Acórdão nº 75/18.6GTSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | FERNANDO PINA |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 75/18.6GTSTR, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Benavente – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida: - N… nascida em 09-12-1956, … Imputando-lhe a prática, como autora material, de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, em concurso aparente com a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 13º, nº 1, 134º, 146º, alínea o) e 147º, nº 1 e nº 2, do Código da Estrada.
Foi deduzido pedido de indemnização civil pelos herdeiros da vítima M… contra a seguradora S….
A seguradora S…, apresentou contestação ao pedido de indemnização civil.
Na primeira sessão da audiência de julgamento e antes do seu início, foi lavrado um acordo quanto ao pedido de indemnização civil, entre os demandantes e a demandada, que foi logo homologado por sentença, com a consequente extinção da instância cível.
A arguida apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu: - Condenar a arguida N…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, em concurso aparente com a contra-ordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 13º, nº 1, 134º, 146º, alínea o) e 147º, nº 1 e nº 2, do Código da Estrada, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de €100,00, o que perfaz o montante global da pena de multa de €28.000,00.
- Condenar a arguida N… na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 2 anos (cfr. artigo 69º, nº 1, alínea a) Código Penal).
(…).
Inconformada com esta sentença condenatória, a arguida N… da mesma interpôs recurso, não extraindo da respectiva motivação quaisquer conclusões, mas culminando nos seguintes termos (transcrição): Entende assim a arguida/recorrente, que a Douta Sentença violou o disposto nos seguintes artigos: - Art. 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa; - Alínea d), do nº 2, do art. 120º, do Código de Processo Penal; - Artigos 40º, 47º, 71º e 69º do Código Penal.
Termos em que requer V. Exªs se dignem revogar a Douta Sentença recorrida, com as legais consequências, mormente redução do “quantum” da pena de multa aplicada e da sanção acessória, nos termos e pelos fundamentos expostos.
Assim se respeitará a Lei e o Direito e fará a costumada e serena Justiça.
Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, apresentando as seguintes transcritas conclusões: 1. Tendo sido a sentença recorrida depositada em 13-07-2021, data em que da mesma a arguida foi notificada, é intempestiva a interposição de recurso que data de 02-10-2021, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 411º, nº 1, alíneas a) e b), 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal e artigo 139º do Código de Processo Civil nos respectivos nºs 5 e 6, aplicável ao processo penal ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal, sendo a data limite para a sua apresentação o dia 01-10-2021.
Ainda assim, e sem prescindir: 2. A arguida não apresentou no recurso por si interposto conclusões delimitativas do respectivo objecto, pelo que não observou, igualmente, o disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal; Sem prescindir, quanto às demais questões suscitadas pela recorrente: 3. Quanto à impugnação da matéria de facto, cremos que a convicção do Tribunal recorrido foi a mais correcta e a única aceitável, especialmente se tivermos em conta a fundamentação aduzida na sentença recorrida para a formação de tal convicção e para recusar credibilidade à versão da arguida, sendo que todos os elementos de prova foram ponderados e conjugados com as regras da lógica e da experiência, razão pela qual não poderá proceder o recurso em apreço, não restando dúvidas sobre a prova segura e inequívoca dos factos imputados à recorrente.
-
No que se refere à nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal, não obstante, discordar o Ministério Público relativamente à essencialidade e necessidade da realização de perícia aos veículos intervenientes no acidente para a demonstração da factualidade dada como provada, certo é que nos termos do disposto no artigo 120º, nº 3, alínea c) do Código de Processo Penal, é intempestiva a arguição de tal nulidade; 5. Também quanto à fixação do quantum da pena de multa e respectiva taxa diária e pena acessória em que a arguida foi condenada, andou bem o Tribunal, que teve em consideração as elevadas exigências de prevenção geral, a ilicitude e a culpa e, bem assim, as condições sócio-económicas do agregado familiar da arguida pelo que, também nesta parte, nada há a assacar à decisão recorrida.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, deverá negar-se provimento ao recurso e manter-se a douta sentença proferida nestes autos nos seus precisos termos, fazendo-se, assim, a habitual Justiça.
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a arguida apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B - Na sentença recorrida consta o seguinte (transcrição): Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: 1. No dia 06 de novembro de 2018, cerca das 15:40 horas, a arguida N… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula …, da marca Opel, modelo Monacab B, deslocando-se no sentido Alcochete/Infantado.
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Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, mas em sentido oposto, M… dirigia o veículo ligeiro de mercadorias, com matrícula …, da marca Fiat, modelo Punto, ostentando, contudo, a matrícula ….
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A arguida circulava a uma velocidade de 80 km/hora.
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Por conduzir desatenta, junto ao Km 13,620, a arguida invadiu a via em sentido contrário, onde circulava o veículo conduzido por M…, embatendo frontalmente no mesmo, 5. Em resultado do embate, sofreu M… lesões traumáticas crânio encefálicas, descritas do relatório de autópsia de fls. 106-108, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que constituíram causa adequada e necessária da sua morte.
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A via onde ocorreu a colisão tinha uma largura de 5,64 metros, encontrando-se dividida em duas faixas de rodagem (com sentidos de trânsito opostos), com 2,82 metros cada, separadas por uma linha longitudinal contínua, assinalada sobre o pavimento.
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No local do embate, a faixa de rodagem caracteriza-se por ser uma recta sem inclinação, numa zona rural, com ampla visibilidade em largura e extensão, sem obstruções visuais.
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A sinalização no local apresentava-se em bom estado de conservação e colocada de forma regulamentar.
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O pavimento da estrada no local do acidente encontrava-se em razoável estado de conservação, apresentando-se seco e limpo.
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O estado do tempo era bom e era de dia.
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A velocidade máxima permitida no local para veículos ligeiros de passageiros é de 90 Km/hora e de 80km/hora para veículos ligeiros de mercadorias.
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A arguida não adotou as adequadas cautelas que o dever geral de prudência determina e que, nas circunstâncias concretas supra descritas, devia e podia ter adotado, por ter condições físicas e psicológicas para o fazer, conduzindo o seu veículo automóvel sem prestar atenção à faixa de rodagem.
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A arguida ao invadir a via de transito contrária, onde circulava M…, revelou falta de cuidado e desrespeito pelas regras de circulação rodoviária, nomeadamente a proibição de transpor a linha longitudinal contínua aposta sobre o pavimento.
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Com a sua atuação descuidada, a arguida deu causa ao acidente e às lesões traumáticas que se verificaram e que foram causa necessária da morte de M….
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Não previu como podia e devia que com a sua conduta podia provocar um acidente com as consequências supra descritas.
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Atuou confiando em que não se produziriam.
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Mais sabia a arguida que não poda transpor a linha longitudinal contínua, não obstante transpôs a mesma, violando as mais elementares regras de prudência e de cuidado, que era capaz de adotar e que devia ter adotado para evitar um resultado que não previu mas devia prever, dando assim causa à colisão dos veículos supra e às lesões verificadas, as quais foram causa direta e necessária da morte de M…, como veio a ocorrer.
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A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei penal e contra-ordenacional.
Das condições sócio-económicas e antecedentes criminais da arguida: 19. A arguida era bancária da CGD e encontra-se aposentada desde 2002. Recebe a pensão de cerca de €1.000,00. Atualmente reside sozinha com o marido, que também está reformado há cerca de 4 anos. O marido trabalhava em plataformas petrolíferas e recebeu de pensão de reforma a totalidade de 2 milhões e quinhentos mil dólares. Residem em casa própria pela qual pagam empréstimo bancário. A arguida tem o 7º ano de escolaridade, que atualmente equivale ao 11º ano. A arguida é vista pelos seus familiares como pessoa amiga e solidária.
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A arguida não tem antecedentes criminais.
Factos não provados: Com interesse para a decisão não ficaram por provar quaisquer factos.
Motivação: A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada no que respeita à acusação, resultou da conjugação dialética dos dados objectivos fornecidos pelos...
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