Acórdão nº 184/19.4YUSTR-F.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-12-21

Ano2022
Número Acordão184/19.4YUSTR-F.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Recorrente/visada

Lidl & CIA, sociedade em nome colectivo.

Recorrida/autoridade administrativa

Autoridade da Concorrência, com sede na Avenida de Berna, n.º 19, 1050-037, Lisboa, doravante também AdC ou recorrida

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A recorrente, veio interpor o presente recurso do despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), em 17.6.2022, com a referência citius 360228, no processo 184/19.4YUSTR-D, na parte em que ordenou o seguinte:

“Tendo em vista os argumentos versados no requerimento em causa pela AdC, os quais acompanhamos, notifique a Recorrente Lidl para proceder à junção de nova versão não confidencial que permita apreender, ainda que por intervalos de valor, a informação constante da IES, sob pena de ser recusada a confidencialidade a tal documento.

2. No recurso, a recorrente, conclui pedindo o seguinte:

“I. Deve o presente recurso ser admitido, devendo ser-lhe conferido o efeito suspensivo, nos termos requeridos;

II. Após o que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:

a. Admita as confidencialidades identificadas pela Recorrente na nova versão não-confidencial da IES que se juntou aos autos e a desobrigue de revelar todos os seus dados de negócio constantes da IES;

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, e sem prescindir do requerido em I. e na primeira parte de II. supra;

b. Determine-se que a solução da questão em apreço deve-se resolver tendo por referência o regime da proteção dos segredos de negócio decorrente dos artigos 313.º e ss. do CPI, máxime do disposto no art.º 352º do CPI e disposições conexas, com as devidas adaptações, e implementadas as medidas de adequação, por conformes e proporcionais:

i. A aceitação da nova versão não-confidencial da IES da Recorrente junta aos autos; ou assim não se entendendo,

ii. Sempre deverá o Tribunal a quo conformar a sua atuação, determinando para o efeito as seguintes medidas e outras complementares de efeito equivalente:

- Que a AdC viesse indicar quais as rubricas confidenciais indicadas na nova versão não confidencial da IES junta aos autos, de cujo acesso não poderia prescindir, fundamentando o seu pedido e o efeito pretendido, e indicando também de imediato o mandatário forense que deveria proceder à sua consulta, sob compromisso de confidencialidade e reserva absoluta;

- Que seguidamente fosse dada a oportunidade à Recorrente de se pronunciar sobre o requerido pela AdC, e o Tribunal a quo decidisse em conformidade, atentas as posições da AdC e da Recorrente, ordenando para o efeito o seguinte: (1) Que o acesso à informação confidencial adicional a ser feito apenas por meio de consulta presencial e a realizar exclusivamente pelo mandatário forense indicado pela AdC, junto da secretaria judicial, sob compromisso de confidencialidade e reserva absoluta, sendo igualmente permitida a presença nessa diligência do mandatário forense da Recorrente; e (2) Em nenhum caso poderia a informação confidencial adicional consultada ser disponibilizada no processo ou fora dele, observando-se as mesmas regras de confidencialidade a todos os atos e procedimentos subsequentes relativos ao mesmo objeto.”

3. Nas alegações de recurso, vertidas nas conclusões, a recorrente invoca, em síntese:

§ A decisão proferida infringe o princípio da proporcionalidade porque o Tribunal a quo não especifica as rubricas da Informação Empresarial Simplificada (IES) em relação às quais julga indispensável a indicação de valores e obriga a recorrente a revelar todos os valores constantes do IES;
§ A recorrente juntou uma nova versão não confidencial da IES com a revelação dos valores que considera apropriados;
§ Porém discorda da decisão recorrida pois a aplicação da cominação determinada no despacho recorrido – ser recusada a confidencialidade do documento – violaria a protecção dos segredos de negócio que o Tribunal a quo deveria ter assegurado;
§ A IES contém informação secreta e com valor comercial, coberta pelo regime dos segredos de negócio previsto no artigo 313.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), cuja revelação e apropriação por concorrentes e terceiros prejudicaria o valor económico da Lidl;
§ Deviam ter sido aplicados os artigos 6.º do Código de Processo Civil (CPC) (dever de gestão processual) e 352.º do CPI;
§ A interpretação que o Tribunal a quo fez do artigo 30.º do Regime Jurídico da Concorrência (RJC) violou o direito de iniciativa privada, o direito de propriedade e a liberdade de concorrência, previstos nos artigos 61.º, 62.º, 81.º - f) e 99.º -a) e c) da Constituição da República Portuguesa (CRP);
§ A divulgação dessa informação é ilegal por violar o disposto nos artigos 70.º-A do Código das Sociedades Comerciais (CSC), 2.º e 30.º do RJC, 61.º n.º 1 e 81.º, alínea f), da CRP e 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
§ Acresce que a informação solicitada é desnecessária para prova do prejuízo considerável que acarreta, para o Lidl, a execução da coima de 10.550.000,00 euros uma vez que tal prejuízo se presume do montante da coima.

4. A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese, que:

§ Na versão da IES primeiramente junta, a recorrente suprimiu toda a informação susceptível de permitir apreender a sua situação financeira cujo conhecimento é necessário para fixar o efeito suspensivo ao recurso;
§ Apesar de não concordar com a decisão recorrida a recorrente juntou a nova versão não confidencial da IES revelando os valores que considerou apropriados para o efeito pretendido, de forma incompleta e por intervalos de grandeza, revelando informação confidencial;
§ A decisão recorrida não indeferiu a confidencialidade nem determinou a revelação de segredos de negócio, tendo assegurado o equilíbrio entre a protecção dos segredos de negócio e o princípio do contraditório;
§ Cabia à recorrente Lidl o ónus de encontrar uma solução que lhe permitisse acautelar os seus interesses e dos co-visados e garantir o contraditório da AdC;
§ Contrariamente ao que alega a recorrente, os dados constantes da IES, por si só, não permitem, identificar o perfil e a presença da recorrente Lidl no mercado, para efeitos concorrenciais.

5. O Digno magistrado do Ministério Público na primeira instância respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando, em síntese, que:

§ Para apreciar e decidir a pretensão da visada, de beneficiar do efeito suspensivo do recurso, o Tribunal recorrido considerou-se satisfeito com a informação voluntariamente prestada pela visada, na qual ela mesma selecionou e ocultou a informação que, na sua ótica, era confidencial;
§ O despacho recorrido ordenou à arguida que procedesse à junção de nova versão não confidencial que permitisse apreender, ainda que por intervalos de valor, a informação constante da IES;
§ O Tribunal a quo julgou que a informação disponibilizada pela visada, em consequência desse despacho, lhe permitiu apreender o teor da IES em apreço;
§ Pelo que, o presente recurso, perdeu pertinência;
§ A visada não tem interesse em agir e, por isso, o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 401º, nº 2 e 420.º n.º 1 – b) do Código de Processo Penal (CPP) aplicáveis por força do artigo 83º do RJC.

6. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação emitiu parecer em que acompanhou a resposta ao recurso do digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP, a visada respondeu ao parecer, pugnando, em síntese, pela existência de interesse em agir e pela aplicação do regime de protecção dos segredos de negócio.


Delimitação do âmbito do recurso

8. A única questão que importa apreciar, de conhecimento oficioso e que foi suscitada pelo digno magistrado do Ministério Público, é a seguinte:

A. Rejeição do recurso por manifesta improcedência e por falta de interesse em agir.

9. Atenta a rejeição do recurso, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pela recorrente – artigo 420.º n.º 2 do CPP.

Factos provados que o Tribunal leva em conta

10. Para fundamentar a presente decisão o Tribunal leva em conta os actos e temos processuais com as referências citius a seguir indicadas, juntos ao processo electrónico, quer no presente recurso, quer nos apensos mencionados infra, ao quais o Tribunal acedeu electrónicamente.

11. No processo de contraordenação PCR 2017/7, no qual é visada a recorrente e outras, a AdC condenou a recorrente, além do mais, na coima 10 550 000, 00 euros, por uma contraordenação prevista e punida nas disposições conjuntas dos artigos artigo 9.º n.º 1 – a) e 68.º n.º 1 – a) e b), do RJC e 101.º do TFUE, devido a práticas restritivas da concorrênia – cf. decisão da AdC proferida no PRC/2017/7, junta com a referência citius 370707 ao presente recurso.

12. A recorrente interpôs recurso de impugnação da decisão final da AdC referida no parágrafo anterior, pedindo que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso tendo alegado para esse efeito, nomeadamente nos
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