Acórdão nº 1063/23.6T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20-02-2024

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1063/23.6T8OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Por decisão da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR), proferida em 25/08/2023, foi determinada a cassação do título de condução nº (…..), de que é titular (A), nos termos do disposto no artigo 148º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada.
1.2. (A) impugnou judicialmente esta decisão administrativa, para o Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão, sendo distribuída ao Juiz 2.
1.3. A referida impugnação foi conhecida por despacho, nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO), proferido em 22/11/2023, sendo julgada improcedente.
1.4. Inconformado, recorreu (A) para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da douta Sentença, Decisão em que se julgou e se decidiu declarar a improcedência de todos os fundamentos de recurso apresentado pelo ora apelante, e consequentemente, declarou-se julgar improcedente aquele recurso de contra-ordenação.
II. A sentença recorrida fixa-se em que, a cassação do título de condução não é nem uma pena, nem uma sanção acessória, pelo que está absolutamente excluída do âmbito e aplicação da Lei 38-A/2023.
III. E, sempre com a devida vénia por entendimento diverso, não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, independentemente de se tratar ou não de uma pena ou de uma sanção, o facto é que se trata da determinação da aplicação de uma medida em função da prática de contraordenação, com origem em sanções e penas.
IV. Porquanto o art.º 148.º do CE, o que nos transmite é, o Sistema de pontos e cassação do título de condução, face às contraordenações praticadas.
V. Ora, relativamente ao que prescreve o n.º 4 do mesmo dispositivo legal é relativa à subtração de pontos devida ao condutor que culmina “in casu concreto” nos efeitos previstos na al. c):
VI. “A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.”
VII. Resulta pois evidente que, a cassação do título de condução mais não é do que uma sanção acessória relativa à perca de pontos tal como ali convencionado, pelo que no nosso entendimento, não colhe o induzido pela sentença recorrida, quanto à referida matéria em analise.
VIII. Ademais, e sempre com o devido respeito por entendimento diverso, o evocado “Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/2022” pelo Tribunal recorrido, quanto aos factos de direito em análise, nada têm a ver com a matéria constante no referido acórdão,
IX. Em boa verdade, o que ali está em discussão é matéria do âmbito político e de partidos políticos pelo que não pode nunca ter aplicação direta ao caso concreto, bem como para se discernir se face a essa matéria se, se trata ou não de uma consequência administrativa e/ou não de uma pena acessória ou medida de segurança;
X. Pelo que e como tal, não se consegue concretizar qual o alcance pretendido com o dito acórdão, por parte do Tribunal “a quo”, indo essa concreta matéria impugnada por infundada e incongruente.
XI. Sendo que mais acresce, que nesta medida, sempre teria aplicação o peticionado pelo recorrente, quanto à aplicação da Lei 38-A/2023.
XII. E, neste concreto entendimento, sempre com a devida vénia por opinião diversa, não se vislumbra que a cassação da carta de condução consubstancia uma mera consequência legalmente prevista somente da perda total de pontos, mas uma verdadeira sanção acessória que culmina na retirada do título de condução ao recorrente.
XIII. Releva ainda o facto de, tratando-se de uma consequência administrativa, vem a mesma no âmbito de uma pena acessória ou medida de segurança, consubstanciando uma verdadeira sanção acessória.
XIV. Acresce ainda que o Tribunal “a quo” tão pouco analisou a questão aduzida pelo recorrente quanto aos factos particulares que este refletiu, para a não aplicação da cassação do título de condução.
XV. E no entanto, apesar de no caso dos autos se ter mostrado provado que o recorrente, e desde logo admitido por este, que perdeu os 12 pontos da carta de condução, ficando sem pontos.
XVI. Sendo certo que em consequência, dali decorre a determinação da cassação da carta de condução, não se pode o recorrente conformar que inexista margem de ponderação das circunstâncias concretas, por falta de fundamento legal, em face a tudo o supra exposto.
XVII. E ainda, pelas condições particulares apresentadas pelo recorrente na sua impugnação judicial, que efetivamente se considera não foram tidas em linha de conta com o ali evocado.
XVIII. Ou seja, sempre o recorrente apelou ao bom senso, no sentido de ser tido em linha de conta o facto de este ter necessidade de manter consigo o título de condução.
XIX. Discordamos pois, nesta perspetiva, por interpretação diversa, e consequentemente impugna-se este concreto facto, porque deveria tal fundamento ter procedido.
XX. E ainda assim, o recorrente sempre pretendeu perante o Tribunal recorrido, de existir a faculdade de o mesmo permitir perante a lei a devida discricionariedade na apreciação dos referidos factos que evitasse a vinculação do ato de cassação do título de condução do ali também condutor.
XXI. E não obstante, mais se avançou que, apesar do grau de censurabilidade que resulta da perda de pontos pelo recorrente, ainda assim, nunca o mesmo com a sua conduta colocou em perigo a segurança da circulação rodoviária e a segurança das pessoas face ao transito de veículos, não sendo de todo premente a proteção do bem jurídico em causa.
XXII. Já naquela sede, se apelou ao Mm.º Juiz de Direito para a possibilidade de ser abrangido pela Lei do Governo que estabelece o perdão de penas e amnistia de infrações praticadas que foi publicada em Diário da República e entrou em vigor a 1 de setembro.
XXIII. Posto isto, não se conformando o recorrente como já referido de não ter sido atendido face ao exposto e pela necessidade acrescida que o recorrente tinha em manter o título de condução ativo, e de todo o conteúdo do ali peticionado.
XXIV. Requer-se a V. Exas. a possibilidade de considerar-se o fundamento da matéria de facto e concomitantemente o fundamento de direito da mencionada amnistia, de forma a ser o mesmo abrangido por esta.
XXV. Existe pois a necessidade de se impugnar a decisão de cassação do título de cassação, desde logo para a presente decisão não se tornar definitiva, evitando caso seja atendível a pretensão do impugnante, a entrega do referido título de condução.
XXVI. A lei referente à amnistia prevê ainda que, "nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, que sempre seria da competência do juiz da instância do julgamento ou da condenação, ajuizar da possibilidade da aplicação da amnistia ao caso concreto", o que não sucedeu efetivamente.
XXVII. Já sobre a decisão final discorda o recorrente na improcedência de todos os fundamentos apresentados por si, recorrente, pelo que devia aquela decisão ser favorável ao recorrente pelo ali evocado e bem assim julgar essa sua pretensão como totalmente procedente;
XXVIII. Destarte, entendemos que sempre se deveria atender ao peticionado pelo recorrente e revogar-se a decisão recorrida na sua totalidade o que desde já se requer a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores.
XXIX. Discordamos pois, nesta perspetiva, por interpretação diversa, e consequentemente impugna-se este concreto facto que rejeitou que a cassação do título de condução equivaleria a uma sanção acessória conforme se retira da referente aplicação da Lei 38-A/2023, porque em boa verdade sempre deveria tal fundamento do recorrente ter procedido.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado e considerado procedente e consequentemente ser revogada a sentença recorrida nomeadamente atento o pedido do recorrente no segmento que se verifica quanto à aplicação da Lei 38-A/2023.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá a impugnação judicial interposta pelo Recorrente ser julgada procedente, absolvendo-se o recorrente da cassação do título de condução conforme sempre foi requerido.
Porém Vossa Excelência decidirá como for de Justiça
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

1.5. O recurso foi admitido, na 1.ª instância.
1.6. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser rejeitado, por inadmissibilidade legal ou, no caso de assim não se entender, dever ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. O arguido interpôs recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na qual foi determinada a cassação do respectivo título de condução.
2. A decisão recorrida não cabe no âmbito de previsão do art.º 73.º do RGCO, pelo que se terá de concluir pela respectiva irrecorribilidade.
3. Em conformidade, e tendo em mente que, nos termos do disposto no art.º 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação não está vinculado à decisão de admissão do recurso proferida pelo Tribunal de primeira instância (art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal), deve ser rejeitado o recurso interposto, por inadmissibilidade legal.
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela se admite, sempre se dirá que:
4. A cassação do título de condução de veículo com motor não tem no nosso ordenamento jurídico uma única natureza, existindo previsões autónomas no Código Penal e no Código da Estrada.
5. No Código Penal, encontra-se previsto
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