Acórdão nº 22/10.3TBHRT-U.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-11

Ano2023
Número Acordão22/10.3TBHRT-U.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П


1. Relatório


1.1. A e B deduziram contra a ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A., o presente incidente de liquidação das sentenças proferidas relativamente a cada um nas ações de processo comum que instauraram contra a R. para impugnar o despedimento ilícito de que foram alvo, entretanto apensadas, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho[1].

A R. deduziu oposição, sustentando que a data do trânsito em julgado das sentenças é anterior à alegada pelos AA. e que deverão ser deduzidos das retribuições intercalares os rendimentos de trabalho auferidos por cada um após o despedimento. Defende a sua absolvição dos pedidos.

Foi proferido despacho saneador em 21 de Junho de 2021, onde, além do mais, foi conhecida a questão prévia suscitada quanto às datas de trânsito em julgado das sentenças, por reporte aos Acórdãos da Relação que sobre as mesmas incidiram.

Procedeu-se à fixação do valor da causa individualmente para cada um dos AA., à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos factos assentes e dos temas da prova.

Em 30 de Outubro de 2022 foi proferida decisão final do incidente, que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…]
Face ao exposto, decide julgar-se o presente incidente parcialmente procedente, por provado, e em consequência:
a)Liquidar a quantia a pagar pela a ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A, ao autor B, a título de salários intercalares em 5.210,82 € (cinco mil duzentos e dez euros e oitenta e dois cêntimos), sobre a qual incide juros de mora desde 05-02-2010;
b)Declarar que a quantia em que ré foi condenada a pagar ao autor A, a título de salários intercalares, deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.º, n.º 2, é nula;
c)Absolver a ré do demais peticionado,
Custas na proporção do decaimento, sendo a 100% a cargo do autor A (no que respeita ao seu pedido) e 90 % a cargo do autor B (no que respeita ao seu pedido) e 10% a cargo da ré, no que respeita ao pedido de B
[…]»

1.2. Os AA., inconformados interpuseram recurso desta decisão, restrito à parte decisória que não condenou a R. a pagar aos Autores a indemnização por antiguidade, e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1.Na sentença proferida no dia 15 de Março de 2011, a ré foi condenada a pagar aos autores o seguinte
(...)
2.Proferido acórdão veio a ser decidido de modo favorável à R. em parte, determinando-se que fosse efectuadas as deduções a que se refere o art. 390', n' 2 do Código do Trabalho.
3.Os autores ora requerentes nada têm a opor (nem o podiam fazer) quanto às deduções previstas no ar. 390º, nº 2 do Código do Trabalho, no seguimento do acórdão proferido foi retificada a sentença considerando aquelas deduções.
4.Pode depreender-se que não tendo sido impugnada no recurso interposto a al b) da sentença de 1ª instância que condenara a R. a pagar ao autor A a indemnização correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano (e fracção remanescente) de vigência do contrato, e ao autor B a indemnização correspondente a 3 ( três ) meses de retribuição base e eventuais diuturnidades (mínimo legal).
5.Poderá considerar-se que não sendo essa alínea b) objecto de recurso pela R., a sentença de 1ª instância havia transitado em julgado nessa parte.
6.No entanto veio a ser proferida nova sentença em função do acórdão proferido, e nela veio a ser discriminada a quantia total devida pela ré a cada um dos autores, sendo omissa esta segunda decisão no que reporta à condenação da ré no pagamento da indemnização aos autores.
7.Deste modo, a segunda sentença proferida pode configurar-se como uma decisão definitiva, impondo-se a sua retificação nessa parte, para que nenhuma dúvida subsista quanto às quantias devidas pela R.
8.Devendo por essa razão ser liquidada a indemnização por antiguidade a pagar aos Autores.”

1.3. Também a R. se mostrou irresignada com a sentença, tendo interposto recurso da mesma. Rematou as suas alegações com o seguinte núcleo conclusivo:
“A) Na sequência de decisão, transitada em julgado no dia 6 de Fevereiro de 2012, foi a Recorrente condenada a pagar ao Autor B, a quantia correspondente às retribuições devidas desde 14-12-2009 e até ao referido trânsito, acrescidos dos montantes correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal desse período, sendo deduzidas as quantias a que se refere o artigo 390.°, n.° 2 do Código do Trabalho;
B) Por serem ilíquidas as referidas quantias deveriam ser liquidadas no correspondente incidente, que foi deduzido em 2020;
C) Após liquidar o valor correspondente aos salários intercalares, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluindo que a Recorrente (devedora) deverá proceder ao pagamento de juros de mora, ao Autor, sobre a quantia de 5.210,82 €, à taxa legal de 4% desde 05-02-2010;
D) Liquidados os valores dos juros - €2.655,95 - conclui-se que este montante é superior a metade da alçada da primeira instância - artigo 629.°, n.° 1, do Código de Processo Civil e artigo 44.°, n.° 1, da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, Lei de Organização do Sistema Judiciário), pelo que o recurso é admissível, pois a causa tem valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (€5.000,00) e a decisão impugnada é desfavorável à Recorrente em valor superior a metade da alçada do referido tribunal;
E) Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento das Custas Processuais, o valor do presente recurso é o da sucumbência: €2.655,95;
F) Conforme o exposto, a Recorrente não estava constituída em mora (artigos 804.°, n.° 2, e artigos 805.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil), pois só com a decisão de 31 de Outubro de 2022 (que fixou o valor dos salários intercalares) é que foi liquidado o crédito do trabalhador;
G) Efectivamente, e nos termos do artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor;
H) A falta de liquidez não pode ser imputada à Recorrente, pois esta desconhecia (e não tinha forma de conhecer), quais os montantes auferidos pelo Autor após o despedimento;
I) Face ao exposto, nunca poderia a Recorrente ter sido condenada no pagamento de juros de mora, nomeadamente, desde 5 de Fevereiro de 2010, pois os créditos não eram líquidos (aliás, há montantes que foram recebidos, a título de salários intercalares, após a referida data);
J) Os juros, a serem contabilizados, devem considerar o trânsito em julgado da decisão proferida a 31 de Outubro de 2022 (sentença ora recorrida).
K) Em conformidade, tendo o Tribunal a quo condenado a Recorrente em juros de mora, violou a norma do artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, bem como as normas dos artigos 804.°, n.° 2, 805.°, n.° 1 e 2, do Código Civil.
São pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere improcedente o pedido de pagamento de juros de mora, desde a data da citação do processo principal (5 de Fevereiro de 2010) com quanto exposto vai, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada JUSTIÇA!”

1.4. Não consta que qualquer das partes tenha apresentado contra-alegações.

1.5. O recurso dos AA. foi admitido com subida imediata e efeito devolutivo, o mesmo sucedendo ulteriormente com o recurso da R. (vide fls. 188), após determinada pela ora relatora, sob promoção do Ministério Público, a descida dos autos para efeito de o tribunal da 1.ª instância emitir o despacho de admissão ou indeferimento a que alude o artigo 82.º do Código de Processo do Trabalho, quanto ao recurso interposto pela R..

1.6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de que os recursos não merecem provimento.
As partes foram notificadas deste douto Parecer e não se pronunciaram sobre o mesmo.
Colhidos os vistos, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
*
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, verifica-se que as questões essenciais que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, se prendem com saber:
1.ª– Se deve ser liquidada no presente incidente a indemnização por despedimento ilícito que a R. foi condenada a pagar aos AA. (recurso dos AA.);
2.ª– Do dies a quo para a contabilização dos juros de mora (recurso da R.).
*
3. Fundamentação de facto
*
São os seguintes os factos a atender para a decisão do incidente de liquidação:
1. A ré ICTS – Consultadoria de Aviação Comercial, S.A. celebrou com o autor A, no dia 01-06-2005, um contrato de trabalho a termo incerto para este exercer as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, por conta e direção da entidade patronal.
2.O autor prestava trabalho por um período de 8 horas diárias e 40 semanais, em regime de turnos rotativos, diurnos e noturnos.
3. O autor auferia a retribuição mensal ilíquida no valor de € 629,60
4. O autor cessou o desempenho de funções de vigilante na empresa da ré a 22-10-2009, na sequência de despedimento promovido por esta.

5. Mediante sentença proferida em 15-03-2011, foi julgada a ação procedente, tendo sido decidido:
a) declarar a ilicitude do despedimento realizado pela ré ICTSP – Consultoria da Aviação Comercial, S.A.;
b) condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente a 1 (um) mês de retribuição base e eventuais diuturnidades por cada ano (e fração remanescente) de
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