Acórdão nº 474/22.9GDVFR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-31

Ano2024
Número Acordão474/22.9GDVFR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 474/22.9GDVFR-A.P1
Data do acórdão: 31 de Janeiro de 2024

Desembargador Relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora 1ª Adjunta: Carla Oliveira
Desembargadora 2ª Adjunta: Paula Pires

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira



Sumário:
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Acordam por unanimidade, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

nos presentes autos, em que figura como recorrente o arguido AA.


I – RELATÓRIO

1. O despacho datado de 28 de Junho de 2023, proferido pelo tribunal da primeira instância, tem o teor seguidamente reproduzido:

«Veio o arguido requerer a não transcrição da condenação que sofreu nestes autos, no registo criminal, alegando que não foi condenado em pena não privativa da liberdade, não sofreu condenação anterior da mesma natureza, e das circunstâncias que acompanharam o crime não se induz perigo de prática de novos factos. Mais, aduz que está inserido profissional, pessoal, social e familiarmente, exercendo actividade profissional como professor há cerca de 33 anos, donde retira os seus únicos rendimentos.

O Ministério Público promoveu o indeferimento desse pedido.

Foi junto certificado de registo criminal actualizado do arguido.

Cumpre apreciar e decidir.

Prevê o art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05/05, que “sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”

Sublinhe-se sempre que a não transcrição da sentença apenas opera em relação a certificados emitidos nos termos e para os efeitos dos n.ºs 5 e 6 do art. 10.º da mencionada lei, ou seja, os certificados emitidos para fins administrativos e particulares relacionados com o exercício da atividade profissional, o que inclui a avaliação da idoneidade profissional.

De facto, a possibilidade de não transcrição das sentenças condenatórias destina-se a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação, podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego, obviando àquilo a que FIGUEIREDO DIAS, Jorge - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91, designa de “o anátema social que para o condenado deriva da publicidade dos seus antecedentes criminal”.

Ora, no caso vertente, o arguido foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de 8,00€ (oito euros), num total de €480,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º1, al. a), do CP, e pelo art. 152.º, n.º3, do Código da Estrada.

Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/09/2019, P.º 171/17.7PBMTA-A.L1-9 (www.dgsi.pt), “temos por assente que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção, pois visando o registo criminal permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes, a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado”.

Destarte, terão de estar verificados os seguintes requisitos específicos para a não transcrição: a) três requisitos formais: não ter o arguido sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade, ser a condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade e o arguido não ter sofrido anterior condenação por crime da mesma natureza; e b) um requisito substancial: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Tendo o arguido sido condenado em pena de multa pela prática de um crime de desobediência, não se encontra registado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação anterior pela prática do mesmo crime.

Não obstante, importa referir que o crime de desobediência pelo qual o arguido vem condenado está estreitamente relacionado com o crime de condução em estado de embriaguez pelo qual foi anteriormente condenado. Com efeito, o arguido incorreu na prática daquele crime em face da recusa de realização de teste de despistagem de álcool, no exercício da condução, desta forma obstando a eventual nova condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez.

Acresce que, quanto ao último dos requisitos, há que aferir, se “perante todos os factores relevantes disponíveis, é viável, afinal, um juízo de prognose favorável ao recorrente nesse estrito sentido de sustentar a ausência desse perigo no seu futuro comportamento. Caberá, aqui, trazer à colação esses factores, constantes da sentença recorrida, com vista à avaliação das circunstâncias do ilícito e da culpa no crime”, fundando-se o mesmo em factores que acompanharam o crime – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.06.2018, proc. n.º 1646/14.5GBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt.

Ora, embora a ilicitude da conduta do arguido se prefigure num patamar mediano, não tendo tido consequências para além da sua condenação, a verdade é que actuou com dolo directo e não apresentou, em sede de audiência de discussão e julgamento, arrependimento ou sentido crítico quanto aos factos praticados.

Tais condições impedem a formulação de um juízo de prognose favorável, razão pela qual não se consideram verificados os requisitos legalmente exigidos para a não transcrição.

Face ao exposto, indefere-se a requerida não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal a que se referem os art. 10.º n.º5 e 6 da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.

Notifique.»


2. Inconformado com o indeferimento, o arguido interpôs recurso do despacho, concluindo a motivação do recurso nos seguintes termos:
«O ora Recorrente, após trânsito da decisão condenatória, requereu junto do Tribunal a Quo ao abrigo do disposto no artigo 13º nº 1 da Lei 37/2005 de 5 de Maio. a não transcrição da sentença condenatória para o respectivo registo criminal, quando requerido para efeitos de emprego.
O referido requerimento foi decidido como improcedente por despacho proferido pelo Tribunal a Quo.
Entende o recorrente que o douto Tribunal a quo efectuou uma interpretação errónea do artigo 13º nº 1 da Lei 37/2005 de 5 de Maio.
O presente recurso tem como objecto toda a matéria e decisão do despacho acórdão proferido nos presentes autos, porquanto, com salvaguarda do maior respeito por opinião de sentido contrário, entende o agora Recorrente que tal despacho acórdão não fez uma correcta e adequada ponderação factual e enquadramento legal da matéria em causa.
Segundo preceitua o artigo 13.º, n.º 1 da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º.”
Assim, a não transcrição da condenação, prevista no n.º 1 da citada norma, depende da verificação de requisitos de ordem formal e material.
São requisitos formais a condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade e a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza.
O requisito de ordem material resultará preenchido sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime, não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. Ou seja, este requisito tem por referência as circunstâncias que acompanharam o crime, procurando-se com elas aferir se não resulta um juízo de prognose desfavorável e é possível dar resposta negativa à questão de saber se, de tais circunstâncias, se induz o perigo de prática de novos crimes.
Na fundamentação do despacho, o Tribunal A Quo reconhece a verificação dos pressupostos formais acima vertidos, nomeadamente é referido que: “(…) Tendo o arguido sido condenado em pena de multa pela prática de um crime de desobediência, não se encontra registado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação anterior pela prática do mesmo crime (…)”.
No entanto, e não obstante o referido, na fundamentação do despacho é apresentada uma perspectiva que no entender do Tribunal a Quo permite equiparar os dois tipos legais pelo que o arguido foi condenado como sendo semelhantes, não se preenchendo nesse entendimento, e dessa forma o requisito formal previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, mais concretamente, o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza:
É também relativamente a esta posição...

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