Acórdão nº 46/23.0GCSTS-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-29

Data de Julgamento29 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão46/23.0GCSTS-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 46/23.0GCSTS-A.P1

I

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Nos autos de Processo Sumário n.º 46/23.0GCSTS, do Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 2, em que é arguido AA, foi proferido despacho, em 28-05-2023, pelo qual se decidiu que a decisão da Segurança Social que atribuiu àquele o benefício do apoio judiciário é inoperante nos autos e neles não produzirá qualquer efeito útil (ref.ª 447592716).
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Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, tendo apresentado a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
“1 - O presente recurso é interposto do douto despacho datado de 28 de maio de 2023 que declarou inoperante a decisão da Segurança Social relativa ao apoio Judiciário concedido ao arguido.
2 - Ministério Público entende, porém, que este entendimento não pode ser aceite, uma vez que não só é contraditório entre si, como também apresenta uma hermenêutica jurídica que não se compagina com os factos que, a este propósito, relevam processualmente, nem com o Direito que lhe é aplicável.
3 - Efetivamente, foi proferida sentença condenatória do Arguido a 17/01/2023.
4 - Sentença que transitou em julgado a 16/02/2023.
5 - Antes de ter transitado em julgado a referida decisão, mais concretamente a 25/01/2023, o arguido requereu junto do Instituto da Segurança Social, IP, que lhe fosse concedida protecção jurídica, na modalidade de Dispensa de Pagamento da Taxa de Justiça e Demais Encargos com o Processo e Pagamento da Compensação de Defensor Oficioso.
6 - Tal pedido de proteção jurídica foi deferido, nos precisos termos requeridos, a 27/02/2023, tendo sido comunicado aos presentes autos, a 03/03/2023, pela própria Segurança Social.
7 - Ora, no âmbito do processo penal, consagra o art. 44.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que o pedido de proteção jurídica deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
8 - In casu afigura-se evidente que o Arguido requereu o Apoio Judiciário a 25/01/2023, em momento manifestamente anterior ao trânsito em julgado da sentença aqui proferida (16/02/2023).
9 - Quer isto dizer que foi o presente pedido de proteção jurídica tempestivamente apresentado, devendo, por isso, ser reconhecido e declarado operante e aplicável nos presentes autos, com todos os legais efeitos.
10 - Por outras palavras, não se percebem os fundamentos de facto e de Direito em que se alicerça a decisão a quo e, muito menos, a conclusão apresentada, que se afigura contraditória nos seus fundamentos.
11 - De igual sorte, percorrida toda a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e o Código de Processo Penal, não existe qualquer normativo legal que, no âmbito dos processos penais, consagre a obrigatoriedade de comprovar-se o pedido de proteção jurídica antes de ser elaborada a conta ou de que, elaborada a conta antes da decisão final do pedido de protecção jurídica formulada, vir o mesmo a ser inoponível quando a decisão for posterior à elaboração de conta.
12 - Aliás, tal cenário seria inconcebível à luz da axiologia e teleologia inerente ao procedimento de proteção jurídica, consagrada no art.º 20.º da CRP e na Lei 34/2004, de 29 de Julho.
13 - Também nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º (Finalidades) da Lei
34/2004, na redacção conferida pela Lei n.º 47/2007, de 28/8, que estabelece: “O sistema de acesso ao direito e aos Tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.
14 - Em síntese, face ao Regulamento das Custas Processuais, a concessão do apoio judiciário visa efectivamente e apenas o não pagamento de custas pelo arguido que não reúne condições económico-financeiras para o efeito, seja qual for a fase processual em que o mesmo é requerido junto dos serviços da Segurança Social (até ao trânsito em julgado), pois ao longo de todo o processo nunca é exigido ao arguido o prévio pagamento de qualquer quantia para o exercício dos seus direitos de defesa. Como por todos reconhecido e previsto no art.º 1, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29/7, em consonância com o prescrito no artigo 20.º da CRP, de que é concretização, o apoio judiciário destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
15 - Assim, somos de entender que deve ser tido como atempadamente apresentado o requerimento de Apoio Judiciário e, uma vez deferido pela Segurança Social, deve ser levado em consideração para os fins tidos por convenientes, mais concretamente para efeito de isenção do pagamento de custas.
16 - Ademais, sempre se dirá que se está a imiscuir nas decisões de uma outra entidade, o que não pode acontecer.
Assim, entende o Ministério Público que a decisão em crise deve ser revogada e alterada por uma outra que reconheça e declare como operante nos presentes autos o benefício de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso de que o arguido beneficia, pois só assim se fará inteira e sã Justiça!.
Nestes termos, os Exm.ºs Senhores Desembargadores do Tribunal de Relação do Porto melhor decidirão.” (ref.ª 36246287).
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Admitido regularmente o recurso por despacho, não foi apresentada resposta (ref.ª 450096009).
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Remetidos os autos a este Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, sustentando, em síntese, que, em face do regime legal aplicável, que enunciou, acompanha o recurso interposto pelo Ministério Público (ref.ª 17353559).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com decisão em conferência.
II
As conclusões formuladas, resultado da motivação apresentada, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Como questão prévia importa referir que, a nosso ver, assiste legitimidade ao Ministério Público para interpor o presente recurso, cuja falta, ainda que não invocada expressamente, é aventada pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer (parte III).
Com efeito, ainda que o Ministério Público não tenha sido o requerente do apoio judiciário, em representação do arguido, como a lei lhe permitiria (art. 19.º, al. b), da Lei n.º 34/2004, de 29-07), o mesmo dispõe de legitimidade para recorrer “de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido” (art. 401.º, n.º 1, al. a), do CPP).
E mesmo que se entendesse que no caso presente se trata de questão alheia à matéria do processo criminal, sendo invocada a violação de lei expressa, sempre seria de ter em conta a legitimidade para recorrer que lhe advém do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea q), do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27-08).
Passando a apreciar os argumentos apresentados no recurso, importa ter presente o processado dos autos, com relevo para a decisão, o qual foi o seguinte:
a) Nos presentes autos de processo sumário foi proferida sentença em 17-01-2023, pela qual o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, em pena de multa e no pagamento das custas do processo (ref.ª 444266455).
b) Em 25-01-2023 o arguido apresentou nos Serviços da Segurança Social pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda de
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