Acórdão nº 4359/17.2T8MTS-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão4359/17.2T8MTS-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 4359/17.2T8MTS-A.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Matosinhos – J 1

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
No âmbito do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referentes à prestação de alimentos devida por AA à sua filha BB, constatou-se o desconhecimento do paradeiro do obrigado e o incumprimento da sua obrigação da prestação de alimentos fixada pelo tribunal no âmbito do processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais[1], no valor de € 100,00 por mês.
Por sentença de 18.3.2019, foi decidido o seguinte:
«Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei n º 75/98 de 19 de Novembro (alterada pela Lei nº 66-B/2012 de 31-12) e arts. 2º e 3º do Dec. Lei n º 164/99 de 13 de Maio (alterado pelo Dec Lei nº 70/2012 de 16 de Junho):
a) Julgo verificado o incumprimento por parte do requerido no que se refere ao pagamento dos alimentos devidos à sua filha menor, declarando-se, porém, que tal obrigação é insusceptível de ser cobrada pelo recurso aos mecanismos previstos no art. 48º do RGTC
b) Fixo na quantia de cento e dois euros (102€) o montante da prestação alimentar substitutiva
c) Condeno o Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Notifique a mãe da menor nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9º n º 4 do Dec. Lei n º 164/99 de 13 de Maio.
(…)».
Por despacho de 2.7.2020, em sede de revisão obrigatória da pensão, o tribunal verificou os pressupostos que determinaram a fixação de prestação substitutiva de alimentos e manteve a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores[2] pelo montante já fixado.
Porém, na revisão anual subsequente, face aos documentos apresentados pela Requerente, CC, o Ministério Público promoveu a manutenção da pensão, mas o tribunal, por despacho de 9.7.2021, por dúvidas, solicitou informação social sobre a situação do agregado familiar.
Realizado inquérito social, em 9.8.2021, a Requerente, notificada para o efeito, pronunciou-se sobre o mesmo, requerendo que se procedesse a novos cálculos e se corrigisse o relatório social.
Não obstante, o tribunal proferiu, de imediato, decisão sobre a verificação dos pressupostos da pensão substitutiva de alimentos, concluindo pela sua cessação e desoneração da obrigação de pagamento pelo FGADM, nos termos do disposto nos art.ºs 4.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e 9.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio.
A título de questão prévia, o tribunal consignou na decisão:
«O Tribunal entende não ser necessária a realização de novo relatório, porquanto o cálculo foi feito atendendo ao rendimento anual (ou seja, englobando os subsídios), por corresponder ao rendimento disponível efetivo, sendo esse o rendimento que efetivamente deve ser considerado e não o rendimento correspondente ao salário mensal (a 12 meses), sem subsídios, conforme pretende a requerente. Tudo conforme dita a boa interpretação do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei 70/2010, de 16 de junho e 3.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio.
Ainda que assim não fosse, conforme infra se explanará, mesmo com base no rendimento mensal da requerente em singelo (rectius: sem considerar os subsídios), nunca estariam reunidos os pressupostos para a manutenção da prestação.
Motivo pelo qual se indefere a pretensão da requerente, de reformulação do relatório pelo Instituto da Segurança Social, IP.»
Prosseguindo na fundamentação e na decisão, o tribunal a quo dispôs o seguinte:
«Em face o exposto, decide-se declarar cessada a prestação substitutiva fixada nestes autos em benefício da criança BB bem como a correspondente obrigação de pagamento por parte do FGADM.»
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Inconformada com o decidido, a Requerente interpôs apelação onde alegou com as seguintes CONCLUSÕES:
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da decisão recorrida.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
Nas questões a decidir tem o tribunal tem de atender à delimitação dada pelas conclusões da apelação da Requerente, acima transcritas; assim, aos temas de que deva conhecer nos termos dos art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil.
São as seguintes as questões suscitadas pela apelante:
1. Interpretação do art.º 3º, nº 1, al. a), do Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de julho, na verificação das condições de recurso à pensão de substituição a pagar pelo FGADM a favor da criança;
2. Inconstitucionalidade da interpretação daquela norma, efetuada pela Segurança Social e pelo Tribunal no cálculo daquela pensão.
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III.
O tribunal deu como provados os seguintes factos:[3]
1. BB nasceu a .../.../2012 e foi registada como filha da requerente e do requerido – cf. doc. junto a fls. 12 dos autos de regulação das responsabilidades parentais apensos.
2. As responsabilidades parentais referentes à menor foram judicialmente reguladas no âmbito dos autos apensos, por decisão de 23 de abril de 2018, nos termos da qual ficou determinado, além do mais, que a menor residiria com a mãe, ficando o pai obrigado a prestar-lhe alimentos no montante mensal de € 100,00 (anualmente atualizáveis em € 2,00, em janeiro de cada ano e com inicio em janeiro de 2019) – cf. fls. 65 a 74 dos autos de regulação das responsabilidades parentais apensos.
3. O progenitor nunca procedeu ao pagamento dos alimentos devidos à filha.
4. Não há registo de atividade laboral por parte do requerido nem informação de que receba qualquer rendimento mensal fixo ou regular - cf. ref. citius 426513852 e 426513505.
5. A criança reside apenas com a mãe, em território português, concretamente na Rua ..., ... ..., Matosinhos.
6. A progenitora aufere mensalmente a quantia de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros) de salário base, acrescidos de € 4,52 (quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) de subsídio de alimentação por dia, num total de € 677,73, cada mês. – cf. recibos com a ref. citius 29356472.
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IV.
1. Interpretação do art.º 3º, nº 1, al. a), do Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de julho, na verificação das condições de recurso à pensão de substituição a pagar pelo FGADM a favor da criança
Alega a recorrente que a correta interpretação da norma do art.º 3º, nº 1, al. a), do Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de julho, impõe que se considere “rendimento líquido de trabalho dependente auferido e efectuar os cálculos com base no rendimento ilíquido de trabalho dependente sem ter em conta as despesas obrigatórias e essenciais para educar uma criança, sob pena de colocar em causa a vida e integridade física da Recorrente e da sua filha menor BB”.
Vejamos.
A Lei 75/98, de 19 de novembro[4], estabeleceu a garantia de pagamento dos alimentos devidos a menores pelo Estado, através do FGADM. O Decreto-Lei 164/99, de 13 de maio[5], regulamentou essa lei.
Ao FGADM foi atribuída a obrigação de garantir o pagamento dos alimentos devidos aos filhos menores residentes em território nacional, quando seja impossível cobrá-los às pessoas judicialmente obrigadas a prestá-los.
O pagamento das prestações alimentares pelo FGADM depende da verificação cumulativa dos pressupostos previstos no nº 1 do art.º 1º e nº 2 dos art.º 2º da Lei 75/98, e al.s a) e b) do nº 1 do art.º 3º do Decreto-lei nº 164/99, resultando destas que:
1- O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro[6]; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
De acordo com o nº 2 deste mesmo artigo, entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
Conforme o subsequente nº 3, o agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei nº 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis nºs 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.
As condições de manutenção/cessação aferem-se pelas condições de atribuição das prestações (art.º 9º, nº
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