Acórdão nº 00058/20.6BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-01-19

Ano2024
Número Acordão00058/20.6BEMDL-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora «AA», enfermeira, residente na Rua ..., ..., ... e Rés Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSNE,EPE), pessoa colectiva n.º ...84, com sede na Av. ..., ..., [SCom01...], SA, pessoa colectiva n.º ...31, com sede na Av. ..., [SCom02...] e Caixa Geral de Aposentações, pessoa colectiva n.º ...98, com sede na Av. ... [SCom02...], foi proferido, pelo TAF de Mirandela, na parte que ora releva, o seguinte Despacho:
(…)
Na sua contestação, a 3ª Demandada invocou a caducidade do direito da Autora, alegando, em suma, que a mesma manteve sempre o vínculo de trabalho em funções públicas, apesar de ter transitado para uma entidade pública empresarial, sendo também subscritora da Caixa Geral de Aposentações, pelo que está abrangida pelo Regime de Proteção Social Convergente, aprovado pela Lei nº 4/2009, de 29 de janeiro, estando, por isso, sujeita à disciplina do artigo 48º, n.os 1 e 3 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, podendo instaurar a presente ação a partir do dia 21/12/2017, mas tendo-a proposto somente em 07/02/2020, sendo irrelevante a participação feita aos Serviços do Ministério Público do Juízo do Trabalho de Bragança, que deu origem ao Proc. nº 235/18.0T8BGC, tanto mais que naquele processo não interveio, sequer, a entidade patronal da Autora nem a Caixa Geral de Aposentações.
A Autora replicou, pugnando pela improcedência da ação e sustentando, por um lado, que o exercício do direito à reparação da Autora não está sujeito ao prazo de caducidade de um ano, previsto no citado artigo 48º, mas sim ao prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498º, n.os 1 e 2 do Código Civil e, subsidiariamente, que a caducidade foi interrompida com a participação da Autora ao Juízo do Trabalho de Bragança, sendo certo que a presente ação foi intentada dentro dos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância proferida por aquele Tribunal, aproveitando-se os efeitos civis da mesma.
Apreciando e decidindo:
Com interesse para a decisão da presente exceção, considero provados os seguintes factos:
1. A Autora exerce as funções próprias da categoria de enfermeira ao serviço e por conta da 2ª Demandada, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas (cfr. acordo das partes).
2. A Autora é subscritora da Caixa Geral de Aposentações com o nº ...0 (cfr. fls. 10 do suporte físico do processo).
3. Em 16 de novembro de 2017, em horário indeterminado, a Autora sofreu um descolamento de retina no olho esquerdo, quando se encontrava a trabalhar no exercício das suas funções (cfr. fls. 63, 76 e verso e 79 do suporte físico do processo).
4. A 2ª Demandada participou o sinistro à 3ª Demandada em 21 de novembro de 2017 (cfr. fls. 63 do suporte físico do processo).
5. A 3ª Demandada comunicou à Autora a sua recusa de assunção de responsabilidade pelas consequências do sinistro, por meio de ofício de 24 de novembro de 2017 (cfr. fls. 79)
6. A Autora participou o sinistro aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Bragança em 20 de fevereiro de 2018 (cfr. fls. 82 do suporte físico do processo).
7. A 3ª Demandada foi notificada pelos Serviços do Ministério Público junto do referido Tribunal da participação efetuada pela Autora, por meio de ofício de 26/02/2018 (cfr. fls. 81 verso do suporte físico do processo).
8. Em 27 de fevereiro de 2019, foi realizada a tentativa de conciliação entre a Autora e a 3ª Demandada pelo Exmo. Sr. Procurador da República junto do referido Tribunal, mas sem sucesso (cfr. fls. 11-12 verso do suporte físico do processo).
9. Em 25 de março de 2019, a Autora propôs ação especial emergente de acidente de trabalho, com o patrocínio do Ministério Público, contra a aqui 3ª Demandada, na Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, que seguiu os seus termos sob o nº 235/18.0T8BGC (cfr. fls. 8386 verso do suporte físico do processo).
Por sentença proferida em 18 de dezembro de 2019, o Juízo do Trabalho de Bragança declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir aquela ação, tendo absolvido da instância a seguradora demandada (cfr. fls. 13-16 verso do suporte físico do processo).
A Autora foi notificada da referida sentença em 23/12/2019 (cfr. fls. 17 do suporte físico do processo).
A Autora intentou a presente ação em 7 de fevereiro de 2020 (cfr. fls. 2 do suporte físico do processo).
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Os factos provados assentam nos meios probatórios acima especificados de forma discriminada, sendo certo que os referidos documentos não foram impugnados pelas partes.
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Face ao que já foi expendido quanto à admissibilidade da cumulação de pedidos, importa retomar a discussão sobre o regime legal substantivo aplicável à presente ação, já que essa matéria importa para efeitos de dirimir a presente exceção.
De facto, por um lado, existe divergência quanto ao facto de ser aplicável à presente situação o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro ou a Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
No primeiro caso, o prazo de caducidade é de um ano, contado da data da notificação, em caso de ato expresso ou da data da formação de ato tácito de indeferimento da pretensão formulada (cfr. artigo 48º, n.os 1 e 3 do citado diploma legal).
Na outra hipótese, o prazo de caducidade é também de um ano, contado da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado (cfr. artigo 179º, nº 1 do segundo diploma legal acima aludido).
Porém, a Autora invoca estar apenas sujeita ao prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil e, subsidiariamente, que teria impedido a caducidade mediante a participação do sinistro ao Tribunal.
No que respeita à primeira questão, importa reiterar que, face ao disposto nos artigos 3º, nº 1, 4º, nº 3, 6º, al. b), 11º, 13º, al. d) e 26º, n.os 1 e 2 da Lei nº 4/2009, de 29 de janeiro, se deve considerar que a Autora estava abrangida pelo regime do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, pese embora o disposto no artigo 2º, nº 4 do mesmo, considerando o princípio geral de direito de que “a lei posterior revoga a lei anterior”.
A conclusão idêntica, embora com fundamentos diversos, chegou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de março de 2021, proferido no Proc. nº 369/18.0YZPRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, versando caso análogo, quando refere que “no âmbito dos hospitais E.P.E. é aplicável aos trabalhadores, com vínculo de emprego público que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho privado, o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação resultante da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”.
Explicitando este entendimento, o referido aresto sustenta o seguinte: “a Autora desempenhava, na data do acidente, janeiro de 2012, as suas funções de enfermeira para o Réu a coberto de um contrato de trabalho em funções públicas e que era subscritora da Caixa Geral de Aposentações (...).
O Réu, Centro Hospitalar do Porto, E.P.E. foi criado pelo DL n.º 326/2007, de 28 de setembro, que, para além do mais, aprovou os respetivos estatutos.
O artigo 5.º deste diploma consagrou algumas das linhas do regime jurídico das entidades criadas, sendo do seguinte teor:
«Artigo 5.º
Regime aplicável
1 - Às entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro. (Este DL transforma em entidades públicas empresariais os hospitais com natureza de sociedades anónima, o Hospital de Santa Maria, e o Hospital de São João e cria o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., o Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. e o Centro Hospitalar do Nordeste, E.P.E., e aprova os respetivos estatutos).
2 - A aplicação do capítulo IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, ao pessoal de todos os hospitais E. P. E. com relação jurídica de emprego público não prejudica a aplicação das regras gerais de mobilidade e racionalização de efetivos em vigor para os funcionários e agentes da Administração, designadamente as constantes da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, com as necessárias adaptações.».
Resulta do n.º 1 este artigo 5º que o regime de recursos humanos imposto ao Réu é o que resulta do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, e, por força do n.º 2 do mesmo artigo, a aplicação daquele regime «ao pessoal de todos os hospitais E.P.E. com relação jurídica de emprego público» não prejudica a aplicação a estes trabalhadores do regime da mobilidade e racionalização de efetivos referido naquele dispositivo.
Por sua vez, o art.14.º do referido DL n. º233/2005, de 29 de dezembro, define o regime de pessoal dos hospitais...

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