Acórdão nº 162/22.6GCCVL-C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em Conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I.

RELATÓRIO 1. Decisão recorrida: Em 19 de maio de 2022, no processo sumário n.º 162/22....

, do Juízo Local Criminal ..., comarca ..., após realização da audiência de julgamento, foi o arguido AA condenado: 1- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1, do DL 2/98, de 03-01, com referência ao art. 121º, n.º 1, do C. da Estrada, na pena de onze (11) meses de prisão, sendo que operando o desconto de um dia de detenção – cfr. art. 80º, n. 1, do CPenal, tendo o arguido apenas que cumprir 10 (dez) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão.

2- Determinar que o arguido cumpra a pena de 10 (dez) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, na sua residência sita na Rua ..., ..., ..., ....

3- Autorizar, desde já, o arguido a sair da residência para - pelo tempo estritamente necessário, e de modo devidamente comprovado perante a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - frequentar eventuais consultas médicas/tratamentos, saídas relacionadas com a saúde e educação das suas filhas menores de idade, assim como a deslocar-se à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

  1. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem integralmente): 1 – Interpõe-se o presente recurso por considerarmos que a douta sentença recorrida padece de nulidades (artº 379º do CPP) e também por discordarmos da douta sentença no que tange à escolha da medida da pena, bem como, da pena em concreto que nos parece desajustada face às circunstâncias em que ocorreu e a personalidade do arguido; 2 – Efetivamente, o despacho nº 1666/2021 de 12 de fevereiro. Vem a eliminar as licenças de condução por quem conduzir tratores agrícolas no âmbito da legislação em vigor.

    face ao contexto de pandemia impediu a realização de ações de formação atempadamente por forma a cumprir com o prazo estabelecido na al. d) do despacho nº 1819/2019 e que prorrogou o prazo até agosto de 2022.

    3 - Ou seja, até agosto de 2022, há uma tolerância podendo conduzir os tratores na agricultura, o arguido possui seguro, triangulo e lampião, no trator.

    4 – A lei tolerará até agosto 2022, o arguido usou o trator na sua propriedade e limitou-se a atravessar a estrada para ir ter a outro terreno propriedade sua.

    5 - O arguido nunca, jamais havia sido condenado por infringir ao conduzir o trator sem licença. (Antes tinha condenação por conduzir carro, mas que jamais infringiu, serviu de exemplo as sanções).

    6 - Foi a primeira vez que tal ocorreu.

    7 - Fê-lo pelas razões ponderosas de necessidade e por avaria do trator, imprescindível à sobrevivência da família, não tendo equacionado sequer que poderia ser uma infração, inexistência de dolo.

    8 -Alei concomitantemente também protelou o prazo para apresentação do título até agosto de 2022. Pelo que não existe crime.

    9 - O arguido pese embora ter plasmado no seu registo criminal infração, jamais teve infrações relacionadas com a falta de licença de trator.

    10 - Entende o arguido que a pena é demasiado gravosa pois a pena de prisão na habitação, seria suposto ser suspensa na execução porque nunca o arguido havia beneficiado desta medida. E reduzir a prisão para período inferior, bem como a suspensão da pena de prisão. Não existe reincidência.

    11 -Énula a sentença por não fundamentar a aplicação da pena de prisão efetiva em função do caso concreto. Antes à luz das condenações precedentes do arguido, foi julgado, violando a sentença “o Princípio ne bis in idem”. Não se justifica tal medida, daí ser eivada de nulidades. Nem abordado o contexto familiar do arguido.

    12- A sentença não equacionou o artº 71º, 74, entre outros do Código Penal – violando o código penal; e inexistência de fundamento para a especial agravação. Padece de não conferir oportunidade ao arguido para tirar a carta de trator - num prazo, que nunca lhe foi conferido - caso se entenda que há crime.

  2. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

  3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

    * II.

    QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente [cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010: “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95).

    São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se estas ficam aquém, a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões, e se vão além da motivação também não devem ser consideradas, porque são um resumo da motivação e esta é inexistente ([1]).

    Assim, o recurso incide sobre as seguintes questões: a) Nulidade da Sentença; b) Qualificação jurídica dos factos; e c) Medida da pena aplicada ao recorrente e substituição da pena de prisão.

    * III.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. Transcrição da sentença de primeira instância (parte relevante): «(…) FACTOS PROVADOS DA ACUSAÇÃO PÚBLICA: 1. No dia 02.05.2022, pelas 18h30, AA conduziu o tractor agrícola de marca Pasquali, modelo .../603, sem matrícula, na Rua ..., ..., ....

  4. Na referida data, AA conduziu tal veículo sem ser titular de carta de condução ou licença que o habilitasse para o efeito.

  5. AA sabia que para conduzir o veículo na via pública ou equiparada necessitava de ser titular de carta de condução ou licença que o habilitasse para o efeito.

  6. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei como crime.

    DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SÓCIO ECONÓMICAS DO ARGUIDO: 5.O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC junto na ref. ...18, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  7. O arguido é solteiro, mas vive em união de facto com uma companheira. Tem dois filhos, com 1 ano e três meses e 6 anos de idade, respetivamente. Trabalha, desde há cerca de um mês, como sapador florestal, auferindo o vencimento liquido mensal de 800,00 euros. A companheira encontra-se desempregada, auferindo um RSI, no montante mensal de 120,00 euros. Reside em casa dos seus progenitores. Tem como habilitações literárias o 11 º ano de escolaridade.

    (…) III FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL: O arguido vem acusado da prática, em autoria material, e sob a forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal.

    Nos termos do disposto no art. 3º, do DL 2/98, de 03-01, comete crime de condução sem habilitação legal, quem conduzir veiculo a motor na via publica ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do C. da Estrada.

    Em conformidade com o preceito suprarreferido, propõe o legislador tutelar de forma suficientemente ampla e eficaz um bem jurídico de natureza supra individual, como a segurança do trafego rodoviário. Temendo que a exigência sistemática da produção de um perigo concreto ou de um dano efetivo pudesse conduzir, na prática, a uma impunidade indesejável e generalizada, o legislador procurou assegurar a eficácia preventiva do sistema, fazendo recuar o âmbito da proteção concedida através do recurso à figura do crime de perigo abstrato.

    Assim, para que o tipo legal em análise se tenha por preenchido, não é necessário que, em consequência da ação praticada, tenha resultado para a segurança rodoviária ameaça real ou um dano efetivo. Realizando-se, pois, a atividade de condução na ausência de habilitação legal para o efeito; a lei presume iure et de iure a presença de um perigo qualificado, reprimindo-a em conformidade, independentemente da ocorrência de qualquer modificação objetiva no mundo exterior. No que toca ao tipo subjetivo, estamos perante um crime doloso.

    O preenchimento do tipo legal, no que respeita ao elemento objetivo, não oferece dúvidas, uma vez que o arguido conduzia o veiculo sem habilitação legal.

    Igualmente se mostra preenchido o elemento subjetivo do tipo legal do crime em causa, dado que o arguido atuou voluntaria e conscientemente, não ignorando que incorria em responsabilidade penal, tal como resulta provado nos autos.

    Da análise da matéria de facto dada como provada, extrai se que preenchidos se encontram os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito criminal, não ocorrendo qualquer a ou circunstancia que exclua a ilicitude e/ou a culpa do arguido.

    Desta forma, dúvidas não subsistem de que o arguido se constituiu como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal.

    DA ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DA PENA: Importa, agora, antes de mais, apurar as finalidades das penas, de molde a poder concluir – se com segurança a natureza e a medida da sanção a aplicar ao arguido.

    Em conformidade com a previsão contida no preceito incriminador, aquele que conduzir motociclo ou automóvel na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias São as exigências de prevenção geral e especial positiva que comandam o julgador no momento da escolha da espécie de pena a aplicar.

    Estipula o art. 70º, do C. Penal, que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (SIC).

    No momento da escolha, revelam, por um lado, as exigências de prevenção geral positiva, interpretadas através da...

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