Acórdão nº 31/01.3PEVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09-01-2024

Data de Julgamento09 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão31/01.3PEVCT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I-RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 31/01.... que corre termos pelo Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 23 de janeiro de 2003, foi proferida sentença condenatória, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“(…)
Julgar totalmente procedente a acusação, quanto ao arguido AA e condená-lo, assim, pela autoria material de um crime de receptação, p. p.. pelo art. 231°, n.° 1 do CP82Rev95, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €3,00 dia, num total de €900,00 de multa;
(…) ”. [sublinhado e negrito nossos].

I.2 Recurso da decisão

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
I. O presente recurso interposto da douta sentença que decidiu condenar o arguido AA pela autoria material de um crime de recetação, p.p. pelo artigo 231º, nº1 do CP82REV95, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 3.00€/dia, num total de 900€.
II. Ao presente caso, deverá ser aplicada a lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no passado dia 1 de setembro,
III. A Lei mencionada no ponto II das conclusões veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
IV. Nos termos do disposto no art-º 3º, nº2, alínea a) do citado diploma e no que aqui releva, são amnistiadas as penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão.
V. A referida lei abrange as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00h00m de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre os 16 e 30 anos de idade à data da prática, nos termos definidos nos respetivos artigo 3º e 4º, pressupostos que também se verificam no caso vertente (Artº 2º)
VI. Nos presentes autos estão em causa factos ocorridos no mês de julho de 2001.
VII. O arguido nasceu no dia 5-11-72.
VIII. Quer isto dizer que, por altura da prática dos factos, o arguido tinha 28 anos.
IX. Pelo que, o supra referido diploma será necessariamente de aplicar ao caso em concreto.
X. Sendo que o arguido foi condenado numa pena de 300 dias, então, ao manter-se a condenação, esta terá de ser necessariamente numa pena de 180 dias, por força da amnistia de 120 dias de que o arguido beneficia, o que se pugna.
XI. Por outro lado, entende o recorrente que o procedimental criminal se encontra prescrito.
XII. Ora, o julgamento em 1ª instância ocorreu sem a comparecência do recorrente.
XIII. O mesmo foi declarado contumaz no dia 04/11/2003, conforme é possível constatar nos presentes autos.
XIV. Nos termos do artigo 231º do Código Penal, o crime de recetação é punível com uma pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
XV. Por força disso, de acordo com o artigo 118º, nº1 alínea c) do Código Penal, neste crime o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido o prazo de dez anos.
XVI. Sucede que, nos termos do artigo 120º, nº1 alínea c) do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia, não podendo a suspensão ultrapassar o prazo normal da prescrição, isto é, dez anos. Cfr. artigo 120º, nº 3 do CP.
XVII. A prática do crime ocorreu em Julho de 2001.
XVIII. Tendo em consideração o prazo de 10 anos de prescrição, então, o procedimento criminal prescreveria, sem ter em consideração qualquer tipo de suspensão, em julho de 2011.
XIX. Contudo, e como referido supra, o arguido foi declarado contumaz em 4-11-2003, tendo sido suspensa a prescrição do procedimento criminal.
XX. Assim sendo, entre julho de 2001 e a data da declaração da contumácia, passaram-se dois anos e 4 meses.
XXI. Em virtude do exposto, no artigo 120º, nº1, alínea c) e nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal esteve suspensa durante 10 anos, isto é, até ao dia 4-11-2013.
XXII. Sucede que, após esta data, deu-se por cessada a declaração de contumácia e, consequentemente, a suspensão da prescrição do procedimento criminal.
XXIII. Levantada a suspensão do procedimento criminal, e já tendo sido decorridos dois anos antes da declaração de contumácia, então, faltariam ainda 7 anos e 8 meses para que ocorresse a dita prescrição do procedimento criminal.
XXIV. Assim sendo, tal prescrição ocorreria, tal como como ocorreu, no dia 04- 07-2021.
XXV. Desta feita, em virtude da ocorrência da prescrição do procedimento criminal, deverá a condenação da qual foi alvo o arguido ser decreta extinta, o que se pugna.
XXVI. Nestes termos, por força da conjugação dos artigo 118º, nº1, alínea b), 120º, nº1 C) e nº3 CP, deverá ser decretada a extinção da pena aplicada ao aqui recorrente, com as devidas e legais consequências.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

a) deverá ser decretada a extinção da pena de multa aplicada ao recorrente em virtude da prescrição do procedimento criminal, com as devidas e legais consequências; caso não seja esse o entendimento,
b) Ser aplicado aos presentes autos o exposto na lei 38-A/2023, designadamente, o artigo 3º, nº2, alínea a), descontando à pena aplicada a pena de multa de 120 dias (correspondente à amnistia), perfazendo assim a pena de multa aplicada ao recorrente em 180 dias.
(…)”.

I.3 Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Sr.ª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
I. O Recorrente foi condenado como autor material de um crime de recetação, p. e p. pelo 231.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 3.00€/dia, num total de 900€ de multa, por factos ocorridos em Julho de 2001, tendo o julgamento decorrido na sua ausência.
II. O Recorrente foi declarado contumaz no dia 04/11/2003, nos termos previstos no artigo 335.º do Código de Processo Penal.
III. A prescrição do procedimento criminal é, no caso, de dez anos - artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 231.º, n º1 do Código Penal.
IV. Tal prazo de prescrição suspende-se e interrompe-se com a declaração de contumácia, de acordo com o disposto nos artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
V. A suspensão do prazo de prescrição, enquanto vigora a declaração de contumácia, não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição (artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 19/2013, de 21-02).
VI. Trazendo à colação o artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, sempre se dirá que, desde a data da prática dos factos – julho de 2001 – até à data de declaração de contumácia – 04-11-2003 (decorreram dois anos e três meses), descontado o período em que esteve suspensa a prescrição (de 04-11-2003 a 04-11-2013), não decorreram mais de 15 anos– prazo normal de prescrição acrescido de metade).
VII. Além da aludida declaração de contumácia, verifica-se que a sentença não pôde ser notificada ao ausente, nos termos do art. 120.º, n.º1, d) do Código Penal, enquanto segunda causa de suspensão daquele prazo de prescrição.
VIII. Pelo exposto, salvo melhor entendimento, não se considera que deva ser declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto à prática do crime de recpetação pelo qual o arguido, ora Recorrente, se encontra condenado.
IX. A lei n.º 38.º A /2023 de 2 de Agosto, estabelece um perdão de penas e uma amnistiam de infracções por ocasião da realização da Jornada Mundial da Juventude, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 01.09.2023.
X. É concedido o perdão das penas, além do mais, e no que ao caso interessa, às penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão, nos termos do art. 3.º, n.º 2, a), do sobredito diploma legal.
XI. O Recorrente foi condenado na pena de 300 dias de multa, não se prefigura que o mesmo possa beneficiar do Perdão da Pena nos termos expostos.

Por tudo quanto exposto, o recurso deverá ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, condenando o arguido pela prática do crime de receptação.
(…)”.

I.4 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:

II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

® Saber se o presente procedimento criminal se encontra extinto por efeito da prescrição;
Caso assim não se entenda:
® Saber se é de reduzir a 180 dias a pena de multa aplicada ao arguido, face à Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto [Lei do perdão...

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