fls. 408), inconformado com o despacho de arquivamento do inquérito, proferido de fls. 338 - 342, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, requereu, em tempo, a abertura da presente fase instrutória [cfr. fls. 374-393, dando, após convite - cfr.fls. 408-410 - cumprimento ao disposto no art° 287.º, n. ° 2, relativamente ao art° 283°, n. ° 3, als. b) e c), ambos do C.P.P.), com vista à pronúncia do arguido MCGV, identificado nos autos, pelos factos descritos de fls. 426-436 e pela prática de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art° 369°, n. ° 1 e 2, do C.P. Requereu diversas diligências instrutórias.

De tais diligências, a única que se teve por necessária foi o interrogatório do arguido (cfr. fls. 437), que consta de fls.440 - 443.

O arguido juntou os documentos que constituem fls.446 - 493.

Pelo assistente, aquando do debate instrutório, foram juntos os documentos que constituem fls. 496 - 538.

O Tribunal é o competente.

O processo é o próprio.

Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa na presente fase processual.

Realizado o necessário debate instrutório, cumpre decidir.

Dos factos: Tendo em conta o âmbito da instrução, demarcado, quanto ao seu objecto, pelo requerimento de fls. 426-436, afigura-se-nos suficientemente comprovada a verificação, face à análise crítica dos elementos de prova coligidos nos autos, dos seguintes factos: - O arguido MCGV, enquanto Juiz de Direito do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, praticou os seguintes actos: - Ao receber os autos de Providência Cautelar com o n.º 430/99, remetidos pelo Tribunal Judicial do Seixal, e que foram autuados por apenso, com o n.º 70-A/99, ao Proc. n.º 70/99, decidiu estar o recorrente JPR ainda em tempo para apresentar alegações de recurso (cfr.fls.53-56), e, tendo a Advogada da sociedade...., LDA. suscitado a questão de tal prazo se encontrar esgotado e da impossibilidade de o Tribunal de Comércio de Lisboa abrir um novo prazo de alegações de recurso no dito Proc. 70-A/99 (cfr. fls. 65-69), sobre tal requerimento recaiu o despacho de 15-5-2000, que consta de fls.71-72 destes autos, que aqui se dá por reproduzido.

- Na sequência do alegado pelo recorrente JPR, o arguido considerou que o Tribunal de Comércio de Lisboa era competente para apreciar de novo a matéria da Providência Cautelar que já havia sido decidida pelo Tribunal do Seixal a 30-8-1999 (cfr. fls. 45-51), o que fez em 21-12-2000, em sentido contrário ao antes decidido, nos seguintes termos, no relevante (cfr.fls.58-64): «Pelo exposto julgo totalmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, declaro suspensas as deliberações da Assembleia Geral de 23 de Abril de 1999.

De harmonia com o disposto nos art°s 456° e 457° do CPC condeno a Requerida [..., Lda.], como litigante de má fé, na multa de 10 UC, e em indemnização, a favor do Requerente, cujo montante será fixado logo que o processo contenha os elementos necessários para o efeito.

[...]» - O dito sócio, JPR, havia sido destituído de gerente da..., L.da, com justa causa, no âmbito de Assembleia Geral presidida, nos termos do art. 63° do Código das Sociedades Comerciais, pelo Senhor Notário do Seixal, a qual teve lugar em 20 de Agosto de 2000 (cfr.fls.28- 36).

- Porque impugnadas, as decisões do arguido atrás referidas vieram a ser apreciadas pela Relação de Lisboa no Proc. n.º 8111/01, da 6.ª secção, em despacho do Relator, de 12-7-2001, que consta de fls.75-79 destes autos, que aqui se dá por reproduzido.

- O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 9-5-2002, no Proc. n.º 9771/01, da 8.ª secção, proferido no âmbito do Proc. n.º 70/99, do 3.º Juízo do Tribunal do Comércio, apreciou as decisões do arguido em termos que constam de fls.463-484 destes autos, e que aqui se dão por reproduzidos.

- No Proc. n.º 63/99, do 30 Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de nomeação judicial de gerente, requerida por JAF e GMR - processo de jurisdição voluntária -, o arguido ordenou a citação do sócio JPR para contestar e decidiu apreciar da validade e existência para destituição do mesmo com justa causa proferindo, a 12-7-00, a decisão sobre a matéria de facto que consta de fls. 80 - 92, e aqui se dá por reproduzida, a qual, no ponto 72°, contém: «- Por razões de economia, dá-se aqui por reproduzida a matéria do Proc.° n.º 47/99 pendente no 3° Juízo deste Tribunal, conforme doc. n° 38 adiante junto, nos termos seguintes:», sendo que, no Proc. 47/99, eram partes JPR, como requerente, e..., Lda., como requerida (cfr.fls.1 19-155).

- A 30-10-2000, o assistente e JAF interpuseram recurso da decisão que julgou tal acção improcedente (cfr.fls.93), que veio a ser admitido por despacho de 27-4-2001 (encontrando-se datada a conclusão que o antecede, de 26-4-01 - cfr.fls.95), notificado aos recorrentes a 3-5-2001 (cfr.fls.94).

- Sobre a matéria de tal recurso já recaíram, pelo menos, as seguintes decisões: Ac. da R. de L., de 19-3-2002, Proc. n.º 421/01, da 1ª secção, constante de 97-1 17, cujo teor aqui se dá por reproduzido; Despacho do Exm° Cons.° Relator, de 5-12-2002, Proc. n.º 4049/02-1, do S.T.J., constante de fls.486-489, cujo teor aqui se dá por reproduzido; Ac. do S.T.J., de 18-12-2003, Proc. n.º 3828/03-6, constante de fls. 500-504, cujo teor aqui se dá por reproduzido; Ac. do S.T.J., de 27-11-2005, Proc. n.º 4037/04-2, constante de fls. 52 1-538, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Por outro lado, não se tem como indiciada a existência de qualquer outro facto relevante, nomeadamente que: - ao proceder e decidir como o fez, nos identificados processos do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, o arguido agiu sabendo que o fazia contra o sentido das normas jurídicas que expressa, ou implicitamente, invocava na fundamentação de tais decisões; - e com o propósito de, directamente, causar algum prejuízo a alguém, ou beneficiar alguém; - ou de impedir o normal andamento dos processos.

Na verdade, a falta de prova de tal complexo fáctico tem de se ter, insofismavelmente, como resultante da apreciação do contexto em que todos os factos dos autos se revelaram ocorridos, consubstanciado, entre o mais, nos documentos juntos (cfr. além dos já citados, os de fls.211-221, 490-492, 506, 509, 517 e 520) e no próprio teor do esclarecedor depoimento do arguido (de fls.440-443), que, no essencial, não se mostra, infimamente, posto em crise por quaisquer outros elementos probatórios constantes do processo.

Do direito Defende o assistente que o arguido praticou o crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art° 369°, n° 1 e 2, do Código Penal e, por isso, pretende a sua pronúncia.

Reza o apontado normativo, no que ora interessa: «1- O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra - ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias.

2- Se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até 5 anos.

[...]» «A primeira forma de actuação criminalizada pelo artigo é a promoção do procedimento.

Por promoção deve entender-se aqui a actividade de qualquer funcionário, não aparecendo o termo, pois, com o sentido processual tradicional, isto é, como actividade exclusiva do Ministério Público.

A promoção materializa-se assim, pois, numa actuação positiva, que se pode definir como dar andamento a .

Não promover é não desencadear, não dar andamento, o que representa uma omissão do dever de promover.

Conduz-se o processo quando o agente substitui a vontade da lei pelo arbítrio, praticando um acto que lhe é contrário quando tinha o dever de praticar o que estaria de acordo com a lei.

Decide-se (ou não se decide) quando se toma posição sobre uma questão ou questões controvertidas, pondo assim fim a um litígio.

Praticam-se actos no exercício de poderes decorrentes do cargo sempre que no desenvolvimento da tramitação processual e dentro do âmbito da competência que cabe ao agente no processo considerado, se levam a cabo condutas humanas que produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros.

Assumindo-se estes comportamentos estão corporizados os factos que podem conduzir à relevância criminal.

Mas falta mais algum coisa para que essa relevância se concretize.

Diz o legislador que é a consciência da conduta e a sua natureza anti ou contra-direito.

Isto é: para que o acto de promoção ou não promoção, de condução, de decisão, etc., produzido no âmbito processual atrás referido (inquérito, processo jurisdicional, processo por contra-ordenação ou processo disciplinar), ganhe dignidade penal é necessário, antes de mais que seja uma consequência de um vontade consciente e livre, ou seja, de uma acção dolosa, intencional, dirigida a um determinado resultado: negar ou falsear a justiça.

Estamos, pois, abertamente no âmbito do dolo directo.

Por outro lado, a acção do agente tem que se mostrar contra-direito, o que vale por dizer que tem que ser contrária a disposição expressa da lei.

No n.º 2 exige-se o dolo específico, ao reclamar-se que o agente aja com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.»- in anotação ao art° 369°, no II Vol., do C.P., 2a ed., págs. 1162-1163, de Leal-Henriques e Simas Santos.

- O que a lei sanciona no artigo 416° do Código Penal de 1982 é a "inércia", a "omissão" ou "abstenção dolosas" (e também o próprio retardamento ou demora, igualmente dolosos), e não o erro de apreciação ou julgamento em que eventualmente haja ocorrido o autor do acto, contra o qual a lei, em...

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