Acórdão nº 404/05.2GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

“1ª – Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da douta Sentença de fls., que absolveu o arguido I……………, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelos artigos 14°, no 1,26°,69°, nos. 1, alínea a) e 2 e 292°, nº 1, do Código Penal; 2ª – Ao facultar ao examinando a possibilidade de o mesmo requerer a realização de contraprova, quis o Legislador conferir-lhe o direito de impugnar o primeiro teste, ou seja, de verificar a veracidade do teste quantitativo, apenas pela positiva ou pela negativa, nunca servindo para determinar o quantitativo da taxa de álcool no sangue, dado que a contraprova não é a mesma coisa do que prova do contrário ou de factos diferentes; 3ª – Razão pela qual o Tribunal a quo deveria ter atendido ao resultado da prova efectuada pejas 2.42 horas do dia 14/09/2005, no valor de 1,27 g/I. e não ao teor do resultado da contraprova; 4ª – Ao ter decidido de forma diversa violou a douta Sentença a quo o disposto no artigo 153°, nº 3, alínea a), do Código da Estrada, o disposto nos artigos 1°, nº 1 e 2º, nº 1, ambos do Decreto Regulamentar no 24/98, de 30 de Outubro e 346°, do Código Civil; – Pelo que a douta Sentença a quo deverá ser substituída por outra que considere provado que o arguido I……………….., quando submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho “Seres “, modelo “679 T”, no de série “2395”, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,27 g/l.; 6ª – “OS tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”; 7ª – Pelo que não deve obedecer a uma instrução veiculada pelo Exmo. Sr. Director Geral da Direcção Geral de Viação, instrução essa veiculada pela Circular no 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura; 8ª – As competências e observância das regras legais e técnicas na aprovação dos Alcoolímetros estão definidas na Lei e são pertença do Instituto Português da Qualidade; 9ª – As competências de aprovação no uso de tais instrumentos de fiscalização do trânsito são pertença da Direcção-Geral de Viação; 10ª – Razão pela qual não podia a Mma. Juiz a quo ---- sem ter dado possibilidade do contraditório ao Ministério Público ---- deduzir, novamente, a margem de erro legalmente admissível, à taxa de álcool apresentada pelo arguido; 11ª – Não só porque tal possibilidade lhe estava legalmente vedada, mas também porque “o aparelho em causa nesta actuação (marca Seres modelo 679 T, com o nº de série 2395) foi submetido ao controlo metrológico do IPQ em 2005-09-14, através do qual os erros máximos admissíveis estabelecidos na regulamentação em vigor são objecto de verificação, como se comprova do Relatório de Ensaio”; 12ª – Pelo que ao assim ter decidido, violou a douta Sentença a quo o disposto no artigo 203°, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 1º, nº 2, 6°, nº 2 e 8°, nº 1, alíneas a) e b), todos do D.L. nº 291190, de 20 de Setembro, o Preâmbulo e os artigos 4° e 6°, alíneas a), b) e c), todos da Portaria no 748/94, de 13 de Agosto e do Despacho no 8036/2003, publicado no Diário da República de 28 de Abril de 2003, pág. 6454, na IIª Série; 13ª – Razão pela qual deverá ser substituída por outra que condene o arguido Igor Figueiredo Durão pela prática, em autoria material de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 14°, nº 1,26°,69°, nºs. 1, alínea a) e 2 e 292, nº 1, todos do Código Penal, de acordo com a gravidade e exigências cautelares de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir”.

O arguido não respondeu e nesta instância o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu diserto parecer em que: “[…] Quanto à primeira questão, cremos, e por força do disposto no artigo 153.°, 6, do Código da Estrada que o resultado da contra prova prevalece sobre o resultado inicial.

Daí que, in casu, o valor da taxa de alcoolemia a atender será o de 1,27g/l, ou seja, o valor da contraprova, como, aliás, foi entendido pelo magistrado do Ministério Público que deduziu a acusação de fls. 70/71.

Quanto à segunda questão, afigura-se-nos, assistir razão ao recorrente.

Com efeito, o artigo 203° da Constituição não deixa margem para qualquer dúvida – “Os tribunais… apenas estão sujeitos à lei”.

Ora uma circular é uma ordem de serviço ou instrução emanada de qualquer superior para os seus subalternos (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8ª ed. 1°, pág. 238) a que os tribunais, como é manifesto, não estão vinculados.

Cresce que o próprio Código da Estrada, no seu arfo 170° no 4, determina que os resultados obtidos através de aparelhos aprovados e utilizados na fiscalização de trânsito, como é o caso, fazem fé até prova em contrário, não abrindo aí margem para qualquer correcção, designadamente por via de circulares emitidas pela DGV – assim foi entendido no Acórdão desta Relação de 21.11.07, proferido no Proc. n.º 83.07.2GTV/S.C1.

Por outro lado e como se sumariou no ACRL de 03.10.07, Proc. n.º 4223/07-3 ..”Inexiste qualquer fundamento para, em momento posterior à certificação do aparelho medidor, nomeadamente na ocasião em que o agente de autoridade está a proceder a acção de fiscalização, serem considerados quaisquer valores de EMA (erros máximos admissíveis) a deduzir ao valor apurado pelo aparelho alcoolímetro quantitativo. Tais EMA são relevados e ponderados no momento do controlo metrológico e antes da certificação pelo IPQ ser atestada. A partir desse momento, os valores a ter em conta para efeito de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue, são aqueles que o alcoolímetro detectar e a que corresponde o valor inscrito no talão emitido pelo alcoolímetro quantitativo. Quaisquer deduções que a esta TAS sejam feitas carecem de fundamento legal e mesmo de suporte técnico-científico.

A ser assim, pois, a decisão recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova, ao ter dado como provado que o arguido apresentava uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 1,14 g/1, inferior à apurada pelo alcoolímetro e impressa no correspondente talão.

E, porque tal vício pode ser corrigido pelo tribunal de recurso, dada a prova documental existente, ou seja, o talão impresso que contém a TAS, pode outrossim decidir da causa e, consequentemente, alterando a matéria de facto dar como provado que o arguido nas circunstâncias de tempo e de lugar constantes do ponto 1 conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1, 27g/l e desse modo integrando a sua conduta o crime previsto e punido no artigo 292.° do Código Penal.

Termos em que se opina, pois, pela procedência do recurso devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido, pelo artigo 292.° do Código Penal.” Assumindo-se o âmbito de cognoscência do recurso pelo resumo conclusivo apresentado pelo recorrente constata-se a existência de uma única questão a equacionar: - erro notório na apreciação da prova – nº 2, alínea c) do artigo 410º do Código de Processo Penal – por violação do estabelecido no artigo 153º, nº 3 do Código da Estrada.

  1. – Fundamentação.

    II.A. – De Facto.

    Para a decisão que ditou cevou-se o tribunal na factualidade que a seguir se deixa transcrita.

    “1. No dia 14 de Setembro de 2005, cerca das 2 horas e 42 minutos, o arguido tripulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 13-08-FQ pela Estrada Nacional n.º 1, ao km 95, Moleanos, Alcobaça.

    1. Naquela ocasião foi o arguido submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho Seres, modelo 679T, n.º de série 2395 e acusou uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,14 g/l, correspondente à TAS de 1,23 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.

    2. O arguido sabia que tinha ingerido álcool antes de iniciar a condução e, mesmo assim, não se absteve de o fazer, admitindo como possível a verificação daquela taxa de alcoolemia e, conformando-se com tal possibilidade, ainda assim quis conduzir.

    3. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida por lei.

    4. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o arguido ia percorrer uma distância de cerca de 30 km e transportava no veículo que conduzia uma pessoa.

    5. O arguido é solteiro e não tem filhos.

    6. Mora com os pais em casa destes.

    7. É servente de pedreiro e aufere um vencimento mensal de € 430,00.

    8. Contribui com € 100,00 mensalmente para as despesas domésticas.

    9. Tem o 9.º ano de escolaridade.

    10. Confessou parcialmente os factos de que vem acusado.

    11. Necessita da carta de condução para o exercício da sua profissão.

    12. Não tem antecedentes criminais.

    1. Factos não provados Não se provou que: a) O arguido nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. conduzia o veículo automóvel com uma TAS de 1,27 g/l.

    2. Motivação da matéria de facto A convicção do tribunal acerca da factualidade dada como provada assentou no conjunto da prova produzida e examinada em julgamento, nos seguintes termos: - nas declarações do arguido que confessou parcialmente os factos de que vem acusado, designadamente, que conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. não obstante saber que não o podia fazer por ter ingerido bebidas alcoólicas.

    Foi ainda com base nas declarações do arguido e das testemunhas Fernando Luís e César da Silva, amigos do arguido e que depuseram por forma a merecer a credibilidade por parte do tribunal, que este deu como provados os factos relativos à sua situação familiar, económica, social e profissional.

    O tribunal atendeu ainda às declarações do arguido no que diz respeito aos factos vertidos em 5.

    No que concerne à taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, o tribunal atendeu ao talão constante dos autos a fls. 5 e respeitante à contraprova, ao qual deduziu a margem de erro legalmente admissível estabelecida em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e na Portaria n.º...

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