Acórdão nº 2703/23.2T8FNC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão2703/23.2T8FNC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Os autores “A” e “B”, intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, requerendo que a ação seja julgada procedente, com a consequente declaração de que os autores vivem em união de facto há mais de três anos, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos e para os efeitos conjugados no disposto da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, da Lei nº 37/81, de 3 de outubro e do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de dezembro.
Os autores atribuíram à causa o valor de € 30.000,01.
O Ministério Publico deduziu contestação, suscitando, nomeadamente, exceção dilatória de incompetência absoluta.
Por decisão proferida em 11-09-2023 pelo Juízo Local Cível do Funchal- Juiz “X”, declarou-se este juízo materialmente incompetente, por considerar que a competência pertence aos Juízos de Família e Menores da Comarca do Funchal, indeferindo liminarmente a petição inicial, de acordo com a interpretação feita aos artigos 96.º, alínea a), e 97.º, n.º 1 e 2, 99.º, n.º 1, do CPC, e 122.º, n.º 1, al. g), da LOSJ (aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto).
Tendo os autores formulado requerimento nesse sentido, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 99.º, do CPC, foi determinada a remessa do processo, após trânsito da decisão proferida, ao Juízo de Família e Menores do Funchal.
(…)
Por seu turno, por decisão de 18-12-2023, o Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz “Y”, julgou-se incompetente em razão da matéria e suscitou o presente conflito negativo.
O Ministério Público foi devidamente notificado.
*
Vejamos:
Resulta apurado nos autos, que os autores intentaram uma ação declarativa sob a forma de processo ordinário no Juízo Local Cível do Funchal.
Com tal ação pretendem os mesmos que seja declarado que vivem em união de facto há vários anos, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa relativamente ao autor “B”.
Sucede que o Juízo Local Cível do Funchal – Juiz “X” e o Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz “Y”, se eximem, mutuamente, de competência material para o efeito, pelo que, nos termos do conflito negativo suscitado, a que alude o n.º. 2 do artigo 109.º do CPC, cumpre dirimir.
Dispõe o n.º 1 do artigo 60.º do CPC que, a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária (essencialmente, a LOSJ, lei de organização do sistema judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e o ROFTJ, que regulamenta aquela, estabelecendo o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, aprovado pelo D.L. n.º 49/2014, de 27 de março) e pelas disposições deste código.
Por seu turno, da conjugação dos artigos 79.º e 81.º da LOSJ., resulta que os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca e que, estes, se desdobram em juízos, a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade.
Os juízos designam-se pela competência e pelo nome do município em que estão instalados (artigo 81.º, n.º 2, da LOSJ).
Entre os tribunais de competência especializada, dispõe-se, no que ora interessa, no n.º 3 do artigo 81.º da LOSJ, o seguinte:
“(…)
3 - Podem ser criados os seguintes juízos de competência especializada:
a) Central cível;
b) Local cível;
(…)
g) Família e menores; (…)”.
De acordo com o disposto no artigo 117.º, n.º 1, da LOSJ, compete aos juízos centrais cíveis:
“a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50.000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50.000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei”.
Os juízos locais cíveis, por seu turno, nos termos do n.º 1 do artigo 130.º da LOSJ, têm uma competência residual, ou seja:
“Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada”.
Por seu turno, os juízos de família e menores, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 122.º da LOSJ, têm competência para preparar e julgar:
“a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d) Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e) Acções intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966;
f) Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”.
E, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ é conferida ainda competência aos juízos de família e menores relativamente às “competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.
Conforme referem Paulo Pinto de Albuquerque e Rita Lynce de Faria (cfr., Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição Portuguesa Anotada; Vol. III, Universidade Católica Editora, 2.ª ed., 2020, p. 115), “ao contrário dos juízos de competência genérica, os juízos de competência especializada e os tribunais de competência territorial alargada conhecem de matérias determinadas, possuindo os juízos de competência especializada cível de competência residual. Os juízos cíveis, os tribunais do comércio, os tribunais criminais, os tribunais de instrução criminal, os tribunais de família e menores, os tribunais de trabalho, os tribunais de execução de penas e os tribunais marítimos são tribunais especializados”.
E é neste contexto que os tribunais em conflito divergem sobre a competência para a apreciação e decisão do presente processo, ou seja, sobre qual o tribunal competente para apreciar da pretensão de reconhecimento judicial da situação de união de facto, tendo em vista a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Importa, assim, convocar as normas que, a este respeito, se reportam ao regime de aquisição da nacionalidade, por decorrência da comprovação de uma situação de união de facto dos respetivos requerentes.
A nacionalidade constitui um vínculo jurídico-político que expressa uma ligação entre um determinado indivíduo e uma dada nação.
“Na lógica do Estado-nação, em que o aparelho estadual concretiza a aspiração da nação ao exercício do poder político soberano, a nacionalidade resultará numa ligação exclusiva com um determinado Estado em concreto, a qual fundamentará, por exemplo, a atribuição de um determinado conjunto de direitos e deveres de cidadania” (assim, Paulo Manuel Costa; “Oposição à aquisição da nacionalidade: A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, in Contencioso da Nacionalidade, 2.ª ed., CEJ, 2017, p. 45, disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Nacionalidade_2ed.pdf).
Para além da previsão dos casos de nacionalidade originária, a lei enuncia diversos modos de aquisição derivada da nacionalidade, dando prevalência, consoante as situações, aos critérios usualmente considerados nesta matéria e a que subjazem as opções legislativas: “ius sanguinis” (que atende aos laços de descendência comum existentes entre os membros da nação) ou “ius solii” (que valoriza a relação estabelecida entre o individuo e o território – nascimento, residência, etc.).
Neste âmbito, o artigo 3.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro) estabelece os termos da aquisição da nacionalidade em caso de casamento ou de união de facto, prevendo, quanto à primeira situação, que, “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio” (n.º 1); e, quanto à segunda situação, que, “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível (n.º 3).
Verifica-se uma diferença, assumida pela lei, no que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa, com origem no casamento ou na união de facto: no casamento basta que a declaração de vontade do cônjuge estrangeiro casado com português há mais de três anos; na união de facto, para além da declaração de vontade nesse sentido e da vivência, à data da declaração, em situação de união de facto há mais de três anos com nacional português, é também necessário que tal situação seja comprovada por “ação de reconhecimento…a interpor no tribunal cível”.
O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado em anexo ao DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, alterado pelo DL n.º 43/2013, de 1 de abril, pelo DL n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro e pelo DL n.º 71/2017, de 21 de junho) estabelece, por seu turno,
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