Acórdão nº 491/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 491/2023

Processo n.º 428/23

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

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Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de março de 2023, que concedeu parcial provimento ao pedido de recusa formulado pelo recorrente sobre os Juízes que compõem o Tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Loures (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, para efeitos de realização de novo julgamento, determinado por Tribunal superior na sequência de recurso.

2. Suscitando-se a necessidade de realização de novo julgamento em 1.ª instância nestes autos, o arguido A. deduziu pedido de recusa para o Tribunal da Relação de Lisboa ao abrigo do disposto nos artigos 43.º a 46.º, do Código de Processo Penal (CPP), contra os Juízes que integraram o coletivo que realizou o primeiro julgamento.

O pedido de recusa foi julgado parcialmente procedente pela decisão recorrida, determinando-se a exclusão do Juiz-Presidente do coletivo e indeferindo-se o peticionado quanto às duas adjuntas.

3. A. veio então recorrer para o Tribunal Constitucional e, pela decisão sumária n.º 288/2023, o relator decidiu não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) o requerimento de interposição de recurso não apresenta qualquer delimitação de norma-objeto em conformidade com o exposto, esgotando-se na crítica à decisão do Tribunal recorrido, que se entende ter incorrido na violação do programa legal e constitucional aplicável.

De todo o extenso arrazoado apresentado pelo recorrente (perfeitamente desnecessário, já que jamais seria este o momento processual adequado para alegações – cfr. artigo 79.º, n.º 2, da LTC), o que de mais aproximado a um pedido de fiscalização se encontra seria, estamos em crer, o seguinte excerto: “os artigos 39, 40, 41 n.º 1, 2 e 3, e nos termos do artigo 43. º n.º 1, 2, 3 e 4 todos do CPP, tendo em conta a falta de isenção e de imparcialidade já demonstrada a não serem acolhidos estão desconformes à constituição, nos seus artigos 203, 205, artigo 32, n.º 1 e n.º 2, 5 e 9, por violar a independência do Tribunal e por violar as garantias de defesa e colocar em causa a estrutura acusatória” (cfr. § 56).

Ainda assim e como está bom de ver, o recorrente não formula um pedido de fiscalização de uma qualquer norma, fosse o disposto nos artigos 39.º, 40.º, 41.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP (que, respeitando a impedimentos, nem sequer respeitam ao incidente colocado), ou no artigo 43.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do mesmo diploma, tanto menos de uma sua dimensão normativa específica (que nenhuma identifica em concreto), antes defende que, em face do acervo factual a que apela como fundamento do pedido formulado (“a falta de isenção e de imparcialidade já demonstrada”), este quadro normativo deve ser convocado para que opere o efeito de exclusão dos três Juízes cuja recusa suscitou do coletivo que realizará o novo julgamento: no ver do recorrente, uma decisão jurisdicional que conclua pela falta de fundamento da recusa, quaisquer que sejam os seus fundamentos, resultará em lesão de normas e princípios constitucionais (“a não serem acolhidas, estão desconformes à constituição”).

Como se concordará evidente, não estamos perante a delimitação de um programa normativo que pudesse ser sujeito a fiscalização concreta: o recorrente insurge-se contra a decisão de improcedência de recusa das duas adjuntas que integraram anterior coletivo e entende que o complexo factual do caso sub iudicio não a comportaria, bastando-se com um exercício de reprovação sobre o juízo subsuntivo realizado pelo Tribunal “a quo” no caso concreto.

Se ao Tribunal Constitucional não é permitido posicionar-se sobre a melhor forma de interpretar o Direito ordinário (v. g., para efeitos de controlo do estatuto de impedimentos e suspeições de magistrados), tanto menos se admite que reveja as decisões das jurisdições quanto à forma como devem ser compreendidos os factos provados para efeitos de subsunção ao quadro jurídico aplicável (cfr. artigos 6.º e 71.º, n.º 1, ambos da LTC; - v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166; também acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99, aí citados). A temática colocada pelo recorrente é, pois, inteiramente estranha ao objeto necessário do recurso de constitucionalidade.

Dito de outra forma, o recorrente não destaca uma interpretação particular das normas arroladas que, dotada de generalidade e abstração, constituísse um programa normativo autónomo passível de ser sujeito a fiscalização concreta, mas, noutro sentido, pretende a sindicância da decisão jurisdicional por as conclusões nela alcançadas a propósito de fundamento de recusa não se mostrarem compatíveis com o que entendem ser a realidade substancial das coisas e o regime processual aplicável. Se dúvidas existem, veja-se a forma como o recorrente conclui a sua peça de interposição:

«Requer-se, desde já, seja admitido o presente incidente, julgando-se procedente o pedido de recusa do juiz e colectivo atentos os fundamentos invocados nomeadamente o perigo real de a sua intervenção no processo, ser encarada com desconfiança a suspeita pela comunidade.

Termos em que se requer, mui respeitosamente, a V. Exas., se dignem julgar procedente por provado o presente incidente de recusa de juiz, e, em consequência, deferir a recusa do Sr. Juiz B. e das restantes duas juízes adjuntas.

Nesta conformidade, e nos termos do artigo 43 do CPP, entende-se que existem fundamentos para determinar a recusa dos Srs. Magistrados.

Assim sendo deve o Venerando Tribunal da Relação declarar impedidos de realizar novo julgamento/nova prova (que é toda) todo o Colectivo que interveio no primeiro julgamento, só assim estarão garantidos os mais básicos direitos do defesa do Arguido, nomeadamente por violação das normas constitucionais supra descritas.»

A providência judiciária peticionada a este Tribunal não poderia estar mais distante de um controlo da conformidade constitucional de uma norma ou interpretação normativa, antes se peticiona por um juízo de mérito sobre o incidente de recusa que derrogue o Acórdão recorrido.

Temos por claro, enfim, que o recurso interposto não tem por objeto um ato normativo que pudesse ser sujeito a fiscalização concreta, antes se caracteriza como um impulso impugnatório que realiza uma abordagem ao Tribunal Constitucional como se se tratasse de uma instância integrada na jurisdição criminal, possuindo no seu leque de atribuições e competências a revisão de decisões de outros órgãos em matéria jurídico-processual, o que não é, de todo, o caso.

Conclui-se, face ao exposto, que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do respectivo objecto, vício da instância por falta de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito (cfr. artigos 6.º, 70.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, todos da LTC e artigos 577.º, corpo do texto e 578.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

4. O recorrente reclamou para a conferência desta decisão nos seguintes termos:

“(…) vem do mesmo interpor a presente Reclamação para a Conferência, nos seguintes termos:

1 - O recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

2 - E, quanto a estas matérias, encontram-se já esgotados todos os recursos ordinários que ao caso cabiam, estando assim preenchido o requisito constante do n.º 2 do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, até porque a inconstitucionalidade e a ilegalidade foram suscitados pelo Recorrente no Recurso e articulados anteriores (art. 75.º, n.os 1 e 2, artigo 75-A, da Lei 28/82, de 15 de Novembro).

3 - O efeito a atribuir ao recurso — efeito suspensivo - é o estatuído no artigo 3 e 4 do artigo 78 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

4 - As normas cuja inconstitucionalidade e ilegalidade, da forma como foram interpretadas e aplicadas, se pretende seja declarada são as seguintes, de acordo com o artigo 75-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro:

5 - Que se declare inconstitucional o artigo 43 do CPP, neste caso a recusa das senhoras juízas do restante colectivo, conjugado com o artigo 203 da CRP, porque em causa está a independência dos juízes que é um corolário do princípio constitucional da independência dos tribunais, previsto no art.º 203.º da CRP, de onde decorre a obrigação, de "decidir serenamente, resguardado de qualquer pressão de cariz social, mediático, económico ou resultante de alguma ação individual".

6 - Pelo que o Acórdão ao apenas julgar recusado o Sr. Desembargador, B. e não as senhoras Juízas Adjuntas, Sra. Dra. C. e Sra. Dra. D., porque intervieram, formaram a sua convicção, encontra-se violado o artigo 203 da CRP, conjugado com o artigo 43 do CPP, na medida em que a independência dos Tribunais - os Srs. Drs. Juízes representam o provo e os Tribunais — está afectada, pois, ao estar proscrito o Sr. Dr. Juiz B., os restantes membros do colectivo também devem ser removidos, até pela postura que os mesmos adoptaram no Tribunal e porque basta uma suspeita fundamentada para afastar os demais juízos, pois não estamos na fase ex ante do julgamento mas da reabertura para reapreciação do caso.

7 — Estando plasmada a repetição de parte do julgamento, ou de todo o julgamento, não faz sentido que um juiz seja recusado, mantendo as demais juízas. Pois o colectivo que inicia o julgamento tem de ser exactamente o mesmo colectivo que profere a decisão, tem de haver unidade.

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