Acórdão nº 1243/18.6PBBRR-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-27

Data de Julgamento27 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1243/18.6PBBRR-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:

I - 1.) Inconformado com o teor do despacho aqui melhor constante de fls. 6 e verso, no qual a Mm.ª Magistrada Judicial do Juízo Local Criminal do Barreiro (Juiz 2), indeferiu a pretensão que havia formulado no sentido da não transcrição, no seu certificado de registo criminal, da condenação por si sofrida nos autos a que alude o NUIPC acima indicado, recorreu o Arguido RS para a presente Relação, apresentando na síntese das razões da sua discordância, as seguintes conclusões:
1.ª - O n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio prevê, expressamente, a possibilidade de não transcrição de decisão condenatória nos certificados requeridos para fins não judiciais, fazendo-a depender da verificação de dois pressupostos de natureza formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza – e de um pressuposto de natureza substancial – das circunstâncias que acompanharam o crime não se poder induzir perigo de prática de novos crimes;
2.ª - No caso vertente, o arguido RS foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sob regime de prova e não regista qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza;
3.ª - Mostram-se assim verificados os pressupostos de natureza formal [o acórdão do STJ n.º 13/2016 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto – de teor essencialmente idêntico ao já referido n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio;
4.ª - Quanto ao mais, é de considerar que do acórdão condenatório resulta que o arguido se encontra inserido em termos sociais, familiares e laborais, demonstrou arrependimento e valoração crítica da sua conduta, concluindo-se pelo que se aponta no sentido da verificação do pressuposto de natureza substancial a que alude o normativo já supra referido;
5.ª - O arguido requereu a não transcrição da sua condenação no certificado do registo criminal, estritamente para fins de emprego;
6.ª - O Tribunal a quo - talvez a reboque da errónea posição do próprio Ministério Público - mal, indeferiu tal pretensão, apenas e só por entender que a pena de prisão suspensa na sua execução, mantem a natureza de uma pena privativa da liberdade.
7.ª - Um e outro (Tribunal a quo e Ministério Público junto do mesmo), certamente por lapso, ainda que gravoso, olvidaram o teor do acórdão proferido pelo STJ n.º 13/2016, uniformizador de jurisprudência, no sentido de que, para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18/08 – de teor essencialmente idêntico ao n.º 1 do artigo 13.º da Lei nº 37/2015 de 05 de Maio – a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade!
8.ª - Estando o Tribunal a quo vinculado àquela interpretação, era-lhe inviável indeferir a pretensão de não transcrição requerida pelo arguido, unicamente por entender, contrariamente àquele referido acórdão, que a pena suspensa aplicada ao arguido tem natureza de privativa da liberdade, o que se impõe reparar.
Termos em que, em face do exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
§) Revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, reconhecendo que a pena aplicada ao arguido, de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova, é uma pena não privativa da liberdade, defira a não transcrição da mesma para os certificados a que se referem os números 5 e 6 do artigo 10.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio,
I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, o Digno Procurador da República junto do Tribunal a quo concluiu por seu turno:
1.º - A interpretação efectuada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 que fixou jurisprudência no sentido de que “a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro” não pode ser extensível à norma do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015.
2.º - A jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça relativamente a determinada interpretação normativa não pode ser aplicada a normas legais que sejam posteriores à norma legal que foi interpretada no âmbito da fixação de jurisprudência, porquanto o acórdão em causa não se pronunciou sobre a norma do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, mas sim sobre a norma do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 e, efectivamente, a Lei n.º 37/2015 veio revogar expressamente a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, conforme dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do primeiro diploma legal referido.
3.º - Assim, não é possível estender o âmbito interpretativo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 à Lei n.º 37/2015, e mais concretamente ao seu artigo 13.º, na medida em que esta lei veio revogar expressamente a Lei n.º 57/98 sobre a qual o referido Acórdão se debruçava e, consequentemente, veio revogar o artigo 17.º, n.º 1, de tal lei que o aresto em causa interpretava.
4.º - Deste modo, entendemos que não é aplicável ao caso em apreço a interpretação dada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 à norma do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 e, por conseguinte, somos de parecer que, para efeitos de não transcrição da pena no certificado de registo criminal, a pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, não deixa de assumir a natureza de uma pena privativa da liberdade.
5.º - Ainda que assim não se entenda, verifica-se que, no caso em apreço, o requerimento do arguido/recorrente com vista à não transcrição da condenação no seu certificado de registo criminal para efeitos profissionais teria sempre que ser indeferido, tendo em conta que o arguido/recorrente foi condenado pela prática de crime de violência doméstica (crime este que tem a natureza de crime contra as pessoas e contra a integridade física) e, pretendendo o arguido vir a exercer a actividade de vigilante (segurança privada), nunca poderia tal condenação ser omitida do seu certificado de registo criminal, sobretudo para os efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, da Lei n.º 46/2019, de 8 de Julho.
6.ª- Dispõe esta norma legal o seguinte:
1 – Os administradores, gerentes e todos os funcionários com funções de direção, supervisão e chefia de sociedades que exerçam a atividade de segurança privada devem preencher, permanente e cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) (…)
d) Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, designadamente o crime de falsificação, contra a segurança das telecomunicações, contra a ordem e tranquilidade públicas, contra a autoridade pública, designadamente os crimes de resistência e de desobediência à autoridade pública, por crime de detenção de arma proibida, ou por qualquer outro crime doloso punível como pena de prisão superior a 3 anos, sem prejuízo da reabilitação judicial;
2 – O pessoal de vigilância deve preencher, permanente e cumulativamente, os requisitos previstos nas alíneas a) a d), f) e g) do número anterior.
7.º - Verifica-se, deste modo, ser indubitável que na Lei n.º 46/2019 o legislador seguiu o “caminho apontado” pelo Tribunal Constitucional e pretendeu corresponder ao juízo de inconstitucionalidade contido no acórdão 376/18, renovando a redacção antecedente do preceito sobre as incompatibilidades, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, por forma a estabelecer um elo de conexão relevante entre o crime pelo qual o interessado foi condenado e a tutela do interesse colectivo subjacente ao exercício da actividade de segurança privada.
8.º - Importa salientar que no Acórdão n.º 748/2014, o mesmo Tribunal tinha decidido pela conformidade constitucional da norma de redacção idêntica à que hoje consta no artigo 22.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do regime do exercício da actividade de segurança privada “quando interpretada no sentido de que a condenação pela prática de um crime de violência doméstica determina automaticamente o indeferimento do pedido de renovação do cartão profissional de segurança privado”.
9.º - Não restam dúvidas de que a não renovação do cartão profissional de segurança privado é reconduzível a uma situação de perda de direitos profissionais, para efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Essa não renovação configura-se como um efeito automático da condenação por um dos crimes elencados no preceito em crise, decorrendo mecanicamente desta. O mesmo é dizer que a entidade administrativa competente para decidir da renovação não goza, nesta matéria, de qualquer margem de apreciação no sentido de poder apurar, casuisticamente, da existência de uma conexão entre a condenação na prática de um determinado crime e a perda do direito profissional em causa.
10.º - Embora necessária, a falta deste poder casuístico de valoração não é
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