Acórdão nº 33/16.5GTBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o arguido JJ foi pronunciado, como autor material, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, alínea a), e 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP), de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, alínea a), e 291.º, n.º 1, alínea a), do CP (em concurso aparente com uma contra-ordenação grave, p. e p. pelos arts. 81.º, n.ºs1 e 5, alínea a), 138.º, 145.º, n.º 1, alínea l), e 147.º do Código da Estrada (CE) e uma contra-ordenação grave, p. e p. pelos arts. 55.º, n.º 1, 138.º, 145.º, n.º 1, alínea p), e 147.º do CE, por referência ao art. 8.º da Portaria n.º 311-A/2005, de 24.03.

MM deduziu pedido de indemnização civil contra LS, S.A., Fundo de Garantia Automóvel, o arguido JJ e o proprietário registado do veículo sinistrado, PP, pedindo a condenação solidária no pagamento de importância superior a € 100.000,00 (cem mil euros) pelos danos morais decorrentes da perda da sua filha, € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) correspondente ao dano morte, quantia superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) pelos danos não patrimoniais relativos ao sofrimento causado pelos ferimentos, tratamentos e sequelas infligidas à demandante. Alegou para o efeito a dor e sofrimento da menina falecida até ao momento da sua morte, as consequências emocionais da mesma na sua própria pessoa e o sofrimento físico que passou em decorrência das lesões que ela própria sofreu no acidente de viação.

A demandada LS, S.A. contestou esse pedido de indemnização civil contra si deduzido, pedindo a sua absolvição e o não reconhecimento de qualquer direito a indemnização por banda da demandante, alegando, em síntese, a não existência de contrato de seguro válido e eficaz, o que era do conhecimento da demandante, impugnando, nos termos legais e/ou por desconhecimento, a factualidade invocada pela mesma, bem como o valor excessivo do pedido.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou o mesmo pedido de indemnização civil contra si deduzido, excepcionando a ilegitimidade activa, a ilegitimidade passiva porque não foi demandado o proprietário do veículo PP, impugnando os factos alegados nos termos legais e/ou por desconhecimento e invocando o valor excessivo do pedido.

Quanto às invocadas excepções, a demandante respondeu com o entendimento de não se estar perante litisconsórcio necessário e requerendo a intervenção de PP, na qualidade de demandado.

Por despacho, decidiu-se pelo indeferimento da invocada ilegitimidade activa e deferiu-se o chamamento de PP, na qualidade de demandado civil.

Notificado, PP nada disse ou requereu.

O arguido, regularmente notificado, não contestou, nem arrolou testemunhas.

Em audiência de julgamento, foi comunicada uma alteração não substancial dos factos, nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), tendo sido requerido prazo para defesa pelo arguido, o que lhe foi concedido.

No decurso do mesmo, veio o arguido requerer a realização de perícia ao veículo sinistrado.

Sobre tal requerimento recaiu despacho, proferido em 23.05.2018, indeferindo a requerida perícia nos termos e com os fundamentos ali descritos.

Ainda, em audiência de julgamento, na sessão de 16.03.2018, no atinente à testemunha arrolada pelo Ministério Público e, também, demandante, no pedido de indemnização civil, MM, ficou a constar da acta, de fls. 555 verso/556: Advertida nos termos do art.º 134º, n.º 1 al b) do CPP, a testemunha/demandante exerceu o direito, (devidamente aconselhada pela sua ilustre mandatária presente), de não prestar declarações quanto à matéria penal em causa, por ter sido companheira do ora arguido.

Neste momento, e por acordo entre os mandatários presentes, ficou acordado inquirir a demandante quanto à matéria civil (art.º 74º, n.º 2 do CPP), por forma a evitar o seu regresso à sala posteriormente para tal.

No que diz respeito ao pedido de indemnização civil, pelo ilustre mandatário da demandada Seguradora LS foi indicada a matéria de facto sobre que deseja que incidisse o depoimento de parte, nos termos do disposto no art.º 79, n.º 1 do CPP e no art.º 452.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no art.º 4.º do CPP.

Foi advertida do dever de falar com a verdade e da responsabilidade penal pela sua violação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 145.º, n.º 2 do CPP e o seu depoimento foi gravado (…).

(…) Neste momento, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte Despacho Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 463.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi o disposto no art.º 4.º do CPP, consigna-se que: Inquirida a demandante, D.ª MM, a mesma confessou ter conhecimento da comunicação remetida pela LS SA, a 16/01/2016 e que refere a data em que o contrato de seguro cessaria os efeitos a 08/03/2016, por resolução, caso não fosse pago o prémio de seguro, mais acrescentando ter conhecimento que à data do acidente o veículo em que se deslocavam, não tinha seguro válido, sendo tal facto também do conhecimento do condutor do mesmo, o aqui arguido, JJ.

Após, pedida a palavra pelo mandatário do arguido e tendo-lhe sido concedida, manifestou desde logo interpor recurso.

Proferida sentença, decidiu-se: Da Instância Criminal: - julgar a acusação pública parcialmente procedente por provada e, em consequência: - condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 2, do CP, em concurso aparente com a contra-ordenação grave p. e p. pelos arts. 55.º, n.º 1, 138.º, 145.º, n.º 1, alínea p), e 147.º da CE, por referência ao art. 8.º da Portaria n.º 311-A/2005, de 24.03, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na execução pelo período de 3 (três) anos, subordinada a regime de prova; - condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CP, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos); - condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 2, do CP, na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 12 (doze) meses; - condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CP, na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 8 meses; - operando o cúmulo jurídico das penas acessórias, na pena acessória única de 15 (quinze) meses de inibição de conduzir veículos a motor; Da Instância Civil: - julgar o pedido de indemnização civil totalmente improcedente e, em consequência: - declarar excluído o direito à indemnização pedida pela demandante civil MM, nos termos do disposto no art. 570.º, n.º 1 do Código Civil (CC); - absolver do pedido cível os demandados LS, S.A., Fundo de Garantia Automóvel, JJ e PP.

Veio, então, o arguido apresentar recurso sobre o depoimento da demandante, formulando as conclusões: 1º A demandada vivia em união de facto com o arguido à data dos factos e recusou prestar depoimento com base em tal circunstância.

  1. Todavia, foi forçada a prestar depoimento de parte nos termos requeridos pela demandada sociedade comercial, assim se extraindo uma “confissão”.

  2. No processo penal, é inaplicável o regime do depoimento de parte previsto no código de processo civil, pois não existe nenhuma lacuna para integrar.

  3. Aliás, o próprio código de processo civil também prevê a recusa de prestar depoimento na situação em causa.

  4. Norma jurídica que foi erradamente aplicada: artigo 452º do código de processo civil.

  5. Normas jurídicas que deveriam ter sido aplicadas: alínea b) do nº 1 do artigo 134º e do nº 3 do artigo 145º do CPP.

  6. Normas jurídicas violadas Do código de processo penal artigo 4º alínea b) do nº 1 do artigo 134º nº 3 do artigo 145º Do código de processo civil artigo 452º artigo 497º da convenção europeia dos direitos humanos artigo 6º da constituição nºs 1, 7 e 8 do artigo 32º nºs 1 e 2 do artigo 202º.

  7. Se interpretadas no sentido de que a parte civil que legitimamente se recusa a prestar depoimento pode ser obrigada a prestar depoimento de parte, sendo tal depoimento válido como meio de prova, as normas constantes da alínea b) do nº 1 do artigo 134º e do nº 3 do artigo 145º do CPP e do artigo 452º do código de processo civil são inconstitucionais, por violação dos nºs 1, 7 e 8 do artigo 32º e dos nºs 1 e 2 do artigo 202º da lei fundamental.

    Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada, sendo declarado nulo o “depoimento de parte” da demandada.

    E inconformado com a decisão final, o arguido interpôs, também, recurso da sentença, extraindo as conclusões: 1º O tribunal deu como provado que o arguido circulava acima do limite de velocidade permitido para o local, sem que haja prova pericial nesse sentido.

  8. Em processo penal, é inadmissível a confissão por depoimento de parte, sendo impossível valorar o testemunho de quem legitimamente se recusa a depor.

  9. O tribunal aplicou regras morais, sem sequer dizer quais são.

  10. O tribunal considerou que a passageira adulta foi co-responsável pelo acidente e, ainda assim, condenou o arguido pelo crime de homicídio por negligência.

  11. Verifica-se concurso aparente entre o crime de condução perigosa e o crime de homicídio por negligência.

  12. A sentença não procede a correta fixação das penas.

  13. O tribunal deu erradamente como provado o seguinte: “1.30 O arguido, à data, hora e local dos factos, circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior ao limite de velocidade permitido para o local […] 1.32 O arguido tinha conhecimento que o...

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