Acórdão nº 3016/15.9T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3016/15.9T8CSC.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

– AA e BB intentaram acção declarativa com processo comum contra «CC, SA».

Alegaram os AA., em resumo: Em 7.2.2007, DD, pai dos AA., adquiriu um imóvel, com recurso ao crédito à habitação, pelo que teve de celebrar um seguro de vida com a R., sendo o valor do capital seguro no valor dos montantes mutuados e o beneficiário respectivo a entidade bancária mutuante, «EE, SA».

Em 15.3.2013 DD faleceu, sendo a causa da morte “falência cardio-‑respiratória”. O óbito foi comunicado à R, a quem foram entregues os documentos pertinentes, mas esta recusou o pagamento dos capitais seguros, invocando que o pai dos AA. não mencionou patologias pré-existentes que teriam condicionado a aceitação do risco por parte da R, o que conduziria à anulação do contrato de seguro.

Todavia, pela R. através dos seus comerciais, não foi querido que o DD indicasse qualquer patologia para não atrasar o processo de empréstimo e do seguro. Além de que a causa da morte não adveio de nenhuma doença pré-‑existente. Acresce que não foi comunicado na íntegra ao segurado o conteúdo das cláusulas contratuais, nem explicado o significado e implicações das mesmas, concretamente não havendo sido explicado ao segurado o teor da cláusula relativa às declarações inexactas, com a advertência para as consequências advenientes, o que determina a exclusão da referida cláusula do contrato.

Por força da posição da R. está em dívida à entidade bancária mutuante a quantia de € 116.397,00, tendo além disso sido paga a quantia global de € 4.159,54, a título de prémios do seguro.

Pediram os AA. a condenação da R. a pagar: «a) ao EE, S.A. ou aos AA. que depois reembolsarão a referida instituição de crédito, a quantia em dívida de € 116.397,00 a título de indemnização proveniente do seguro de vida melhor identificado no articulado, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal; b) Subsidiariamente, e em caso de se entender o contrato como nulo, deve a Ré restituir aos Autores o montante pago a título de prémios de seguro já pagos, num total de €4.843,54, acrescido dos juros vincendos; c) Em qualquer dos casos, deve a R ser condenada ainda a pagar juros à taxa de 5% ao ano, desde a sentença de condenação transitada em julgado, a título de sanção pecuniária compulsória».

Contestou a R, dizendo, essencialmente, o seguinte: Em 7.2.2007, DD celebrou com o «BCP, SA» um contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança e, ainda, um mútuo com hipoteca e fiança, em associação com os quais o mesmo DD propôs a sua adesão ao contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, aderindo a este contrato em 18-12-2006, sendo a aceitação da R. de 7-2-2007.

Quando da celebração dos contratos de seguro dos autos ─ e posteriormente ─ o DD ocultou à R. os reais condicionalismos do risco, omitindo intencionalmente factos que tinha o dever de revelar, sendo que tal omissão influiu nas condições de aceitação da adesão, havendo que ter em consideração quer o n.º 3 do art.º 2 das Condições Gerais, quer o disposto no art.º 429.º do CCom. Assim, a R. declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro dos autos, sendo que, em função da anulação invocada, deverá a R. ser absolvida do pedido.

Acresce que se verificou um agravamento do risco de que a R. somente teve conhecimento após a morte do DD, o que legitimou a resolução do contrato de seguro.

Além de que a falência cardíaca que vitimou o DD adveio da hipertensão arterial que já o afectava antes da conclusão dos contratos de seguro, a que se somavam outros factores de risco cardiovascular que concorreram para a sua morte, encontrando-se, assim, o sinistro excluído das garantias.

Impugnou, ainda, a R. factos alegados pelos AA.

Concluiu pela procedência das excepções, bem como pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Havendo sido os AA. convidados a responderem às excepções disseram estes, designadamente, que a proposta de adesão ao contrato de seguro não é mais do que um contrato de adesão, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais e que a falta de comunicação e a violação do dever de informação implica a exclusão das cláusulas, sendo que antes da celebração e assinatura dos contratos não foi explicado ao DD o teor da cláusula referente às declarações inexactas e às omissões, com a advertência das consequências resultantes, nem lhe foi dado um período para esclarecimento e reflexão; bem como que, face ao questionário com respostas fechadas sim/não, não era exigível ao DD relatar o seu historial clínico; e, ainda, quanto à causa da morte, que não resultou de qualquer doença pré-existente à celebração do contrato.

O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «… julga-se a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, no reconhecimento da vigência dos certificados individuais referidos em 7) dos factos provados, à data do óbito de DD, reconhece-se o direito dos AA. a ver ser paga pela R. a “EE, S.A.” a quantia correspondente aos capitais mutuados por esta instituição bancária ao referido DD, e ainda não reembolsados à data de 15/3/2013, nos montantes máximos de € 88.166,12 (oitenta e oito mil cento e sessenta e seis euros e doze cêntimos) e de € 29.642,21 (vinte e nove mil seiscentos e quarenta e dois euros e vinte e um cêntimos), devida pelo acionamento da cobertura do risco de morte garantido pelos referidos certificados individuais.

Mais fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

Mais vai condenada a R. no pagamento da sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4 do art.º 829º-A do Código Civil.

No mais que exceda a medida da condenação ora decidida, vai a R. absolvida do pedido».

Irresignada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, tendo impugnado a matéria de facto fixada e concluindo pela sua absolvição, tendo a Relação, decidido pela procedência do mesmo, “revogando a sentença recorrida que condenou a R. no pedido principal formulado pelos AA., pelo que absolvem a R. daquele pedido principal; todavia, apreciando o pedido subsidiário condenam a R. a pagar aos AA. a quantia de € 4.159,54 (quatro mil cento e cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento” com custas da acção e da apelação por AA. e R. na proporção do respectivo decaimento.

Desta vez, foram os AA. que se não conformaram com a decisão, pelo que interpuseram recurso de revista, o qual foi admitido.

Os AA concluem, deste modo, as suas alegações que resumimos, dada a sua extensão e carácter repetitivo: A. Em primeiro lugar, e salvo o devido respeito, que é muito, consideram os ora Recorrentes que houve negligência na reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal a quo, não só ao apreciar os depoimentos das testemunhas FF e GG, como também por dar como provado o novo facto o Tribunal da Relação entrou em grave contradição com um outro já dado como provado, passando a existir uma contradição na matéria de facto dada como provada no seu todo.

  1. Em segundo lugar, salvo o devido respeito, consideram os ora Recorrentes que a decisão ora posta em crise, bem como a respectiva fundamentação, denotam uma concepção errónea sobre a aplicação da lei, nomeadamente do regime das cláusulas contratuais gerais, bem como da aplicabilidade do artigo 429.º do CCom e do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, no âmbito do contrato de seguro aqui em análise, ao arrepio da lei, da doutrina e da jurisprudência (em especial deste douto Tribunal) sobre esta matéria, pelo que o douto Acórdão recorrido enferma de vício de violação de lei, na vertente de erro na interpretação e aplicação da lei substantiva.

  2. No que diz respeito à impugnação da matéria de facto produzida pela Opoente, mal andou o Tribunal a quo ao decidir que deveria ser considerado provado o seguinte facto (que foi aditado como facto 40) dos factos provados: "Se a ora R. tivesse tido conhecimento do quadro clínico de DD ─ nomeadamente que o mesmo tivera uma hepatite C e uma pneumonia, que sofrera duas intervenções cirúrgicas às varizes, o seu historial de hipertensão e dislipidemia ─ poderia não ter aceite a sua proposta aos Contratos de Seguro em causa nos mesmos termos e condições em que o fez, atenta a influência daqueles elementos na avaliação do risco." D. Para daqui concluir que: a susceptibilidade de as declarações prestadas puderem influir sobre as condições do contrato preenche o circunstancialismo constante da previsão do artigo 429.° do CCom.

    (…) G. Na verdade consideramos que a douta decisão do Tribunal da Relação, quanto à matéria de facto, é sindicável por este Supremo Tribunal por dois motivos: porque o novo facto dado como provado é inconciliável com outro também dado como provado e o Tribunal da Relação não procedeu a uma correcta reavaliação da matéria de facto na medida em que não cumpriu o que a lei impõe quanto a esta matéria, nomeadamente por apoiar a sua convicção em afirmações vagas das testemunhas não reapreciando, como devia, as provas apresentadas, conforme passaremos a explanar: H. Vejamos, considerou o douto Tribunal da Relação que relativamente ao depoimento do Dr. FF, médico que em regime de avença presta serviços à R, resultou que as propostas positivas ao "questionário" passam pelo departamento clínico da R, o que não sucede em caso inverso, como é o dos autos e que se as respostas fossem positivas teriam sido solicitados relatórios, exames e feita avaliação atinente para que se obtivessem conclusões referentes ao acréscimo de risco com eventuais consequências a nível de agravamento e exclusão.

    I. No que respeita ao depoimento do Dr. FF convém também não olvidar a menção que consta na sentença do Tribunal de Primeira Instância no que toca à razão de ciência desta testemunha, ou seja, de que o seu conhecimento dos factos limita-se à valoração dos...

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