Acórdão nº 1746/21.5T8AGD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-03-2023

Data de Julgamento20 Março 2023
Ano2023
Número Acordão1746/21.5T8AGD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação / processo n.º 1746/21.5T8AGD.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda

Autor: AA
Ré: A... – Companhia de Seguros, S.A.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
_________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. Nos presentes autos de ação especial para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho, decorrida a fase conciliatória sem que as partes tenham logrado acordo, veio AA dar início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, contra A... – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta: no pagamento da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) sofrida desde 09.08.2021 a 03.09.2021, no valor de € 698,49; do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia com base em 6% de incapacidade permanente parcial (IPP), devida desde 04.09.2021, no valor de € 8.513,28; de € 10,00 a título de despesas com transportes; e de juros de mora sobre essas quantias, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.
Para tanto alegou, em síntese, que no dia 08.08.2021, sendo trabalhador da B..., Lda, prestando a atividade de operador de produtos cerâmicos para a C..., SA, quando retirava mosaicos encravados no transportador, devido ao cansaço, de forma inadvertida e por esquecimento, não desligou integralmente o transportador, tendo ficado com o dedo indicador da mão direita preso na polia e sofrido amputação, sendo que, diz, esteve incapacitado para o trabalho em termos temporários e, uma vez concedida a alta clínica, ficou afetado na sua capacidade para o trabalho em termos permanentes, assim como despendeu quantias em deslocações obrigatórias aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda.

A Ré Companhia Seguradora, na contestação, pugnou pela improcedência da ação, defendendo que o Autor, contra os mecanismos instituídos pela C..., SA e de que tinha conhecimento, apenas desligou o comando que aciona as correias da parte de trás das polias, o que levou a que, retirada a última das peças encravadas, o equipamento tivesse reiniciado e originado o sinistro, pelo que, diz, o sinistro encontra-se descaracterizado como acidente de trabalho nos termos da parte final da al. a) e da al. b) do nº 1 do art. 14º da Lei nº 98/2009 de 04 de setembro.

Saneados os autos, foram de seguida fixados os factos assentes, delimitado o objeto do litígio e indicados os temas de prova, determinando-se ainda a abertura de apenso para fixação da incapacidade.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“V. Decisão
Em face de todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
. declarar que o Autor AA se encontra, em virtude do acidente de trabalho sofrido a que se referem os presentes autos, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 5% desde 04.09.2021 (dia após a alta);
. condenar a Ré A... – Companhia de Seguros, SA no pagamento, ao Autor AA:
- de € 598,71 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrido;
- do capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 490,29, devida desde 04.09.2021 (dia seguinte ao da alta);
- dos juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
. absolver a Ré A... – Companhia de Seguros, SA do demais contra si peticionado pelo ao Autor.
Custas a cargo da Ré A... – Companhia de Seguros, SA na proporção do decaimento, atenta a isenção de que beneficia o Autor (n.ºs 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho e al. h) do nº 1 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais).
Valor processual: € 7.691,76 – art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro.
Registe e notifique (art. 24º do Código de Processo do Trabalho).
Oportunamente, proceda-se ao cálculo do capital de remição da pensão (n.os 3 e 4 do art. 148º, aplicável por força do art. 149º, ambos do Código de Processo do Trabalho e al. a) do nº 2 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais).”

2. Inconformada, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações as conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1) sendo, como é, o vigente regime legal e reparação dos acidentes de trabalho paradigma de um regime legal de reparação assente em responsabilidade objectiva, ou enquanto concretização do risco de actividade, a concreta verificação de culpa da própria vítima é, no crivo do legislador, particularmente exigente no sentido axiológico-normativo do artigo 14º da L.A.T. aprovada pela Lei nº 98/2009, cujo finis legis aí vertido estipula a perda do direito à reparação;
2) nessa ratio normativa o legislador daquele artigo 14º da L.A.T. hipostasiou distintos cenários fácticos que arrumou, no essencial, em duas sub-rúbricass, seja a de verificação de negligencia grosseira do sinistrado, seja a de incumprimento, sem causa justificativa, de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, sempre enquanto manifestação efectiva e demonstrada de culpa do sinistrado;
3) o poder-dever de bem administrar a justiça material, postulado no artigo 1520, no 1 do C.P.C., exige que, sempre tomando por escopo a casuística do caso concreto, o aí decisor, ainda que com a discricionariedade técnica que, relativamente às questões de direito, se lhe impõe decidir, sempre terá que, sob os factos que considera provados, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (- ut artigo 607º, nº 3 do mesmo C.P.C.);
2) no caso sub judice, o Mmo Juíz "a quo" acolheu, de entre os alegados, enquanto factos provados os bastantes e habilitantes para se ter como cabalmente demostrado que, por um lado, o empregador do sinistrado/Recorrido, antes do evento-"causa de pedir", havia definido regras precisas para procedimento de segurança a adoptar quando da realização da tarefa que cometeu àquele sinistrado/Recorrido, e que lhe era habitual, e, pro outro lado, que o dito sinistrado|Recorrido incumpriu tais regras, sem, sequer, se ter verificado, no circunstancialismo concreto verificado, quaisquer justificação para esse objectivo incumprimento;
4) e não acolheu o tribunal "a quo" quaisquer outros factos que, na casuística do caso concreto, hajam, hajam adquirido intervenção na dinâmica desse evento-"causa de pedir' enquanto circunstâncias anómalas elou concausas determinantes do acidente e das suas consequências lesivas, para além, daquele exclusivo e injustificado incumprimento, pelo sinistrado|Recorrido, de condições de segurança estabelecidas pelo seu empregador;
e, "mutatis mutandi" por inverificação, sempre na casuística do caso concreto, do "evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato" a que alude o artigo 99º da "Lei do Contrato do Seguro" (- cfr Dec.-lei nº 72/2008) quando enquadrado na factualidade elencada no artigo 203º, nº 1 do Código Penal, igualmente teria que ser dado como provado o tema da prova: - a exclusão do contrato de seguro contratado;
4) com isso e por isso, o Mmo Juíz "a quo" podia e devia ter decidido pela subsunção, desse caso concreto que é o sub judice, na previsão normativa que o legislados da L.A.T. arrumou no artigo 14º, nº 1, alínea a) e nº 2, este a contrariu sensu, da aplicável Lei nº 98/2009;
5) donde, configura-se caso de errado exercício jurisdicional, porque obnubilado, mesmo à revelia, dos factos provados na subsunção ao direito próprio, impondo-se a absolvição da Apelante, por concreta verificação de perda do direito à reparação pelo sinistrado/Recorrido.
COM ISSO;
Farão Vas Excas, como é usual apanágio, A MAIS SÃ JUSTIÇA”

2.1. Contra-alegou o Autor, patrocinado pelo Ministério Público, concluindo do modo seguinte:
A. O comportamento do Sinistrado não importa a sua classificação como subjetivamente grave ou particularmente censurável;
B. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que a conduta do sinistrado, ainda que culposa, não assume um grau de gravidade que exija considerar-se descaracterizado o acidente de trabalho, com a consequente perda do direito à reparação;
C. Da matéria de facto dada como provada não resulta o necessário para se concluir estar-se perante uma conduta do sinistrado que se enquadre na noção de negligência grosseira, ou seja, uma conduta que se possa considerar temerária em alto e relevante grau, ostensivamente indesculpável, que ofenda as mais elementares regras de senso comum e que não se materialize em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
Em face do exposto, entendemos que deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, decidindo-se conforme for de JUSTIÇA.”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com meramente suspensivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, aberta vista ao Ministério Público junto deste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer pelo facto de o Ministério Público patrocinar o Sinistrado/recorrido.
***
Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635., n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir passa
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