Acórdão nº 2327/19.9T9SNT.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-17

Ano2023
Número Acordão2327/19.9T9SNT.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

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I.RELATÓRIO


Por sentença proferida em 8/02/2023, foi o arguido AA, filho de …… e de ……, nascido a ..-..-…., titular do cartão de cidadão n.º……, natural da ……, residente na ……, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, ao quantitativo diário de 7,00€ (sete euros) e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de favorecimento pessoal, previsto e punido pelo artigo 367.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, ao quantitativo diário de 7,00€ (sete euros).
Em cúmulo jurídico de penas foi o arguido condenado na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, ao quantitativo diário de 7,00€ (sete euros).

Por discordar da decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, pugnando pela respetiva absolvição, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
«a)- Os factos provados 5 a 13 e 15 a 19, deveriam ter sido considerados como não provados, por ausência total de prova, quer testemunhal como infra se encontra transcrita, quer documental, em virtude da certidão que contém as intercepções telefónicas obtida nos autos 2/16.GMLSB ser prova proibida, por violação do art.º 187.º do CPP, em virtude dos crimes de falsificação de documento e de favorecimento pessoal não estarem ínsitos no art.º 187.º do CPP e estar ferida e inserida na inconstitucionalidade decorrente da apreciação do Ac. do TC 268/2022, no que reporta às intercepções telefónicas/metadados constante dessa certidão.

b)-Do depoimento da testemunha …..ressalta como mais importante para a absolvição do recorrente as seguintes passagens:
“00:22:17.2
(.....)
A testemunha …... não sabe quem redigiu o contrato que consta da certidão e que foi exibido à testemunha em julgamento na sessão do dia 12.01.2023 – fols. 258 a 261 dos autos. A testemunha só sabe que este contrato lhe foi entregue e que o assinou, não o questionando, sendo o que ali se mostra consignado (no contrato) expressão da sua vontade, tanto que o assinou. Acresce que a testemunha …… situa a sua “revolta” por referência ao contrato de fols. 258 a 261, não no seu teor ou conteúdo, que até considera que foi o combinado com o seu patrão Sr. .….., mas sim no seu incumprimento, já que tais obrigações não chegaram a ser cumpridas. A sentença recorrida desvirtua a prova e mascara-a de acordo com o intuito da acusação. A testemunha …… situou no seu depoimento, sempre, o incumprimento do contrato de fols. 258 a 261 e não a sua simulação, tanto que o assinou, aceitando-o. A testemunha …... teve à sua disposição, instrumentos legais para a defesa dos seus interesses, não os tendo utilizado por sua única e exclusiva vontade e responsabilidade. Nesta perspetiva que é a única possível de avaliar e valorar, tendo ocorrido erro notório na apreciação da prova, não poderia a sentença recorrida ter considerado ser falso o documento contrato de fols. 258 a 261, porque não o é. Há erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto, havendo ainda erro de julgamento.
c)-Nos autos 64/17.8PFSNT, …… (a testemunha que a sentença recorrida entende ter sido essencial para a condenação do recorrente) não sofreu qualquer condenação, já que os autos em causa foram arquivados por ausência de funcionamento das máquinas de jogo, ou seja, os peritos nomeados não lograram colocar em funcionamento os alegados jogos de fortuna ou azar, entendendo o MP, e bem, que não havia indícios suficientes para perseguir criminalmente qualquer arguido, fosse …..., fosse .….., fosse .….. . As consequências para a testemunha ……, independentemente do contrato de fols. 258 a 261 eram as mesmas, porque teria sempre, como foi, de ser constituído como arguido por esses factos dos autos n.º 64/17.8PFSNT em virtude de ser o funcionário do café C.....P..... e no momento da fiscalização e apreensão o responsável do café, para os efeitos do art.º 108.º do DL 422/89, figurando, naquele instante, como diretor do jogo. Cabe ainda ressalvar que a testemunha …… mentiu, pois da certidão dos autos do NUIPC 64/17.8PFSNT junta a estes autos, resulta que esta testemunha disse que o tal contrato de fols. 258 a 261 lhe havia sido entregue pelo seu patrão ….., não tendo ….. qualquer intervenção nessa questão e em sede destes nossos autos, conforme transcrição supra, foi dito pela testemunha em causa ter sido ….. quem lhe pediu que assinasse o contrato de fols. 258 a 261, o que é manifestamente incongruente.
d)-A sentença recorrida afirma que a certidão que contém as escutas transcritas dos autos n.º 2/16.GMLSB é válida porque conforme despacho de fols. 338 dos autos a decisão instrutória já s avia validade; a decisão instrutória não aborda a análise das escutas telefónicas sob qualquer outro prisma, mantendo quanto a esse recorte e só a decisão de que no processo de origem foram validamente autorizadas e, portanto, transporta a validade dessa autorização para estes autos, decidindo torná-las, as escutas telefónicas e em consequência a certidão que as contem, igualmente válida, assumindo essa certidão e essas escutas a validade que a sentença recorrida mantém e utiliza para a condenação do recorrente. Mas tal não poderia nunca ter sucedido, por diversas ordens de razão. A primeira é que decorre do texto da acusação e da sentença recorrida que ….. contatou o arguido recorrente, enquanto advogado para redigir um contrato. Se é falsamente e se é retrodatado, são questões acessórias e conclusões que o MP e a sentença recorrida não conseguiram tratar, nem demonstrar, mas para a explicação que se pretende aqui expor, cabe prosseguir: qualquer contato, pessoal, telefónico, por email, por carta com um advogado, assume de imediato, haja ou não procuração emitida, caráter confidencial e sigiloso e mostra-se protegido pela Lei 145/2015, de 09.09. A partir desse contato, todos os factos são sigilosos nos termos do art.º 92.º da Lei 145/2015 de 09.09. Logo é prova proibida, por violação do art.º 92.º da Lei 145/2015, de 09.09 o excerto transcrito das comunicações ocorridas entre ….. e o arguido recorrente, por violação do n.º 3 do art.º 126.º do CPP. Mas, acaso assim não se entenda, quer as escutas telefónicas, quer a certidão que as contém são ainda prova proibida, nos termos do art.º 126.º do CPP, porque jamais poderiam ter sido validadas para os crimes de falsificação de documento e de favorecimento pessoal, uma vez que não são crimes do “catálogo” do art.º 187.º do CPP. Uma qualquer investigação pela prática dos crimes de falsificação de documento e de favorecimento pessoal não admitiria a prova decorrente de escutas telefónicas, logo não podem admitir estes autos uma certidão extra-processual decorrente de outro processo com contenha essas escutas telefónicas para aqui servirem para a condenação do arguido recorrente, porque isso, seria “deixar entrar pela janela o que o legislador pretendeu fechar com a porta”. Nenhum sentido faz, quanto aos crimes de falsificação de documento e de favorecimento pessoal não ser possível, pelo art.º 187.º do CPP a obtenção de intercepções telefónicas e a sentença recorrida utilizar uma certidão que contém escutas telefónicas obtidas em processo exterior a estes autos e vir motivar a condenação do arguido recorrente com uma certidão que as contém (às escutas telefónicas). A sentença recorrida ao condenar o arguido recorrente utilizando a certidão dos autos 2/16.5GMLSB está a violar o art.º 187.º do CPP e o art.º 126.º do CPP. Assim como no douto acórdão dos autos 2/16.5GMLSB se decidiu serem as escutas telefónicas obtidas nesses autos, prova proibida quanto aos crimes de falsificação de documento e de favorecimento pessoal, decisão, diga-se que se defende como acertada, também nestes autos deve ser considerada prova proibida com esse fundamento e não ser tida em conta, devendo darem-se como não provados os factos 5 a 13 e 15 a 19 da decisão recorrida. O Tribunal Constitucional declarou no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional: a) a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 4º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do n.º 1 do artigo 26º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa. b) a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 9º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de terceiros, por violação do n.º 1 do artigo 35º e do n.º 1 do artigo 20º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.
e)-Sempre se dirá que são metadados os dados dos dados recolhidos da utilização de um IP e fornecido pelos operadores de comunicações ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (no seguimento da transposição da Directiva comunitária n.º 2006/24/CE a qual foi declarada inválida por decisão judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia em 08/04/2014 não tendo, o Estado Português, efectuado qualquer alteração legislativa com vista à adaptação para o ordenamento jurídico de tal decisão). Tal recolha dos metadados (intercepções telefónicas), onde foi afectado o número de telemóvel atribuído ao arguido, foram determinantes para a conclusão do tribunal recorrido tendo
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