Acórdão nº 270/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 270/2023

Processo n.º 354/2021

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o Partido Social Democrata – PPD/PSD, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (em seguida, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 23 de março de 2021, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, do «art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, interpretado como revogando o art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06».

2. O Restaurante “A., Lda.” instaurou contra o aqui recorrido procedimento de injunção, posteriormente distribuído como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, peticionando, entre o mais, o pagamento da importância de € 7.700,00, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal dos juros comerciais, contados da data de vencimento da respetiva fatura até efetivo e integral pagamento.

Por sentença proferida no Juízo Local Cível de Alcobaça, o ora recorrido foi condenado no pagamento ao demandante da quantia de € 7.700,00, acrescida dos juros peticionados. Relativamente ao pagamento das custas devidas, demandante e demandado, aqui recorrido, foram condenados na proporção do respetivo decaimento, não tendo sido reconhecida a este último a isenção prevista no n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, norma que se entendeu ter sido expressamente revogada pelo n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.

Inconformado, o ora recorrido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 23 de março de 2021, julgou parcialmente procedente a apelação, isentando-o do pagamento de custas na ação, bem como das custas devidas pelo recurso.

3. Na parte que aqui releva, consta do acórdão recorrido a seguinte fundamentação:

«4. Da isenção de custas

Defende o recorrente que art.º 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008 – diploma que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – quando interpretado como revogando o art.º 10º, n.º 3, da Lei 19/2003, de 20 de Junho – Lei de Financiamento dos Partidos Políticos – padece de inconstitucionalidade formal orgânica, o que leva a que se tenha que se recusar a aplicação dessa norma interpretada naquele sentido e da norma prevista no art.º 4, n.º 1, alínea e), do Regulamento das Custas Processuais, interpretada no sentido que restringe a isenção de custas apenas no contencioso previsto nas leis eleitorais.

A questão que nos é colocada já foi objeto de acórdão do Tribunal Constitucional[1] no domínio da vigência dos DL 595/74, de 7.11, e o art.º 5º do DL 118/85, de 19.4, culminando pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral[2] da norma revogatória daquele que o primeiro dos diplomas concede a referida isenção aos partidos políticos com a seguinte fundamentação:

O Decreto-Lei nº 595/74, atribui aos partidos políticos, como "corolário do reconhecimento da importância e significado da sua ação na vida política" diversos benefícios e isenções a conceder pelo Estado, entre eles se incluindo a isenção de "preparos e custas judiciais" estatuída no artigo 9º, alínea e).

Desta forma estabeleceu-se a favor dos partidos políticos uma isenção de natureza pessoal em matéria de custas judiciais, a esse tempo abrangendo o imposto de justiça, os selos e os encargos, do mesmo modo que se dispensaram os preparos como consequência automática da isenção do imposto de justiça (cfr. artigo 1º do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei nº 44 329, de 8 de Maio de 1962).

Destarte aquela disposição revogatória, na parte em que modificou a injunção contida na Lei dos Partidos Políticos, acabou por atingir a própria estrutura estatutária destes últimos, seguro como é que "o estatuto das associações e dos partidos políticos (cfr. artº 51º) abrange, não apenas o regime específico quanto à sua constituição, registo, extinção, etc., mas também a definição dos seus direitos e regalias, incluindo a regulamentação a que haja lugar relativa aos direitos dos partidos da oposição (cfr. arte 117º)" (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2a edição, 2º vol., pp. 193).

E assim sendo, há-de concluir-se, que apenas a Assembleia da República, por força do disposto no artigo 167º, alínea d) da Constituição, na qual se estabelece uma reserva de competência legislativa absoluta em matéria de "associações e partidos políticos" podia proceder à alteração do regime estatutário dos partidos políticos instituído pelo Decreto-Lei nº 595/74, nomeadamente no plano das isenções fiscais abarcadas pela norma agora questionada.

Ora, à luz deste entendimento, não pode deixar de se considerar inserida na gama dos direitos tutelados pela regra da reserva absoluta, a norma que concede isenção de "preparos e custas judiciais" aos partidos políticos, desde logo porque esta isenção traduz um direito ou regalia derivado da sua própria estrutura estatutária, devendo assim a sua definição ou modificação pertencer ao único órgãos legislativo com competência para dispor sobre a matéria.

Não poderá assim dizer-se, dissentindo deste discurso, que a norma do artigo 5º do Decreto-Lei nº 118/85, visando tão somente matéria de custas judiciais e estabelecendo um regime de isenções que aliás foi substancialmente mantido no Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de dezembro (que introduziu profundas alterações no Código das Custas Judiciais), não deve haver-se como integradora daquele específico complexo normativo.

É que, a existência ou inexistência desta isenção, para além de traduzir uma regalia integrada na esfera dos direitos que compõem aquele complexo normativo, há-de derivar de um certo entendimento legislativo sobre o estatuto das associações e dos partidos políticos que, manifestamente, está reservado à AR.

Já no domínio da vigência do atual quadro legislativo foi proferido por este tribunal[3] um acórdão a que aderimos que, seguindo o citado Acórdão do T. Constitucional, decidiu mantém-se em vigor o art.10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06, e o R/apelante beneficia “de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais constando do mesmo:

A já referida Lei 19/2003 (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) estabeleceu, no seu art. 10.º/3, a isenção de taxas de justiça e custas processuais para os partidos políticos.

Entretanto, posteriormente, o art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, que aprovou o RCP, veio dispor que “são revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei”; dando-se o caso de, quanto aos partidos políticos, se prever, em tal RCP, tão só que os mesmos estejam isentos de custas “no contencioso previsto nas leis eleitorais” (art. 4.º/1/e) do RCP).

Assim, seguindo o mesmo raciocínio e argumentação, temos que o DL 34/2008, que aprovou o RCP e revogou a isenção de taxas de justiça e custas processuais constante do art. 10.º/3 da Lei 19/2003, sendo um diploma do Governo, não respeitou a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República sobre as “associações e partidos políticos” (cfr. art. 164.º/alínea h) da CRP), padecendo nessa medida – na medida em que o art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, seja interpretado como revogando o art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06 – de inconstitucionalidade formal orgânica.

Mantendo-se em vigor, nos termos expostos, a norma constante do art.º 10º, n.º 3 da Lei 19/2003 de 20.6, decide-se que o Réu beneficia de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais».

4. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«No douto acórdão da 3a Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.03.2021, Referência: 9539267, proferido na ação Esp. Cump. Obrig. DL269/98 nº 51844/19.8YIPRT.C1, decidiu-se, "... o DL 34/2008, que aprovou o RCP e revogou a isenção de taxas de justiça e custas processuais constante do art. 10.º/3 da Lei 19/2003, sendo um diploma do Governo, não respeitou a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República sobre as "associações e partidos políticos" (cfr. art. 164.º/alínea h) da CRP), padecendo nessa medida - na medida em que o art. 25º/1 do DL 34/08, de 26-02, seja interpretado como revogando o art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06 - de inconstitucionalidade formal orgânica

Mantendo-se em vigor, nos termos expostos, a norma constante do art º 10º, n.º 3 da Lei 19/2003 de 20.6, decide-se que o Réu beneficia de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais.".

Ou seja, com fundamento em inconstitucionalidade formal orgânica, recusou-se a aplicação daquela norma do art 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, quando interpretado como revogando o art 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06.

Nos termos artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT