Acórdão nº 14/23.2YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1. O Ministério Público veio, ao abrigo do artigo 16º, nº1, da lei 65/03, de 23/08, alterada pela Lei nº 115/2019, de 12/09, requerer a execução do Mandado de Detenção Europeu, doravante MDE, relativo a: AA, de nacionalidade neerlandesa, nascida em .../.../1983, natural de ..., titular do documento de identificação holandês nº ..., válido até .../.../2024, com última residência conhecida, em Portugal, na Rua ..., ... ..., ..., ..., onde foi detida, e, nos Países Baixos, em ..., sendo também indicadas as moradas de ..., Bélgica, morada do actual companheiro e coarguido BB nesse país, e ..., ..., Espanha… 2. Após detenção da pessoa procurada na sua residência em Portugal, no dia 17/1/2023, foi a mesma ouvida em 19 de Janeiro de 2023, dentro do prazo legal para o efeito, tendo ela declarado não renunciar ao princípio da especialidade [1] e opor-se à sua entrega às autoridades neerlandesas, opondo-se, assim, à execução deste MDE.

Nessa data foi fixado o seguinte estatuto coactivo: TIR, obrigação de se apresentar diariamente no OPC mais perto da sua residência e proibição de se ausentar do país sem autorização.

  1. A requerida requereu prazo para apresentação de defesa, tendo-lhe sido concedido 10 dias para o efeito.

  2. Decorrido tal prazo, veio a requerida apresentar oposição escrita onde: peticiona a suspensão do presente processo para resolução de uma questão prejudicial (a que está a ser discutida no Processo de Promoção e Protecção, pendente desde 17/1/2023 no Tribunal de Família e Menores, doravante TFM ...); alega que a infracção que fundamenta o MDE não se encontra incluída no catálogo elencado no nº 2 do artigo 2º da Lei nº 65/2003, inexistindo a imperativa e necessária dupla incriminação; alega que o crime (a ter sido praticado) foi total ou parcialmente cometido em Portugal [o que constitui uma causa de recusa de execução do MDE, nos termos do artigo 12º, nº 1, alínea h), ponto i) da Lei nº 65/2003]; alega que os factos que motivaram a emissão do MDE são do conhecimento do Ministério Público, não tendo ele instaurado o respectivo processo [o que constitui uma causa de recusa de execução do MDE, nos termos do artigo 12º, nº 1, alínea c) da Lei nº 65/2003]; alega que, dando-se deferimento a este MDE, podem estar-se a violar direitos fundamentais à integridade pessoal, à liberdade e à segurança da requerida, o que obriga à recusa da sua execução.

    A final, pede a recusa da execução do presente MDE.

  3. A Exmª Procurador-Geral Adjunta … entendeu que não assiste razão à requerida quando pretende a recusa da execução do presente MDE … 6. Foi efectuado julgamento com um Colectivo de 3 juízes, o qual prosseguiu com o seu legal figurino.

    De facto, à disciplina do processo de execução do MDE aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21º e 22º da Lei nº 65/2003, tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, em particular no que diz respeito ao conhecimento das questões que sejam suscitadas na oposição, relativas aos motivos de recusa de execução.

    Havendo oposição à execução do MDE, o julgamento do processo de execução do MDE, em que o Tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, tem lugar mediante audiência em tribunal constituído pelo juiz relator e dois juízes adjuntos (artigo 56º, nº 1, ex vi artigo 74º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento.

    Por aplicação subsidiária dos artigos 61º, nº 1, alíneas a) e f), do CPP, a pessoa procurada tem o direito de estar presente em audiência, assistida por defensor, cuja presença é obrigatória (artigo 21º, nºs 4 e 5, da Lei nº 65/2003).

    Seguiu-se, assim, de perto, por se afigurar mais garantístico, o doutrinado pelos Acórdãos do STJ de 12-12-2018, proc. nº 94/18.2YRPRT.S2, e de 24-04-2018, proc. nº 39/18.0YREVR.S1.

  4. Foram juntos documentos pela requerida, devidamente traduzidos, constando ainda dos autos, a nosso pedido, várias informações processuais (despachos e relatórios constantes do Processo de Promoção e Protecção nº 141/23...., a correr termos no Tribunal de Família e Menores ... – Juiz ...).

  5. O tribunal é o competente e não ocorrem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer, encontrando-se a requerida representada por defensor oficioso durante o julgamento, após renúncia do mandato por parte do seu anterior mandatário, renúncia essa que já produziu os seus efeitos.

  6. Cumpre decidir, e dentro do prazo a que alude o artigo 26º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Da diversa documentação junta aos autos – cfr. fls 7 a 21, 28 a 32, 63 a 74, 111 a 113, 141 a 145, 166 a 170, 173, 175 a 177, 190 a 202 e sentença proferida no TFM ... de 17/2/2023 - e da audição que se fez à requerida resulta, com interesse para a decisão do presente processo, que: a. Pelas autoridades judiciárias neerlandesas competentes - juiz de instrução de ..., ... - foi, em 26/10/2022, emitido um mandado de detenção europeu com as referências constantes do expediente/documentação que se junta e inserida no Sistema de Informação Schengen … b. Esse mandado e respectiva inserção foram emitidos pela circunstância de a requerida estar fortemente indiciada, pelas autoridades judiciárias neerlandesas competentes … da autoria de um crime consumado de rapto de menores da custódia legal, previsto no artigo 279º do Código Penal holandês e punível com pena de prisão, num limite máximo 9 (nove) anos.

    1. Para a autoridade que emitiu este MDE, tal delito foi cometido em dia não determinado do mês de Outubro de 2022, em ..., e consistiu no facto de a requerida ser mãe de duas crianças CC, nascido a .../.../2012, e DD, nascida a .../.../2913, ambas nascidas do seu casamento com EE, de quem se divorciou em .../.../2021, «sendo que, não havendo decisão quanto ao exercício parental, e embora tenha ficado decidido no processo de divórcio que a residência principal das crianças seria com a mãe, ambos os progenitores detêm essas autoridade sobre os filhos, e a requerida saiu da Países Baixos e foi viver com os filhos para outros lugares, nomeadamente para Portugal, sem o consentimento do pai dos menores e sem que lhe fosse dado conhecimento do lugar onde se encontravam; daí que as crianças estejam a ser activamente procuradas e haja preocupação relativamente ao seu bem-estar, conforme consta do expediente junto».

    2. A Polícia Judiciária, na execução deste mandado de detenção europeu, deteve a requerida, bem como o seu companheiro à ordem de outro mandado de detenção europeu, no dia 17/01/2023, pelas 13,30 horas, em ... - ..., tendo feito a comunicação a este Tribunal para consideração e validação da detenção no âmbito deste MDE.

    3. A requerida e seu companheiro BB vieram viver para Portugal, aqui entrando em Novembro de 2022, acompanhados pelos dois filhos menores de idade da requerida e identificados em c.

    4. Os filhos da requerida estão, desde 17 de Janeiro de 2023, acolhidos na Casa de Acolhimento ..., à qual foram confiados por decisão judicial cautelar datada de 18/1/2023 [medida de acolhimento residencial prevista no artigo 35º, nº 1, alínea f) da LPCJP], proferida no âmbito de processo de promoção e protecção nº 141/23.... – Juiz ... -, a correr os seus termos no Tribunal de Família e Menores ....

    5. No processo referido em f. consta também um pedido de entrega das crianças CC e DD, apresentado perante a Autoridade Central Portuguesa pela Autoridade Central Neerlandesa, ao abrigo da Convenção da Haia de 1980, de 25 de Outubro, tendo tal foro proferido decisão, com data de 17/2/2023, na qual declarou ilícita a deslocação e retenção em Portugal das crianças CC e DD nascidos, respetivamente, em .../.../2012 e .../.../2013, nos Países Baixos, e filhos de AA e de FF, e ordenou o seu regresso imediato aos Países Baixos (Estado da sua residência habitual); e, consequentemente, ordenou a imediata entrega das referidas crianças ao seu progenitor FF, de forma a assegurar tal regresso, de imediato, declarando imediatamente exequível a presente decisão, independentemente de eventual recurso (conforme decisão junta aos autos, cujo teor é aqui dado por inteiramente reproduzido).

    6. Ambos os progenitores têm visitado os filhos na CAR, os quais reagem bem às duas visitas (o pai das crianças encontra-se hospedado num Hotel na cidade das ...).

    7. O projecto de vida da requerida passa pela fixação com os filhos e companheiro em Portugal, onde têm positivas condições habitacionais.

    8. Dou aqui por inteiramente reproduzido o teor da sentença decretada na Países Baixos relativamente ao divórcio da requerida … k. Dou aqui por inteiramente reproduzido o teor da documentação de fls 173 e 175 a 177.

    9. Os filhos da requerida já se encontram na Holanda com o pai, na sequência da decisão mencionada em g.

    10. A requerida e o seu actual companheiro iniciaram o seu relacionamento amoroso em 2019.

  7. Tendo em conta estes factos, vejamos se é de deferir ou não a entrega da pessoa procurada.

    O mandado de detenção europeu é um instrumento de cooperação judiciária entre autoridades judiciárias dos Estados membros da UE que visa a detenção e entrega por um Estado membro de uma pessoa procurada por outro Estado membro, que emite o mandado, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade (artº 1º da Lei nº 65/2003 de 23/8).

    Trata-se de um procedimento em que a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros sem qualquer intervenção do poder executivo e que é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo que, por sua vez, assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados membros da UE, em conformidade com o disposto naquela Lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13/06) – destina-se, enfim, a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, suprimindo o recurso à extradição.

    A...

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