Acórdão nº 544/21.0GCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-17

Data de Julgamento17 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão544/21.0GCBRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, após audiência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 544/21...., do Tribunal Judicial da comarca ... - Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por acórdão proferido e depositado em 12.10.2022 (referências ...22 e ...51), foi decidido:

“a) Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, als. b) e e), 22.º, n. º1 e n.º 2 al. b), 14.º, n. º1, todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
b) Ordenar a recolha de amostra biológica para a base de perfis de ADN ao arguido.
c) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pela demandante AA parcialmente procedente e, em consequência;

- Condenar o demandado arguido BB no pagamento à demandante da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação do presente Acórdão e até efectivo e integral pagamento.
- No demais, julgar o pedido de indemnização civil formulado pela referida demandante improcedente, nessa parte absolvendo o demandado do pedido contra ele formulado.
d) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Hospital ... totalmente procedente e, em consequência, condenar o demandado arguido BB no pagamento ao referido Hospital, da quantia de € 1.802,97 (mil oitocentos e dois euros e noventa e sete cêntimos),
acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido ao arguido/demandado, até efectivo e integral pagamento.
e) Condenar o arguido nas custas do processo crime, fixando em 3 UC’s a taxa de justiça, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. fls. 267)
f) Condenar o demandado/arguido nas custas do pedido de indemnização civil formulado pela demandante AA, na proporção de 37,5% (trinta e sete e meio por cento) do valor do pedido, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. fls. 267). A parte remanescente fica a cargo da demandante, a qual beneficia também de apoio judiciário, além do mais, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. fls. 719).
g) Condenar o demandado/arguido nas custas do pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital ..., sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. fls. 267).”

I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido CC interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...60) - transcrição:

“1ª Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido na 1ª instância que condenou o recorrente pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada na pena de 7 anos de prisão efectiva e ainda a indemnizar a lesada na quantia de 60.000 € a título de danos não patrimoniais.
2ª Os factos constantes do acórdão, designadamente do ponto 33, da matéria de facto são insuficientes para ter por preenchido o dolo da conduta, porquanto nenhuma referência há à representação da conduta ilícita, ou seja, que o arguido em momento anterior à conduta se determinou a cometer o crime.
3ª Daí que se entenda os factos não suportam o preenchimento do dolo em qualquer das suas modalidades (artº 14º do Código Penal), porquanto não se alegou ou deu como provado que o arguido, em momento anterior à sua conduta, se predispôs, representando os elementos objectivos típicos, a cometer o crime.
4ª A interpretação que se extraia do disposto no artº 14º nº1 e 131º do Código Penal no sentido de que o arguido pode ser punido pelo crime de homicídio na forma consumada ou tentada sem que na decisão condenatória seja dado como provado o elemento intelectual do dolo, no sentido da sua pré-existência relativamente à conduta, deve ser julgado inconstitucional por violação do princípio da legalidade na sua vertente da tipicidade, do princípio do acusatório e do contraditório (artºs 29º nº1 e 32º nº1 e 5 da Constituição).
5ª A alteração factual levada a efeito no ponto 24 da matéria de facto relativamente à acusação quanto a agressões após a ofendida se “fazer de morta” no sentido que este o fez “para ver se esta estava morta”, quando na acusação se diz que este abanou a ofendida/assistente, para confirmar se esta estava morta, levantou-se e pisou-lhe o rosto duas vezes, sem que a ofendida tivesse reagido. leva a concluir que o arguido ficou surpreendido e não acreditou que a ofendida estivesse morta ou suspeitou que esta se estivesse a fazer de morta e abanou-a e pisou-a na face para ver se esta reagia.
6ª E como esta não reagiu, fazendo-se de morta, não se mexendo e permanecendo com os olhos abertos, o arguido convenceu-se de que a ofendida estava morta, pelo que assim sendo, este agiu não se conformando com o resultado morte, mas convenceu-se que a ofendida estava morta, pelo facto de esta não reagir.
7ª Assim, independentemente da fórmula conclusiva constante do ponto 33 dos factos provados, tem de se concluir que os factos dados como provados não preenchem o tipo de crime de homicídio, mas antes o tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no artº 145º nº1 al. a) do CP, porquanto como decorre dos sucessivos relatórios periciais juntos não resultou da conduta do arguido qualquer das circunstâncias agravantes das alíneas do artº 144º do CP.
8ª O Tribunal não podia ter determinado que a diligência de declarações da arguida para memória futura se fizesse na ausência do arguido, nem o Tribunal o podia dispensar ou afastar da diligência.
9ª O artº 24º nº1 e 2 da Lei 130/15 de 4/9 determina que o arguido tem de ser notificado para que possa estar presente, pelo que este tem direito a estar presente na diligência (cfr. o artº 24º nº2 da Lei 130/15 e 61º nº1 al. a) do CPP).
10ª A norma do artº 24º da Lei 130/15, ao contrário do que dispõe o artº 271º nº6 do CPP e o artº 33º nº5 da Lei 112/09 de 16/9, não prevê o afastamento do arguido da diligência, nos termos do disposto no artº 352º do CPP.
11ª Por outro lado, não podia ser aplicada a norma do artº 352º do CPP, uma vez que a norma do artº 24º da Lei 130/15 se trata de uma norma excepcional que não comporta aplicação analógica – artº 11º do Código Civil – e não prevê o afastamento do arguido.
12ª Mas, mesmo que se entendessem aplicáveis as normas dos artºs 271º nº6 do CPP e 33º nº5 da Lei 112/09 e se entendesse que o arguido podia ser afastado da diligência, havia de ser proferido despacho nesse sentido, nos termos do artº 352º nº1 do CPP e este tinha, da mesma forma, direito a estar presente na mesma e, por consequência, devia ser aplicada a norma do artº 332º nº7 aplicável ex vi do artº 352º nº2 do CPP, uma vez que para se afastar o arguido, este tem que estar presente.
13ª O arguido faltou à diligência, mas não estava nas suas mãos estar presente, dado que estando este preso preventivamente devia ser requisitado e transportado para o Tribunal – artº 332º nº2 do CPP.
14ª Mas, ainda que se entenda que podia estar presente e ser afastado, o cumprimento do disposto no artº 332º nº7 do CPP, aplicável por via do disposto no artº 352º nº2 do CPP, visa, entre o mais, conceder ao próprio arguido a faculdade de requerer que sejam colocadas perguntas ao depoente (ou de este as solicitar ao seu defensor), razão pela qual as testemunhas e declarantes não podem ser dispensados antes do Tribunal cumprir o disposto no artº 332º nº7 do CPP – cfr. neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, pág. 907.
15ª Faculdade que o arguido não pôde exercer, pelo que foi cometida a nulidade insanável do artº 119º al. c) do CPP.
16ª A interpretação que se extraia do disposto nos artºs 24º nº2 da Lei 130/15, 33º nº5 da Lei 112/09 e 271º nº6 do CPP em conjugação com o disposto no artº 61º nº1 al. a), 332º nº2 e nº7, aplicável ex vi do artº 352º nº2 do CPP no sentido de que o arguido pode ser afastado da diligência ou ser a diligência de prestação de declarações para memória futura realizada na sua ausência, é inconstitucional por violação do disposto no artº 32º nº1, 5 e 6 da Constituição.
17ª Os antecedentes da diligência de reconstituição do facto apontam para o seguinte:
- A GNR foi chamada às 2.54 h do dia 5/9/21 e chegou ao local às 3.00 horas (fls. 4 e 5), tendo o recorrente sido imediatamente detido, ou seja, às 3.00 horas (fls. 34);
- O recorrente foi constituído arguido às 4.00 horas (fls. 28);
- Foi realizado exame de alcoolemia ao arguido às 4.20 h (fls. 117);
- Exame às roupas e fotos do detido às 6.15 h (fls. 74); - A PJ entrou em contacto com o detido pelas 7.00 horas (tendo em conta que estava no Hospital ... pelas 6.15 h – fls. 12 e 13);
- O detido foi entregue à PJ às 8.00 horas (fls. 35);
- Foi realizado o exame às roupas do detido às 9.25 h (fls. 69);
- A hora desconhecida foi lavrado um termo de consentimento pelo arguido, redigido pela PJ (fls. 53) no qual constava que este declarava que “(…) de livre vontade e consciente da minha qualidade de arguido, cujos direitos me foram explicados, espontaneamente me prontifico para a reconstituição do facto, com a presença de elementos da Polícia Judiciária, tendo em vista esclarecer as circunstâncias do crime ocorrido hoje, entre as 2.00 e as 2.45, na via pública, concretamente nas imediações das casas de banho na ..., em B....
Mais consinto que a presente “reconstituição do facto” seja efectuado com o registo de imagens fotográficas que autorizo.
- Às 16.30 h teve início a diligência de reconstituição do facto, na qual:
- informalmente confessou a autoria dos factos;
- de livre e espontânea vontade voluntariou-se a acompanhar a PJ ao local;
- prestou as declarações aí constantes que se dão aqui por integralmente...

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