Acórdão nº 105/20.1T9CPV.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-03

Ano2023
Número Acordão105/20.1T9CPV.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 105/20.1T9CPV.P1

Tribunal de origem:
Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro


Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 105/20.1T9CPV que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva, em 02/11/2022 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor :
« VI – Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, p. p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
b) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, com publicidade e calúnia, p. e p. nos termos dos artigos 187.º e 183.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;
c) Realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, nos termos do artigo 77.º, do Código Penal, assim determinando a aplicação de uma pena única de 1 ano e 1 mês de prisão;
d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA pelo período de 1 ano e 6 meses, subordinando-a a regime de prova, direcionado para a sensibilização o respeito pela honra e bom nome alheios, e ao cumprimento dos deveres de apagar a publicação em 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão e de manter procura ativa de emprego durante o período da suspensão;
e) condenar o arguido AA a publicar, a expensas suas, no Jornal de Notícias, o teor da presente decisão, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado;
f) Julgar improcedente, por legalmente inadmissível, o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do disposto na al. precedente;
g) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB, e, em consequência, condenar o arguido/demandando AA, a pagar àquele a quantia de €2.000,00 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal em vigor, desde a data da notificação desta sentença, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
h) Determinar que o pagamento da indemnização que compõe a al. precedente seja feito, pelo arguido, ao Centro de Acolhimento Residencial para crianças e jovens em risco, denominado «A...» no lugar de ... – e gerido pela Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, com sede na Rua – ... da União de Freguesias ..., ... e ... – Castelo de Paiva;
i) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente B..., Lda., e, em consequência, absolver o arguido do pedido.

Custas criminais do processo a cargo do arguido, reduzidas a metade, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – artigo 344.º, n.º 2, c), do Código de Processo Penal.
Custas na parte cível, referentes ao pedido deduzido pelo assistente, a dividir por ambas as partes, quanto ao pedido do assistente BB, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 36,36% para o arguido/demandado e em 63,64% assistente/demandante – artigos 446.º, n.ºs 1 e 2, 527.º do Código de Processo Civil, e 523.º, do Código de Processo Penal.
Sem custas na parte cível, referente ao pedido deduzido pela assistente B..., Lda. – cf. o artigo 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais»

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 02/12/2022, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
2. Face à confissão do arguido foram indevidamente dados como provados factos que não resultam daquela confissão.
3. Mas outrossim da prova feita em sede de Pedido de Indemnização Cível (PIC).
4. Entre outros, os factos insertos nos pontos 6., 7. e 12. dos factos provados.
5. Tanto mais que, resulta do elenco dos factos dados como provados, mas também da explanação da MM Juiz a quo quanto ao modo de formação da sua “Convicção sobre a matéria de Facto”, que para o efeito os factos provados entre os pontos 1. e 20. resultaram entre outros, das declarações do assistente e dos depoimentos das testemunhas.
6. Sendo que o assistente, BB (ficheiro 2022/026/03454_4174087_2870300 da gravação da 1ª sessão de julgamento) e duas das testemunhas indicadas no PIC, CC, amigo do assistente (ficheiro 2022/026/04718 da gravação da 1ª sessão de julgamento) e, DD, gestora financeira da assistente, B..., Lda (ficheiro 2022/026/05435 da gravação da 1ª sessão de julgamento.), foram ouvidos para prova do PIC.
7. Não tendo o arguido beneficiado da mesma possibilidade de ouvir as suas testemunhas.
8. Face á sua confissão.
9. Ora, a decisão penal, tal como consta até da sentença recorrida, deve ser suportada na confissão do arguido e na prova documental junta aos autos, nomeadamente na publicação feita por este na plataforma Facebook em 20.04.2020, a que acresce o certificado de registo criminal do arguido.
10. O que in casu não aconteceu.
11. Tendo relevado os referidos depoimentos, donde resultou uma clara valorização de alegadas repercussões dos actos do arguido na esfera dos assistentes, assim como juízos de valor quanto ás intenções do arguido, que foram mencionadas por aqueles três intervenientes (assistente e testemunhas do PIC), sem que a este tivesse sido dado o direito ao contraditório.
12. Vide também, entre outros, no ponto 6. e 12. do elenco dos factos provados e a fls 22, 23 e 24 da sentença a quo sob a epigrafe, “Analisando o caso concreto”.
13. A que acresce que também se dá como provado no ponto 6. dos factos provados que o arguido teve “… o objetivo de rebaixar, humilhar e denegrir o assistente … por cisma e rancor aos assistentes, …”
14. Sendo que, a ..., a cisma e o rancor são estados de alma, sentimentos, que não consubstanciam factos.
15. Logo, não são passíveis de integrar a confissão realizada nos termos do artº 344º do CPP.
16. E ainda assim a MM Juiz a quo não se inibiu de os incluir no elenco dos factos provados que consubstanciam a sua decisão nos presentes autos.
17. Denunciando a referida tendência penalizadora que resulta da valorização – em nosso entendimento, indevida – das declarações e depoimentos supra referidos, fazendo-os repercutir na condenação penal.
18. Por outro lado, ainda que confessando os factos, ou seja, de que fez a publicação em crise nos autos, o arguido desde logo ressalvou que o fazia na convicção de que o que escreveu na referida publicação correspondia á verdade.
19. E ainda assim no ponto 6. in fine dos factos provados refere-se que este usou as expressões insertas na referida publicação “… mesmo sabendo que as mesmas eram inverídicas.”.
20. Quando, este apesar da sua confissão dos factos, nunca afirmou não estar convencido da veracidade do teor daquela publicação ou das informações que estariam na origem da mesma.
O que resulta claro, das suas declarações – que constam da gravação da primeira sessão de julgamento no ficheiro 2022/026/0812-4174087-2870300 – quando a MM Juíz a quo lhe pergunta: “então se assume as consequências do que fez então está a dizer que é verdade aquilo que lhe é imputado, é isso? Aquela publicação?
A sua resposta é: “É verdade, fui eu que a fiz, fi-la porque tive acesso a informação que em parte é pública na região e outra parte é privada por causa do meu relacionamento com trabalhadoras daquela fábrica. Há um enquadramento que leva a essa publicação, ou seja, há uma transposição de uma fábrica antiga para uma nova mediante um incêndio. Nessa transposição, trabalhadoras da fábrica antiga para a fábrica nova perdem as antiguidades e direitos. Foi aí que algumas trabalhadoras que me são conhecidas e até são minhas amigas contactaram-me em termos pessoais.
E de novo a instâncias da MM Juíz a quo que lhe pergunta se “… tudo aquilo que ali está, é verdade?
A sua resposta é clara: “Sim”.
21. Donde resulta que a confissão do arguido, foi no sentido de assumir os factos de que vinha acusado mas não, a inveracidade das suas afirmações. – cf. resulta das suas declarações supra transcritas.
22. Tanto mais que, cf. alínea K) dos factos não provados, face às respostas da ACT que referem a existência de procedimentos contra a assistente e/ou as empresas do mesmo grupo empresarial, não ficou provado que “A assistente cumpre com os horários de descanso e períodos máximos de trabalho diário e anual, não tendo qualquer procedimento contraordenacional registado na ACT e na IGSS, Comissão da Igualdade de Género, etc.” .
23. O que confirma, nessa parte, a veracidade da publicação do arguido.
24. Sendo que a referida valorização – em nosso entendimento, indevida – dos depoimentos supra referidos, culmina com uma condenação que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não valorizou a confissão do arguido.
25. Pois que, deveria a MM Juiz a quo – tal como refere na sentença recorrida – ter formado a sua convicção cingindo-se às declarações do arguido acompanhadas dos documentos juntos aos autos e do seu registo criminal.
26. O que reitera-se, acabou por não acontecer.
27. A que acresce que, a ser valorizado, como foi, o número de comentários feitos àquela publicação, vide ponto 7. dos factos provados, também deveria ter sido levado em conta seu teor, nomeadamente que na sua maioria diziam respeito temas genéricos como a exploração laboral e não aos assistentes.
28. E, que pese embora não tenha apagado a publicação em questão (cf ponto 11. dos factos provados), o arguido há muito que se inibiu praticar qualquer acto ou alteração que pudesse renová-la fazendo-a aparecer no seu mural, pelo que à data do julgamento há muito que não estava sequer visível.
29. Quanto ao
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