Acórdão nº 1135/09.0PCBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA ARANTES
Data da Resolução03 de Outubro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Nos autos de inquérito n.º1135/09.0PCBRG-B.G1 dos Serviços do Ministério Público de Braga, por despacho proferido em 9/5/2011, o Juiz de Instrução, face à recusa pela Caixa Geral de Depósitos em prestar os elementos bancários que lhe foram solicitados pelo Ministério Público, recusa que considerou ilegítima, condenou a Caixa Geral de Depósitos na sanção de 2 Ucs nos termos do art.27.º n.º1 do RCP.

Inconformada com a decisão, a CGD interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcritas]: 1. Andou mal o Tribunal a quo ao condenar Caixa Geral de Depósitos, S.A. no pagamento de multa de duas unidades de conta, nos termos dos artigos 519.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, e do artigo 27.º, n.º1, do Regulamento das Custas Processuais; 2. A informação solicitada pelo Ministério Público à Caixa Geral de Depósitos, S.A. encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78.º do RGICSF; 3. O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; 4. E parece ter aplicado indevidamente ao caso o disposto no artigo 135.º, n.º 2, do CPP, pretendendo não ter a Caixa Geral de Depósitos, S.A. legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional; 5. Nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não pode ser interpretada fora do contexto sistémico em que se integra; 6. E devem antes de mais aplicar-se, no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26.º, que dispõe que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar; 7. Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada; 8. Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 9. A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 3, do CPP; 10. A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não respeita o disposto nos artigos 18.º e 26.º da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos; 11. A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não alterou o regime de tutela do segredo bancário em sede de processo penal; 12. O n.º 2, do artigo 79.º do CPP pretende apenas determinar as entidades às quais a informação sujeita a sigilo pode ser revelada, contendo regras de apuramento de legitimidade passiva para recepção da informação em causa, tal não significando contudo que não devam ser respeitadas as normas casuisticamente aplicáveis para que a informação possa ser prestada às entidades aí referidas; 13. Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, não veio o legislador introduzir na alínea d) do n.º 2 do artigo em causa qualquer excepção ao padrão constante das restantes alíneas do mencionado preceito, que devem ser complementadas com as regras procedimentais aplicáveis que possibilitem a prestação da informação coberta pelo dever de segredo; 14. Assim, quando se refere que a informação bancária pode ser revelada, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, deverá entender-se que tal informação deve ser prestada nos termos das disposições aplicáveis do processo penal, que se mantiveram inalteradas; 15. A introdução do actual n.º 3 do artigo 79.º do RGICSF em nada interfere com as conclusões supra expendidas, antes evidenciando incongruência na interpretação que o Tribunal a quo parece fazer da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF; 16. Atendendo ao que antecede, é legítima a escusa por parte da Caixa Geral de Depósitos, S.A. na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º do RGICSF e 135.º e 182.º, ambos do CPP; 17. A quebra de sigilo pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. fá-la-ia aliás incorrer na violação do dever de segredo, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 84.º do RGICSF e no artigo 195.º do Código Penal; 18. A condenação da Caixa Geral de Depósitos, S.A. em multa por falta de colaboração com a justiça, nos termos do disposto no artigo 519.º do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP, é assim ilícita, pois pressupõe a ilegitimidade desta na recusa da prestação da informação.

  1. Sucede porém que, nos termos do n.º 3 da disposição em apreço, a recusa na colaboração é legítima, se a obediência importar violação do sigilo profissional (vide alínea c)).

  2. E refere-se no n.º 4 do artigo em causa que, deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

  3. Esta disposição não convoca sequer a aplicação do disposto no RGICSF, antes remetendo expressa e exclusivamente para o Código de Processo Penal, não tendo...

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