Acórdão nº 304/22.1GDVFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-19

Ano2022
Número Acordão304/22.1GDVFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 304/22.1GDVFR.P1

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo sumário, por sentença de 29-04-2022, proferida oralmente em audiência e com reprodução em ata do dispositivo, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de cento e vinte (120) dias de multa, à taxa diária de sete euros (€7,00), perfazendo o total de oitocentos e quarenta euros (€840,00).

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs o presente recurso, que rematou com as seguintes
CONCLUSÕES:
a) A douta sentença recorrida foi proferida oralmente pela Digníssima Juiz a quo na Audiência de Julgamento de 29.04.2022, ficou registada no sistema integrado de gravação digital, tendo a sua prolação iniciado às 11 horas 40 minutos e 54 segundos tendo terminado às 11 horas 50 minutos e 15 segundos, com a duração de 08 minutos e 34 segundos;
b) Das concretas passagens da douta sentença, de 00:43 a 00:46 e de 02:01 a 02:20, resulta que, o Digníssimo Tribunal a quo, no que por ora é relevante, deu como provado que: (…)
c) O n.º 2 do artigo 69º do código Penal dispõe que a proibição de conduzir «produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão»;
d) O artigo 69º do Código Penal foi revisto pela Lei n.º 19/2013 de 21 de Fevereiro, tendo o legislador mantido intocável a redacção do n.º 2 daquele preceito;
e) Tendo em conta o n.º 3 do artigo 9º Código Civil, apesar das sucessivas alterações legislativas, o que o legislador quis consagrar no n.º 2 do artigo 69º do Código Penal foi que a proibição de conduzir «produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão»;
f) Nem do n.º 3 do artigo 69º do Código Penal, nem do n.º 2 do artigo 500º do Código de Processo Penal resulta que os actos de depósito da carta de condução pelo arguido ou a sua apreensão ao arguido, constituem termo inicial de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir;
g) Por isso, o termo inicial de cumprimento da proibição de conduzir produz efeitos «a partir do trânsito em julgado da decisão», independentemente da carta de condução estar ou não apreendida;
h) A permissão legal conduzir atribuída a um determinado individuo, não se confunde com o documento que atesta tal permissão legal, como resulta das disposições conjugadas do n.º 1 do n.º 4 do artigo 121º do Código da Estrada;
i) A pena acessória de proibição de condução inibe a permissão de conduzir do condenado, sendo que a entrega ou apreensão da carta de condução é uma imposição legal que visa fiscalizar o bom cumprimento da pena;
j) Não é pela entrega ou apreensão da carta de condução que o arguido cumprirá a pena acessória de conduzir, porquanto tal cumprimento depende directamente da sua abstenção ou não abstenção de conduzir no período em que está inibido;
k) Daí que, também por esta razão, não se poderá considerar que o momento da entrega da carta ou da sua apreensão é o momento em que se inicia o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir.
l) E também por isso é que a Lei também distingue dois desígnios criminosos: (1) se o arguido não entrega a carta de condução no prazo legal comete um crime de desobediência; (2) se o arguido conduz após o trânsito em julgado da decisão que aplicou pena acessória de inibição de conduzir comete um crime de violação de proibições.
m) Veja-se no sentido, das vertidas conclusões o douto acórdão o Tribunal da Relação de Évora, de 25.01.2022, processo n.º 152/17.0GBODM.E1, relatado por Moreira das Neves, consultável in www.dgsi.pt;
n) Como resulta dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, no dia no dia 14 de Abril de 2022, quando o arguido foi interceptado a conduzir na via pública, o veículo automóvel da marca BMW com matrícula ..-..-UV, o processo que corre termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira com o n.º 846/21.6GDVFR – Juiz 3, onde foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, ainda não tinha transitado em julgado, o que só veio a acontecer no dia 26.04.2022
o) Assim sendo, no dia 14.04.2022, o arguido ainda podia conduzir o veículo identificado no artigo anterior porquanto nos termos do n.º 2 do artigo 69º do Código Penal, a proibição de conduzir a que foi condenado, só produz efeitos a partir do dia 26.04.2022, e, por isso, não praticou o crime pelo qual foi condenado, devendo ser dado provimento ao presente recurso e a final ser o recorrente absolvido da prática do crime de violação proibições p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal;
p) Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida violou, os n.ºs 2 e 3 do artigo 69º e o artigo 353º do Código Penal, o n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, o n.º 2 do artigo 500º do Código de Processo Penal e o n.º 1 e 4 do artigo 121º do Código da Estrada.

TERMOS EM QUE SE DEVE CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COM QUE SE FARÁ A ACOSTUMADA
J U S T I Ç A
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Na resposta o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. No âmbito do processo abreviado que corre termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira com o n.º 846/21.6GDVFR – Juiz 3, por sentença proferida em 18/03/2022 foi o arguido AA condenado pela prática, no dia 23 de Outubro de 2021, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses – cf. fls. 67;
II. No dia 06/04/2022 o arguido entregou na seção deste Tribunal a carta de condução para o cumprimento da pena acessória aplicada no processo n.º 846/21.6GDVFR – cf. fls. 70;
III. Por despacho proferido em 07/04/2022 o Ministério Público no processo n.º 846/21.6GDVFR promoveu a liquidação da pena acessória com início em 06/04/2022 e termo em 06/08/2022 – cf. fls. 71;
IV. Por despacho datado de 10/04/2022, foi homologada a liquidação da pena acessória, tendo sido determinado que o cumprimento da mesma se iniciou no dia 06/04/2022 e atingiria o seu termo em 06/08/2022 – cf. fls. 72;
V. Tal despacho foi notificado ao arguido, tendo a notificação sido depositada na morada do arguido em 13/04/2022 – cf. fls. 77;
VI. Apesar daquela proibição, no dia 14/04/2022, pelas 22h30m, na Estrada Nacional ..., rotunda do ..., ..., concelho de Santa Maria da Feira, o arguido conduziu na via pública o veículo automóvel da marca BMW com matrícula ..-..-UV;
VII. O requerimento de entrega da carta de condução realizado no âmbito do processo n.º 846/21.6GDVFR representa um ato notório de renúncia do prazo de interposição de recurso;
VIII. Ato esse que foi aceite pelo próprio Ministério Público ao promover a liquidação da pena acessória a partir dessa data e validado pelo Tribunal que homologou a respetiva liquidação;
IX. Os princípios da confiança e lealdade processuais impedem que seja defraudada a legítima expectativa do condenado no sentido de o prazo de cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor não se poder iniciar a partir do preciso momento em que ele entrega o referido documento no Tribunal sem que haja a sua devolução\rejeição;
X. Todos os intervenientes do processo devem relacionar-se movidos de valores da lealdade e da confiança, naquilo que constitucionalmente se traduz num processo equitativo – art.º 20º, n.º 4 da CRP;
XI. O Tribunal, de boa-fé, aceitou a carta de condução do arguido, entendendo como qualquer bom pai de família e de acordo com as regras da lógica que ele abdicou do prazo de interpor recurso (o que se confirmou) e que quis cumprir o mais rapidamente possível a pena acessória para, em seu benefício, poder também conduzir mais cedo;
XII. A lograr êxito o recurso, face ao despacho de liquidação da pena acessória proferido no processo n.º 846/21.6GDVFR e respetivo trânsito em julgado do mesmo, teríamos uma solução incompreensível em que o arguido nunca cumpriria os 4 meses da pena acessória a que foi condenado, mas menos 20 dias dessa pena;
XIII. A situação em apreço ainda suscita maior perplexidade quando o próprio arguido confessou integralmente os factos assumindo que sabia que não podia conduzir o veículo durante 4 meses após ter entregue a carta de condução no dia 06/04/2022 no Tribunal, reconhecendo e estando plenamente consciente que a pena acessória iniciou a sua execução nessa data;
XIV. A sentença proferida não violou o disposto nos art.ºs 69º, n.º 2 e 353º do C.P.

Termos em que, deve o recurso interposto pelo ora recorrente ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se na íntegra a sentença proferida.
V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão, JUSTIÇA *
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
Na esteira de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, 2008, Universidade Católica Editora, p. 834 (nota 4 ao artigo 353.º), referindo que o tipo objetivo de ilícito consiste, «na violação de imposições (sanções de conteúdo positivo), proibições ou interdições (sanções de conteúdo negativo) determinadas por sentença criminal (…) a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade», tudo inculca que após o trânsito em julgado da decisão de proibição, se o condenado vier a conduzir veículo motorizado na via pública, comete um crime de violação de proibições, p. p. pelo art. 353.º, do CP.

Pela nossa parte, alinhamos no entendimento do Ac. da RP de 07.02.2018 (Proc. 5/17.2GAPRD.P1; Relator: Desembargador LUÍS COIMBRA) “II - Apesar de a arguida ter entregue a carta em consequência de decisão de inibição de conduzir, não comete o crime de desobediência (artº 348º 1 al. a) CP e 160º 3 CE), se conduz o veículo antes de transitar a decisão condenatória, por não estar definitivamente inibida de conduzir), não funcionando a entrega
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