Acórdão nº 78/17.8PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS JORGE BERGUETE
Data da Resolução22 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, na sequência de acusação do Ministério Público, o arguido JJ foi pronunciado pela prática, em concurso efectivo, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP), ex vi art. 158.º, n.º 3, do Código da Estrada (CE), e 69.º, n.º 1, alínea c), do CP e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, alínea b), do CP.

O arguido apresentou contestação, alegando a incapacidade em realizar o teste pelo método de ar expirado, bem como a disponibilidade em realizar análise de sangue e, ainda, não se ter recusado a entregar a carta de condução.

Mais requereu que se procedesse a exame à rúbrica constante do documento de fls. 7 (notificação efectuada pela PSP aquando da fiscalização em 19.01.2017), aposta por baixo da expressão “O Notificado”, o que veio a ser indeferido, por despacho do seguinte teor: «Veio, ainda, o arguido requerer a realização de perícia, com vista a averiguar se o arguido apôs a sua rúbrica no documento de fls. 7, "com particular relevo para a parte em que refere que o arguido renunciou ao direito de contraprova (fls. 106-vº).

O arguido mostra-se incurso da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal ("ex vi" artigo 158.º, n.º 3 do Código da Estrada) e 69.º, n.º 1, alínea c), também do Código Penal, e de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

O aludido documento de fls. 7, datado de fls. 19.01.2017, foi elaborado pela PSP.

Por referência àquela data, é imputado ao arguido que este exercia a condução de veículo automóvel, que foi sujeito a ação de fiscalização rodoviária pela PSP, que lhe foi dada ordem para realizar teste em aparelho qualitativo para deteção e presença de álcool no sangue através do ar expirado, que o arguido recusou a efetuar tal teste (e de forma correta), advertido que incorria na prática do crime de desobediência, o arguido manteve a mesma conduta.

Mostrando-se o arguido pronunciado por ter desobedecido à ordem de realizar o aludido teste, não haveria que ser realizada qualquer contraprova, por nenhuma prova ter sido efetuada.

Deste modo, sendo irrelevante para o preenchimento do aludido tipo de ilícito aquela factualidade, a perícia com o objeto proposto pelo arguido não só se reveste como impertinente, como de natureza manifestamente dilatória.

Pelo exposto, a mesma é indeferida ao abrigo do disposto no artigo 476º, nº 1 do Código de Processo Civil ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal e artigos 154º e 340º, nº 4, als. b) e d) do Código de Processo Penal.».

Realizado julgamento e proferida sentença, decidiu-se: - julgar a pronúncia procedente e, em consequência: - condenar o arguido: - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a), do CP, aplicável ex vi do art. 152.º, n.º 3 do CE, e 69.º, n.º 1, alínea c), do CP, ocorrido em 19.01.2017, na pena de 6 (seis) meses; - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, alínea b), do CP, ocorrido em 21.10.2016, na pena de 6 (seis) meses; - em cúmulo jurídico das penas aplicadas, na pena única de 10 (dez) meses de prisão suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano, condicionada à entrega da quantia de € 2000 (dois mil euros) aos Bombeiros Voluntários de Palmela, a efectuar em quatro prestações iguais, de € 500 (quinhentos euros) cada uma, de 3 (três) em 3 (três) meses, a contar do trânsito da sentença; - na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias, prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea c), do CP, pelo período de 1 (um) ano.

Inconformado com o referido despacho, bem como com a aludida sentença, o arguido interpôs recursos, formulando, respectivamente, as conclusões: - recurso do despacho: 1ª Não tendo sido - como não foi - detetado que o recorrente conduzia o seu veículo automóvel sob a influência do álcool, apenas a recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas constituiria, nos termos da alínea c) do nº 1 do art.º 69º do Código Penal, fundamento para a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.

Ora, 2ª Além de a acusação descrever, com suficiente pormenor, a forma como decorreu o exame por ar expirado - o que, só por si, revela não ter havido recusa por parte do arguido - parece, por outro lado, despiciendo salientar o interesse do arguido em impugnar, por falsificação de assinatura, o documento de imputada a afirmação de que ele próprio se teria recusado submeter-se aos exames.

Por outro lado, 3ª Pretendendo o arguido demonstrar no Julgamento que sempre insistiu, dadas as circunstâncias, pelo exame ao sangue, é evidente que não poderia - nem pode - deixar sem impugnação um documento cuja assinatura lhe é imputada em que teria declarado exactamente o contrário, isto é, que renunciava a esse exame.

O douto despacho recorrido violou, pelo menos, as seguintes disposições legais: - Alínea c) do nº 1 do art.º 69 do Código Penal - Art. 374 do CC - nº 1 do artigo 32 da Constituição da República Portuguesa, directamente aplicável por força do nº 1 do art.º 18º da mesma CRP.

- recurso da sentença: 1 - Relativamente ao crime de desobediência consubstanciado nos acontecimentos de 19 de Janeiro de 2017, a douta sentença recorrida ignorou o disposto no nº 1 do artº 4º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, nos termos do qual o condutor deve ser submetido a análise ao sangue quando por 3 vezes consecutivas não conseguir expirar ar em quantidade suficiente para accionar o aparelho de teste.

2 - Dispositivo normativo que se aplica, por identidade de razão, tanto ao analisador qualitativo, como ao quantitativo De qualquer forma, 3 - Ainda que se justificasse - e não justifica - a condenação, nunca a desobediência assumiria a forma de recusa de realização de exames - o texto da própria acusação desmente esta hipótese - que é, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 69 do CP, o único pressuposto de aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.

4 - Relativamente à desobediência concernente à não entrega atempada da carta na sequência da condenação no processo 83/16, supra referido, afigura-se que a mesma não tem justificação porque: - No prazo de entrega foi alegado extravio da carta, - Reencontrada a carta foi requerido que a entrega aguardasse o cúmulo jurídico das penas acessórias de inibição aplicadas neste último processo e no processo nº 124/15, também supra referido.

Indeferido o requerimento, a carta foi entregue em 3 de Março de 2017, como consta dos autos.

Pelo que, 5 - Também esta desobediência não se verificou.

Ainda, 6 - A douta sentença recorrida ignorou a Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2018, publicado no Diário da República de 13 de Fevereiro, nos termos do qual as penas acessórias de inibição de conduzir veículos com motor estão sujeitas a cúmulo jurídico, o que a sentença de que se recorre manifestamente não fez.

7 - A douta decisão recorrida violou, pelo menos, as seguintes disposições legais: - Nº 1 do art.º 4º do RFCIA, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio; - Alínea c) do nº 1 do artº 69 do CP; - Ac. Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 2/2018 publicado no DR de 13 de Fevereiro do mesmo ano.

Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, com revogação da douta sentença recorrida.

Os recursos foram admitidos.

O Ministério Público apresentou respostas, concluindo: - quanto ao recurso do despacho: 1.O arguido JJ veio interpor recurso do despacho proferido em 03.05.2018, exarado a fls.111, que indeferiu a realização de perícia à rubrica aposta no documento de fls. 7, alegando para tanto que este documento reveste de particular importância, na medida em que dele resulta «que o arguido ter-se ia recusado a “realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado” e que teria renunciado a novo teste “através de análise sanguínea”», o que não corresponde à verdade.

2.Apesar de tal questão revestir relevância penal, porquanto foi suscitada a falsidade da rubrica aposta no doc. de fls. 7, a verdade é que a apreciação de tal questão é manifestamente irrelevante e inócua nos presentes autos.

3.É que o documento de fls. 7 apenas relevava caso o arguido tivesse concretizado o exame de ar expirado e, face ao resultado da TAS apresentada, requeresse, de imediato, a realização de contraprova, podendo fazê-lo recorrendo a novo teste de ar expirado ou através de análise sanguínea, nos termos do nº3 do art. 153º CE.

4.como muito bem referiu a Mm Juiz, o arguido mostra-se acusado da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348º nº 1 al. a), do Código Penal (“ex vi” artigo 158º, nº3, do Código da Estrada), porquanto no decurso da acção de fiscalização rodoviária a que foi sujeito, foi-lhe dada ordem para realizar teste em aparelho qualitativo para detecção e presença de álcool no sangue através do ar expirado, tendo o arguido recusou a efectuar tal teste de forma correcta, e advertido que incorria na prática do crime de desobediência com tal conduta, o mesmo persistiu na realização dessa consulta.

5.Conforme resulta da factualidade objecto dos presentes autos que, foi imputado ao arguido a prática do crime de desobediência, por o mesmo ter desobedecido à ordem de realizar o aludido teste, razão pela qual não haveria que ser realizada qualquer contraprova, por nenhuma prova ter sido efectuada (circunstância aliás que veio a ser perfeitamente esclarecida em sede de audiência de julgamento).

6.Deste modo, e concordando...

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