Acórdão nº 846/17.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA LUÍSA RAMOS |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães A. V., e mulher M. R., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X-Companhia de Seguros, SA, pretendendo os autores acionar o contrato de seguro de vida celebrado com a Ré por entender verificado o risco coberto, e pedindo a condenação da Ré seguradora na liquidação total dos créditos hipotecários n.º 61001351986, pagando ao Banco Caixa ..., CRL a totalidade do capital em dívida seguro através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5001450-000114, a reembolsar os demandantes de todas as prestações mensais que esta pagou indevidamente à Caixa ..., CRL, desde a interpelação para pagamento do capital seguro, em março de 2016, bem como de todas as prestações que os demandantes venham a pagar futuramente ao banco mutuante até que a demandada liquide as quantias, o capital seguro, a que está obrigada; e a reembolsar à demandante todos os prémios indevidamente pagos e auferidos, desde a interpelação para pagamento do capital seguro; tudo acrescidos de juros de mora, à taxa supletiva de 4%, vencidos e vincendos e até efetivo pagamento do capital seguro.
A Ré contestou, pugnado pela improcedência da acção, sustentando, em suma, que não se mostram verificadas as condições cumulativas para o accionamento da cobertura por invalidez total e definitiva, designadamente quanto ao grau de incapacidade geral exigível de 75%, determinada pela TNI e confirmada por médico nomeado pela Ré.
Em sede de audiência prévia foi fixado como objecto do litígio: - Da interpretação dos pressupostos contratuais da obrigação da seguradora resultante de seguro de vida de grupo e respetiva verificação; - Da exclusão da claúsula geral relativa aos pressupostos do direito invocado por violação do dever de prestação de informação; - Da nulidade/exclusão, por violação do princípio da boa fé, da referida cláusula.
Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar a acção, nos seguintes termos: “Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a ré, X-Companhia de Seguros,SA:
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Na liquidação total do crédito hipotecário n.º 61001351986, pagando à Caixa ... CRL a totalidade do capital em dívida seguro através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5001450-000114.
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A reembolsar os autores, A. V. e M. R. de todas as prestações mensais que estes pagaram indevidamente à Caixa ... CRL, ou venham a pagar futuramente, desde 16 de março de 2016, data da interpelação para pagamento do capital seguro, até à liquidação total do crédito hipotecário determinada em a), a liquidar em incidente de liquidação; c) A reembolsar aos autores todos os prémios que estes pagaram indevidamente e por ela auferidos desde 16 de março de 2016, data dainterpelação para pagamento do capital seguro, a liquidar em incidente de liquidação; d) A pagar aos autores os juros à taxa legal supletiva, de 4%, desde a data da citação, sobre o valor das prestações e dos prémios pagos até à data da propositura da ação; e sobre as prestações e prémios pagos a partir dessa data, desde a data de pagamento de cada prestação e prémio; tudo até integral pagamento”.
Inconformada veio a ré seguradora interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões: I. Não decidiu corretamente o Tribunal a quo ao considerar excluída do contrato de seguro de vida de grupo [celebrado entre a Recorrente (Seguradora), a ... – Caixa ..., CRL (Tomadora do Seguro e Beneficiária) e os Recorridos (Aderentes e Pessoas Seguras)] a cláusula que exigia uma invalidez de grau igual ou superior a 75% para acionamento da cobertura de Invalidez, por considerar não ter sido comunicada no momento da contratação.
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À data da celebração do seguro em causa nos presentes autos, o teor e forma da informação pré-contratual a prestar ao proponente de um contrato de seguro do ramo vida encontrava-se regulada o artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, que havia aprovado o regime de acesso e de exercício da atividade seguradora, e no art.º 2.º Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, que estabelecia as regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
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A proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos - junta aos autos pelos próprios Recorridos, como documento n.º 2 da sua Petição Inicial - cumpre escrupulosamente todas essas completas e específicas obrigações legais, designadamente as previstas na al. d) do n.º 1 do artigo 171.º do referido Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, que exigia que, antes da celebração do contrato, fossem fornecidas por escrito ao tomador do seguro diversas informações sobre o seguro a celebrar, incluindo informação sobre as garantias contratuais, bem como, no seu n.º 2, que a proposta de seguro incluísse uma menção em como o tomador tomou conhecimento das mesmas.
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Quando subscreveram tal proposta – e como pretendia o legislador com as referidas disposições legais – os Recorridos tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exige a verificação de um grau de invalidez mínimo de 75% para acionamento das garantias, aí referida, conforme ficou provado nos números 5, 28, 30 e 31 dos presentes autos.
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Havendo uma clara contradição entre a matéria constante dos factos provados 5, 28, 30 e 31 e o facto não provado constante da al. i) e subsequentes conclusões sobre que elabora a sentença recorrida, devendo a referida alínea i) ser eliminada dos factos não provados - face à prova que resulta do documento referido [a proposta (declaração individual de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos].
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Nos seguros de vida de grupo, como o que está em causa nos presentes autos, o dever de informação sobre o teor das condições contratuais não pertence à Recorrente (Seguradora), mas sim à Caixa ..., CRL, que é a Tomadora do Seguro, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, conforme, aliás, tem vindo a decidir – de forma praticamente uniforme -, sobre esta matéria, o douto Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 22.01.2009, proferido no processo n.º 08B4049, no acórdão de 29.05.2012, proferido no processo n.º 7615/06.1TBVNG.P1.S1, no acórdão de 25.06.2013, proferido no processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, no acórdão de 15.04.2015, proferido no processo n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1, no acórdão de 05.05.2016, proferido no processo n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1, no acórdão de 30.03.2017, proferido no processo n.4267/12.3TBBRG.G1.S1, e no acórdão de 12.07.2018, proferido no processo n.º 3016/15.9T8CSC.L1.S1.
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Dos referidos artigos 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, e 2.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho resulta um regime especial para os deveres de informação pré-contratual, designadamente quanto aos sujeitos de tais informações, no âmbito específico do seguros do ramo vida, face ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos dos artigos 7º n.º 3 e 9º n.º 1 do Código Civil, devem as normas especiais prevalecer sobre as normas de carácter geral, concluindo-se que o Regime (geral) das Cláusulas Contratuais Gerais não é, sequer, aplicável caso dos presentes autos, conforme, aliás, foi também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, no Acórdão de 15.04.2015, proferido no processo n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1.
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O cumprimento do dever de comunicação previsto no art.º 5.º do referido Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, varia de caso para caso, e de pessoa para pessoa, dependendo, designadamente, do grau de instrução da pessoa que adere ao clausulado que lhe é apresentado, pois não são exigíveis os mesmos cuidados no caso de um professor universitário da cadeira de direito dos seguros que o são no caso de uma pessoa completamente analfabeta… IX. No caso de cidadãos comuns é perfeitamente legítimo considerar que a apresentação de um mero formulário por escrito é adequada à transmissão de informações contratuais, ou pré-contratuais e que a apresentação de tal formulário assinado é prova suficiente de que a comunicação das cláusulas contratuais foi a adequada, conforme se decidiu no acórdão do STJ de 24.03.2011 proferido no processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1.
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Se algum óbice existia à compreensão da informação constante da proposta de seguro subscrita pelo Recorrido marido, cabia ao próprio invocá-la e demonstrá-la nos presentes autos – o que não fez.
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Pelo exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, designadamente, o disposto nos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho e 7.º, n.º 3, 9.º, n.º 1, e 405.º do Código Civil.
Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido...
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