Acórdão nº 59/22.0GBABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório a. No Juízo Local Criminal de … procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal singular de AA, nascido a … de … de 1981, com os demais sinais dos autos, a quem fora imputada a prática de: um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto no artigo 347.º, § 1.º do Código Penal (CP); um crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, § 1.º CP; um crime de dano qualificado, previsto nos artigos 212.º, § 1.º e 213.º, § 1.º, al. c) CP; um crime de ameaça qualificado, previsto nos artigos 153.º, § 1.º e 155.º, § 1.º, als. a) e c) CP; e dois crimes de injúria, previstos no artigo 181.º CP, com referência ao artigo 184.º do mesmo código

Contra o arguido foi também deduzido pelo Estado, representado pelo Ministério Público, um pedido de indemnização civil, por danos causados numa viatura, no valor de 328, 64€, acrescido de juros moratórios

O arguido não contestou nem indicou prova

  1. A final o tribunal proferiu sentença pela qual condenou o arguido como autor de dois crimes de injúria, previstos no artigo 181.º, com referência ao artigo 184.º, ambos do CP; e um crime de ameaça agravada, previsto no artigo nos artigos 153.º, § 1.º e 155.º, § 1.º, al. c) CP, respetivamente nas penas de: - 120 dias de multa, à razão diária de 7€; e - 245 dias de multa, à mesma razão diária

    Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares condenou-o na pena única de 245 dias de multa à razão diária de 7€

    Absolvendo-o do demais que vinha acusado, bem assim como do pedido de indemnização civil contra si deduzido

  2. Inconformados com a decisão recorreram o arguido e o Ministério Público

    c.1 Conclusões do recurso do arguido (transcrição): «1 – A expressão “Seus palhaços do caralho” não se afigura assumir dignidade penal, na perspetiva de ter proferido qualquer expressão ou imputação criminalmente relevante adequada a ofender a honra e consideração dos dois militares

    2 - Nem todo o comportamento incorreto de um indivíduo merece tutela penal, devendo-se destrinçar as situações que traduzem, de facto, uma ofensa da honra de terceiros com dignidade penal, daquelas situações suscetíveis de revelar tão só indelicadeza, grosseirismo ou uma má educação do agente, sem repercussão relevante na esfera da dignidade ou do bom nome do visado

    3 - A conduta indiciada do Recorrente, não assume a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito penal, tanto mais quando a mesma é assumida no âmbito de uma “discussão” e de uma altercação, na qual ficou dado como provado que os militares não seguiram todas os procedimentos legais a que estavam obrigados, sendo que também não a dirigiu diretamente e concretamente aos militares; 4-Oprincípio da insignificância, como máxima interpretativa dos tipos de ilícito, exclui condutas que, embora formalmente típicas, não o sejam materialmente – a insignificância penal exclui a tipicidade e as condutas insignificantes não são típicas porque o seu sentido social não é de ofensa do bem jurídico

    5 - O Direito Penal não deve intervir para criminalizar condutas comuns, simples desrespeitos, descortesias ou más educações. Tem que haver um mínimo de significado da conduta, um mínimo de gravidade, para que se considere ter a mesma alcançado o patamar da tipicidade e para se lhe conferir dignidade penal

    Por outro lado, 6 - Da expressão “BB, estás fodido. Não te estás a meter com qualquer um. Isto não vai ficar assim, vou apanhar-te na rua!” não resulta qualquer mal concreto suscetível de constituir um crime

    7 - Da referida expressão nem é possível extrair que bem jurídico o Recorrente poderia estar a ameaçar com um mal, nem se é de natureza pessoal ou patrimonial… 8 – Sendo que, as características da ameaça são a existência de - mal (de natureza pessoal ou patrimonial); - futuro (não iminente); - e cuja ocorrência dependa da vontade do agente

    9 - Nem toda a ameaça com um mal futuro é suscetível de constituir o crime tipificado no artigo 153.º, n.º 1, do CP, inexistindo o ilícito referido quando o mal ameaçado é de tal modo longínquo e improvável que não tem aptidão para causar aquele mínimo de inquietação justificativo da tutela penal da tranquilidade e paz interior do ameaçado

    10 – Além disso, não sendo concretizado um mal futuro, deverá a questão ser solucionada a favor do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo

    11 – E, o mal ameaçado, isto é, o objeto da ameaça tem de constituir crime, ou seja, tem de configurar em si mesmo um facto ilícito típico, não sendo possível extrair da expressão utilizada pelo Recorrente qualquer tipo de crime… 12 - A expressão proferida não culmina com qualquer mal futuro concreto, não sendo possível discernir o bem jurídico que se pretende ameaçar, não estando verificados os elementos objetivos do tipo de crime de ameaça, devia o Recorrente ter sido absolvido da prática do crime em causa

    13 - Devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente dos crimes de injuria e ameaça agravada, mostrando-se violado o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 20.º da CRP, 181.º e 153.º do CP.» c.2 Conclusões do recurso do Ministério Público (transcrição): «B. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo decidindo como decidiu não apreciou corretamente a prova produzida, como não interpretou, nem aplicou corretamente o direito atinente

    DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (contradição insanável entre a matéria de facto provada e não provada): C. Matéria dado como não provada e que deveria ter sido considerada como provada: (13.º parágrafo da acusação): O militar da GNR podia solicitar a identificação do arguido, face aos factos praticados pelo mesmo. - cfr. Ponto III-B)- alínea f) da matéria de facto não provada, constante da sentença.; (20.º parágrafo da acusação): O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que estava obrigado a identificar-se perante solicitação do militar da GNR, devidamente uniformizado e identificado, e que, não o fazendo, como não o fez, desobedecia a uma ordem legítima, e cujas consequências também lhe foram regularmente comunicadas pela autoridade competente. - cfr. Ponto III-B)- alínea g) da matéria de facto não provada, constante da sentença

    1. Nos termos do artigo 5.º, n.º1, da Lei da Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto), os cidadãos têm o dever de colaborar na prossecução dos fins de segurança interna: cumprindo as disposições preventivas estabelecidas na lei; acatando ordens e mandados legítimos das autoridades; e não obstruindo o normal exercício das competências dos funcionários e agentes das forças e dos serviços de segurança

    2. Nos termos das disposições combinadas dos artigos 28.º, n.º1, alínea a) e 30.º da Lei da Segurança Interna, a medida de policia de exigência identificativa é suscetível de ser aplicada quando se revele necessário, pelo período de tempo estritamente indispensável para garantir segurança e a proteção de pessoas e bens e desde que haja indícios fundados: (i) de preparação de atividade criminosa; ou (ii) de perturbação séria ou violenta da ordem pública

    3. A Guarda Nacional Republicana exerce funções de segurança interna e no âmbito das suas atribuições tem competência para aplicar as medias de polícia nas condições e termos da Constituição e da lei de segurança interna – cfr. arts. 25.º, n.º 2, al. a), 28.º, n.º 1, al. a), 30.º, 32.º, n.º 1, da Lei de Segurança Interna, arts. 1.º e 14.º, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana – Lei n.º 63/2007, de 06/11-, e artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95, de 21/02, na versão conferida pela Lei n.º 49/98, de 11/08, [com referência, naturalmente, ao referido art.º 25.º, n.º 2, al. a) da cit. Lei de Segurança Interna]

    4. É assim, salvo melhor opinião, inquestionável a licitude da exigência identificativa em face da matéria de facto provada em III-A), sob os números 1 a 8, da Fundamentação de Facto da sentença recorrida, uma vez que o arguido estava a perturbar seriamente a ordem pública; e a entidade que aplicou essa medida de polícia é uma força de segurança interna

    5. Em lógica decorrência da licitude daquela exigência identificativa, impor-se-ia ao ora Arguido, o correlativo dever de prontamente acatar as respetivas ordens, como, aliás, expressa e reforçadamente se estabelece, máxime, no art.º 5.º, n.º 1, da referida Lei de Segurança Interna

      I. A correspondente recusa fá-lo-ia imediatamente incorrer no cometimento dum crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 2, do Código Penal – e não simples, conforme indicado na acusação - por tal consequência se encontrar expressamente cominada no cit. n.º 2 do art.º 14.º da LOGNR, e condicionaria a sua pronta detenção, com vista, inclusive à respetiva sujeição a julgamento sob a forma de processo sumário, [cfr. arts. 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n.º 1, al. a), 256.º, n.º 1, e 381.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal], e independentemente, pois, de qualquer outro procedimento do respetivo agente de autoridade, quer da verbal advertência da incursão em crime de desobediência, quer do correspondente à indagação da recusada identificação, como inelutável decorre do art.º 30.º da LSI. – neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de18-09-2013, Processo 75/12.0GBMIR.C1

    6. Donde resulta contradição insanável entre a factualidade provada sob os n.ºs 1 a 8, do ponto III-A) fundamentação de facto da sentença recorrida; e a factualidade não provado sob as alíneas, f) e g), do ponto III-B) da fundamentação de facto da sentença recorrida, vício previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea b), do Código de Processo Penal, posto ser empiricamente irracional e absolutamente incoerente e inconciliável o simultâneo ajuizamento da ostensiva, irredutível e reiterada recusa identificativa do arguido perante agentes policiais perfeitamente identificados, após sucessivas advertências e das respetivas consequências jurídico-criminais e processuais, e o do irreconhecimento da respetiva consciência e volição

    7. Termos em que...

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