Acórdão nº 35/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 35/2023

Processo n.º 926/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho do Vice-Presidente daquele Tribunal, de 12 de setembro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 711/2022 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, interpretada no sentido de que que «é inadmissível o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que agrave as penas parcelares e, por isso, também a pena única aplicadas em primeira instância, embora sem exceder cinco anos de prisão, revogando também a suspensão da execução da pena decretada em primeira instância».

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

5. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, interpretado no sentido de que «é inadmissível o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida pela Relação que aplica pena de prisão inferior a 5 anos, revogando a suspensão da pena e agravando as penas parcelares e a pena única, quando em 1.ª instância a decisão foi de suspender a pena única e de aplicar pena inferior, quer pena única, quer as penas parcelares».

De acordo com a formulação do recorrente, a decisão proferida em recurso pelo Tribunal da Relação afastou-se da decisão condenatória de 1.ª instância em três aspetos: (i) agravou as penas parcelares aplicadas a cada um dos dois crimes pelos quais o arguido foi condenado; (ii) agravou a pena única conjunta; e (iii) decretou o cumprimento efetivo da pena aplicada. Se abstrairmos do caso dos autos, a leitura deste enunciado opera uma conjunção destes três componentes decisórios, que surgem como independentes entre si, ou seja, correspondem a três núcleos em que cada um dos respetivos conteúdos pode ser determinado sem necessariamente ter de tomar em consideração os demais.

Porém, tal não ocorre no caso sub judice, pelo menos no que respeita aos elementos descritos em i. e ii. Como decorre do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, uma vez modificadas as penas parcelares relevantes para o concurso de crimes, a moldura abstrata em que a pena única haja de ser encontrada passa a ser diferente. Com efeito, tendo em conta as penas parcelares então aplicadas, o Tribunal de 1.ª instância considerou uma moldura penal do concurso balizada por um mínimo de três anos prisão e um máximo de três anos e quatro meses prisão, tendo sido nela que fez operar os critérios de graduação da pena única, cujo quantum fixou em três anos e dois meses de prisão, isto é, no exacto ponto intermédio dessa moldura. Já o Tribunal da Relação, por via do agravamento das penas parcelares, confrontou-se então com uma moldura penal do concurso com um mínimo de três anos e seis meses de prisão e um máximo de quatro anos e dois meses prisão, tendo sido nesse intervalo que veio a determinar o quantum da pena única em três anos e dez meses de prisão. Pena essa que, como se vê, corresponde também ela ao exacto ponto intermédio dessa moldura.

Assim, para o Tribunal da Relação, a decisão de aumentar o quantum da pena única conjunta não surge como resultado de uma valoração autónoma sobre o acerto do quantum fixado pela 1.ª instância, que poderia, porventura, ser adotada independentemente do que se considerasse sobre o acerto das penas parcelares então aplicadas, mas sim como consequência dessa decisão e do alargamento da moldura penal a considerar que ela implicou. Daí que a pena única conjunta aplicada pelo Tribunal da Relação corresponda a uma transposição, com estrita equivalência para a nova moldura de concurso a considerar, da gravidade relativa da pena única aplicada pela 1.ª instância.

Ora, por forma a fazer refletir na norma objeto do recurso este aspeto, cabe reformulá-la nos seguintes termos: norma do 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, interpretado no sentido de que «é inadmissível o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que agrave as penas parcelares e, por isso, também a pena única aplicadas em primeira instância, embora sem exceder cinco anos de prisão, revogando também a suspensão da execução da pena decretada em primeira instância».

6. A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no quadro de uma vasta reforma do Código de Processo Penal, deu nova redação à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, que passou então a ter o seguinte teor: «[n]ão é admissível recurso: (…) [d]e acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade». O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 324/2013, tirado em Plenário, veio a julgar «inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade».

Fê-lo, todavia, exclusivamente com fundamento na violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição), por entender que o inciso «que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos», quando o tribunal de 1.ª instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, ultrapassa manifestamente o sentido possível da letra da lei, nomeadamente da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, situando-se fora do âmbito da interpretação desse preceito − e consubstanciando, por essa razão, uma decisão por analogia, em matéria em que tal é constitucionalmente inadmissível.

Desta forma, o juízo de inconstitucionalidade ficou restrito à redação dada à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na medida em que a posterior Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio conferir nova redação a esse preceito, prevendo agora precisamente a irrecorribilidade dos acórdãos das Relações que, em recurso, venham a aplicar pena de prisão não superior a cinco anos.

Este Tribunal, através do Acórdão n.º 595/2018, tirado em Plenário − e na sequência de anterior decisão do mesmo Plenário vertida no Acórdão n.º 429/2016 −, veio a declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da «norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição». Foi nessa sequência que a Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, deu a redação atual à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

7. A alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na medida em que estatui a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, em recurso, aplique pena de prisão não superior a 5 anos, quando a primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade – e que corresponde, grosso modo, àquela que constitui objeto do presente recurso –, quando apreciada na perspetiva da sua conformidade constitucional no confronto com as garantias de defesa em processo penal e o direito ao recurso, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, tem vindo a ser objeto vários recursos para o Tribunal Constitucional, que originaram vários juízos de não inconstitucionalidade.

Escreveu-se, por exemplo, no Acórdão n.º 324/2013:

«A norma que tem sido aplicada, como razão de decidir, no sentido de que é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, em recurso de decisão de primeira instância que tenha aplicado pena não privativa da liberdade, já foi apreciada por este Tribunal, que a não julgou inconstitucional face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP (Acórdãos n.ºs 424/2009, 419/2010 e 589/2011, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). O julgamento de não inconstitucionalidade funda-se no entendimento de que o acórdão da Relação consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa, entroncando os fundamentos do direito ao recurso verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. Ou seja, o direito ao recurso constitucionalmente consagrado satisfaz-se, atento o seu âmbito de proteção, com a garantia de um duplo grau de jurisdição.

Com efeito, este Tribunal tem vindo a entender, de forma reiterada, que não é constitucionalmente imposto o duplo grau de recurso em processo penal, sustentando-se que “mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição”, existindo, consequentemente, “alguma liberdade de conformação do legislador...

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