Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017

Data de publicação23 Junho 2017
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2017

Proc. n.º 41/13.8GGVNG-B.S1

Uniformização de Jurisprudência

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - O Ministério Público interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, doravante CPP, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - o acórdão de 29 de abril de 2915, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1 - 5.ª Secção (acórdão recorrido), e o acórdão de 21 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1 - 5.ª Secção (acórdão fundamento), ambos transitados em julgado.

Alegou e requereu, então:

«O Supremo Tribunal de Justiça proferiu dois Acórdãos no domínio da mesma legislação que, relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas.

Com efeito,

O Acórdão do STJ, ora recorrido, negou procedência à questão prévia suscitada pelo MP no seu parecer, da rejeição liminar parcial do recurso ordinário interposto pelo arguido Nuno Miguel Queirós da Silva, relativamente à competência do STJ para decidir das questões sobre a pena parcelar de 6 meses de prisão, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, por incompetência deste Tribunal a favor do Tribunal da Relação.

O arguido havia sido condenado, em 1.ª instância, por acórdão de 05.06.2014, nas penas parcelares de 6 meses de prisão pela prática de um crime de consumo de estupefacientes e de 8 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, sendo-lhe aplicada a pena única de 8 anos e 1 mês de prisão.

Inconformado, interpôs recurso, per saltum, para o STJ, discutindo o quantum das penas parcelares de 6 meses de prisão e de 8 anos de prisão aplicadas, respetivamente, pela prática dos crimes de consumo de estupefaciente e de tráfico de estupefaciente.

O Acórdão recorrido considerou competente o STJ para decidir da pena parcelar de 6 meses de prisão aplicada, na interpretação que deu ao disposto na al. c), do n.º 1, do art. 432.º do CPP de, no caso de recurso direto do tribunal coletivo, ou do júri e sobre matéria de direito, o STJ é competente para dele conhecer seja no respeitante à pena conjunta superior a 5 anos de prisão que o condenado vai ter de cumprir, seja quanto às penas parcelares de limite superior ou inferior a 5 anos.

Ao invés, o Acórdão proferido, também por este STJ, em 21.11.2012, no proc. n.º 256/11.3JDLSB.S1 pronunciando-se expressamente sobre a mesma questão de direito, decidiu opostamente, no sentido da incompetência do STJ para conhecer do recurso interposto pelos arguidos da decisão da 1.ª instância para o STJ, em que discutiu não só o quantum da pena única superior a 5 anos, mas também o quantum das penas parcelares de prisão aplicadas inferiores a 5 anos, na interpretação do disposto na al. c), do n.º 1, do art. 432.º do CPP de que só é admissível recurso direto para o STJ das decisões do tribunal coletivo ou do júri que apliquem penas parcelares e única de prisão superiores a 5 anos. Não sendo o caso, a competência reverte a favor do tribunal da relação.

Estes Arestos, o Recorrido e o Fundamento, discutiram a mesma questão de direito, que foi objeto da decisão expressa, sendo fundamentalmente semelhante a matéria de facto fixada. Ambas as decisões transitaram em julgado.

Do Acórdão ora recorrido não é admissível recurso ordinário.

Mostram-se, assim, reunidos os requisitos taxativos e perentórios, constantes dos arts. 437.º e 438.º e segs. do CPP, ao prosseguimento do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, o que se requer.»

2 - Por acórdão tirado em conferência em 14 de outubro de 2015, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se reconhecer a oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

3 - Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.º do CPP, o Ministério Público apresentou desenvolvidas alegações, formulando as seguintes conclusões:

«1) O art. 432.º, n.os 1, al. c), e 2, do CPP determina a recorribilidade para o STJ, de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

2) Acórdão final assume o significado de decisão penal final, proferida por um coletivo de juízes ou de juízes e jurados.

3) O conceito de "decisão" tanto abarca a decisão relativa à pena parcelar de prisão aplicada, como a decisão atinente à pena única de prisão fixada;

4) As alterações introduzidas pelo legislador ao CPP, com as Leis n.os 59/98, de 25/08 e 48/2007, de 29.08, nomeadamente ao Livro IX, dos "Recursos", Título I, tiveram como objetivo restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de Revista assoberbado por uma "carga" de processos em que se discutiam minudências criminais, reservando-lhe o reexame da matéria de direito nos casos de criminalidade mais grave e de aplicação de penas de prisão, parcelar ou única, mais severas.

5) O critério para apurar da competência recursória do STJ deve ser o da gravidade da pena aplicada.

6) No âmbito da competência recursória, a regra geral é a da atribuição ao tribunal da relação e a exceção a competência do Supremo Tribunal de Justiça.

7) A interpretação a dar ao art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, enquanto norma excecional, deve ser declarativa e não extensiva.»

Propondo que o conflito de jurisprudência fosse resolvido no seguinte sentido:

«Nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça carece de competência para decidir, em recurso, das penas parcelares de prisão inferiores a 5 anos, ainda que a pena única de prisão seja superior a 5 anos de prisão, fixadas em acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. Nestes casos, cobra competência o Tribunal da Relação, que conhecerá tanto das penas de prisão parcelares como da pena de prisão única aplicada.»

4 - Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 443.º do CPP), cumprindo decidir.

II

A decisão tomada na Secção Criminal no acórdão de 14 de outubro de 2015 que afirmou a oposição de julgados não vincula o Pleno das Secções Criminais, como uniformemente tem sido entendido. Por isso, há que reexaminar a questão.

O acórdão recorrido foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1 - 5.ª Secção, em 29 de abril de 2015, e transitou em julgado a 18 de maio de 2015.

O acórdão fundamento, também do Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1 -5.ª Secção, em 21 de novembro de 2012, tendo também transitado em julgado.

O recurso foi tempestivamente interposto pelo Ministério Público em 8 de junho de 2015, encontrando-se cumprido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido previsto no n.º 1 do artigo 438.º do CPP.

Verificados os pressupostos formais deste recurso, cumpre conferir a questão da oposição relevante entre esses acórdãos.

Como se refere no acórdão de 14 de outubro de 2015, proferido ao abrigo do artigo 441.º do CPP, que neste segmento do texto se acompanha, ambos os acórdãos se ocupam da mesma questão de direito: o âmbito da competência do Supremo Tribunal de Justiça em recurso per saltum interposto, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, de acórdãos finais proferidos pelo tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenham aplicado, em cúmulo jurídico, uma pena conjunta superior a cinco anos, englobando penas parcelares inferiores a essa duração.»

O acórdão recorrido incidiu sobre recurso ordinário interposto por um arguido da decisão do Tribunal Coletivo da Instância Central de Vila Nova de Gaia da Comarca do Porto, proferida em 5 de junho de 2014, que o condenara na pena de 8 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e pela prática, em concurso, de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico de ambas as penas, na pena única de 8 anos e 1 mês de prisão.

O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame em matéria de direito, relativamente ao quantum das penas parcelares que lhe foram aplicadas pelos dois referidos crimes.

O acórdão recorrido, na sequência de questão prévia suscitada pelo Ministério Público, considerou o Supremo Tribunal de Justiça também competente para apreciar e decidir da pena parcelar de 6 meses de prisão, interpretando o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, no sentido de que:

«[...] no caso de recurso direto do tribunal coletivo (ou júri) e sobre matéria de direito, o STJ é competente para dele conhecer seja no respeitante à pena conjunta superior a 5 anos de prisão que o condenado vai ter de cumprir, seja quanto às penas parcelares de limite inferior».

Por sua vez, o acórdão fundamento incidiu sobre recurso ordinário interposto por dois arguidos da decisão do Tribunal Coletivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, proferida em 10 de abril de 2012, no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, que os condenara pela prática de 7 crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, por cada um dos crimes, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, de 4 crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 3, do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, por um dos crimes, e na pena de 8 meses de prisão, por cada um deles, e de 12 crimes de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, e 256.º, n.os 1, alíneas a), c) e d), e 3, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, por cada um deles.

Em cúmulo jurídico destas penas, foram...

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