Acórdão nº 103/15.7GECUB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 103/15.7GECUB, da Comarca de Beja (Cuba - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1), foi acusada a arguida MV como autora material de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal.

Constituiu-se assistente nos autos P.

O assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação da arguida a pagar-lhe a quantia de 400 euros, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte: “1) Condenar a arguida MV, pela prática de um crime de injúria, p. e p. artigo 181.º/1 do Código Penal, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 7,00, perfazendo um total de € 280,00 a que correspondem, subsidiariamente, 26 dias de prisão; 2) Condenar MV, no pagamento, ao demandante P, a título de danos não patrimoniais, de uma indemnização no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% (art. 559º, nº 1, do CC e art. 1º da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), contados desde a notificação do pedido até integral pagamento (sem custas cíveis - art. 4.º, n.º 1, alínea n), do RCP).

3) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UC's (artigo 8.º/5 do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela III anexa)”.

* Inconformada com a sentença condenatória, dela interpôs recurso a arguida, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª - O presente recurso vem interposto da sentença da Instância Local de Cuba da Comarca de Beja, de 24/10/2016, que condenou a arguida.

  1. - A arguida impugna os seguintes pontos de facto, dados como provados na douta sentença: “5) Ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras de P, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que foram precisas, monte de merda; 6) Ao agir daquela forma, proferindo tais expressões em voz alta, num local público, Mercado Municipal de Alvito, onde P desenvolve atividade comercial, na presença de outras pessoas, a arguida sabia que estava a ofender a sua honra e consideração, resultado que desejou alcançar; 7) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei; 8) Como consequência da conduta da arguida, o assistente sentiu-se humilhado, enxovalhado com o que foi dito, sendo pessoa considerada no meio onde reside; 9) O assistente ficou muito nervoso”.

  2. - As provas, que impõem uma decisão diferente, são as seguintes: a) As declarações prestadas, pelo denunciante P, no auto de denúncia: “a denunciada (…) profere tais palavras para o seu marido “se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda; “o ofendido após estas palavras responde “para ter cuidado com aquilo que diz” e a mesma de seguida repete o insulto, dizendo que ele é um “monte de merda”; “o ofendido de imediato desloca-se a este Posto da GNR para apresentar a devida queixa, pois estava bastante revoltado…”.

    1. As declarações prestadas, pelo denunciante P, no inquérito: “a denunciada … respondeu ao seu marido dizendo “… se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda … “, o depoente ao ouvir tais palavras ficou bastante indignado com a denunciante, o qual lhe disse “ … tenha cuidado com o que diz … “ por sua vez a denunciante repetiu as mesmas palavras “ se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”.

    2. O significado e o valor de uso, na língua portuguesa, da palavra “merda” ou “monte de merda”, significa, quando referida a uma pessoa, “indivíduo sem préstimo, sem merecimento “ conforme se pode verificar, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, Volume VII, Sociedade de Língua Portuguesa, página 178.

  3. - As declarações que o denunciante P prestou, no inquérito, são mais favoráveis à arguida e divergem das declarações que o mesmo prestou, na audiência; pelo que devem aquelas declarações ser consideradas para descredibilizar as declarações que o denunciante prestou em audiência, por aplicação direta dos artigos 20.º n.º 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  4. - O artigo 355.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que as declarações que o denunciante P prestou, no inquérito, mais favoráveis à arguida e divergentes com as que presta na audiência, se não forem lidas em audiência, não podem ser usadas para descredibilizar as declarações que o mesmo denunciante prestou, em audiência, é materialmente inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  5. - O artigo 355.º do Código de Processo Penal, com fundamento na referida inconstitucionalidade material, deve ser desaplicado e as declarações que o denunciante Paulo Santos prestou, no inquérito, devem ser consideradas para descredibilizar as declarações que prestou o mesmo em audiência, porque aquelas são mais favoráveis à arguida e divergem das que prestou na audiência de julgamento.

  6. - A decisão sobre a matéria de facto impugnada, em sede de recurso, deve ser a seguinte: 5.º FACTO “5) Ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras de P, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que foram precisas, monte de merda”; Este facto deve ser considerado como não provado face às declarações que o denunciante prestou no auto de denúncia: “monte de merda” e no inquérito “se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”, que o vinculam.

    1. FACTO “6) Ao agir daquela forma, proferindo tais expressões em voz alta, num local público, Mercado Municipal de Alvito, onde P desenvolve atividade comercial, na presença de outras pessoas, a arguida sabia que estava a ofender a sua honra e consideração, resultado que desejou alcançar; Este facto deve ser dado como não provado, porque a arguida crê que a expressão “monte de merda”, significando “individuo sem préstimo, sem merecimento”, não é ofensiva da honra e da consideração do denunciante.

    2. FACTO “7) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei”; Este facto deve ser dado como não provado, porque a arguida estava e está convencida que não ofendeu a honra e a consideração do denunciante P, face ao que a expressão “monte de merda” significa em língua portuguesa “individuo sem préstimo, sem merecimento”.

    3. FACTO “8) Como consequência da conduta da arguida, o assistente sentiu-se humilhado, enxovalhado com o que foi dito, sendo pessoa considerada no meio onde reside”; Este facto deve ser dado como não provado, como base nas declarações que o denunciante fez no auto de denúncia, onde diz que ficou revoltado.

    4. FACTO “9) O assistente ficou muito nervoso”; Este facto deve ser dado como não provado, porque foi o próprio denunciante que disse que ficou “revoltado” (auto de denúncia), que não significa nervoso.

  7. - O direito do denunciante P se constituir assistente extinguiu-se em 21/09/2015, porque foi notificado em 10/09/2015 e o prazo não se interrompeu.

  8. - O requerimento foi apresentado, em 30/09/2015, pelo denunciante P, quando o direito já estava extinto e não renasce.

  9. - Não foi dada, à arguida, a oportunidade de se opor à constituição de assistente, motivo pelo qual a situação jurídica do P não se consolidou.

  10. - O direito do denunciante P se constituir assistente ficou extinto em 21/09/2015, e todos os atos praticados, ulteriormente - designadamente, o inquérito, a acusação e a sentença -, são nulos, nos termos dos artigos 48.º, 50.º, n.º 1, e 119.º, b), do Código de Processo Penal.

  11. - Trata-se duma nulidade insanável, que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos dos artigos 48.º, 50.º, n.º 1, e 119.º, b), do Código de Processo Penal; nulidade insanável esta que se argui para os devidos efeitos.

  12. - O artigo 24.º, n.º 4, o artigo 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, e a Portaria n.º 11/2008 têm que ser interpretados, em articulação, no sentido de que só a junção duma cópia do formulário aprovado pela Portaria n.º 11/2008, com o carimbo de entrada na Segurança Social, onde se pede a nomeação de patrono, interrompe o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

  13. - Esta interpretação é imposta pelos elementos literal e sistemático da interpretação das leis - artigo 9.º do Código Civil -; sendo claro que a letra da lei não permite outra interpretação.

  14. - O “recibo de entrega de documentos”, junto a folhas 8, não é a cópia do requerimento cujo modelo foi aprovado pela Portaria n.º 11/2008, de 3/1.

  15. - Os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, interpretados no sentido de que basta a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social para interromper o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da determinabilidade das leis ínsito no princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, visto que tal sentido não é suportável pela letra nem pelo espírito dos enunciados daqueles artigos.

  16. - Por outro lado, estamos perante a criação duma norma jurídica que não é legitimada pelo artigo 165.º, n.º 1, c), da Constituição da República Portuguesa.

  17. - Os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, interpretados no sentido de que a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social interrompe o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de...

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