Acórdão nº 867/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 867/2022

Processo n.º 952/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC). Para o que aqui mais releva, o arguido foi condenado na 1.ª instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo disposto no artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo disposto nos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência aos artigos 143.º e 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena parcelar de 8 (oito) meses de prisão. Efetuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado numa pena única conjunta de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, «não expendendo quaisquer conclusões ou normas jurídicas violadas» (fl. 707) e, efetuado o exame preliminar, foi proferida decisão sumária pelo relator, que rejeitou o recurso interposto pelo mesmo (fls. 686-v. ss.), decisão de que o arguido reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal. A reclamação foi indeferida por acórdão proferido por esse Tribunal no dia 29 de junho de 2022 (fls. 707 ss.), onde foi apresentada, para o que aqui releva, a seguinte fundamentação:

«(...)

" 2.2. APRECIEMOS

A norma legal (art. 412º, nº 1, supra transcrito) é absolutamente clara, quanto à imposição da formulação de conclusões: A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

A motivação contém as razões da discordância relativamente à decisão impugnada (os fundamentos do recurso) e as conclusões resumem as razões do pedido.

Sobre matéria similar à suscitada, já a decisão sumária proferida pela Sr. Relatora Filipa Costa Lourenço, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, deste Tribunal da Relação de Lisboa, abordou esta mesma temática, e no dispositivo determinou a rejeição do recurso interposto.

Não obstante, sempre se dirá que não estamos perante uma situação de conclusões ou motivação deficientes que importe corrigir, mas perante uma omissão por completo das conclusões.

Como é referido na decisão sumária indicada:

(...)

No entanto, convém não olvidar que estamos, ainda, em sede de apreciação do direito ao recurso com consagração constitucional no art.º 20.º da CRP, sendo jurisprudência constante que de tal norma, no domínio não penal (ou contraordenacional), não decorre um genérico direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento.

E mesmo no âmbito deste último normativo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, ainda que revele um maior grau de exigência - como é natural - ainda assim impõe uma reserva que se não verifica no caso concreto: a de que as deficiências se situem ao nível das conclusões de recurso, que não quanto à totalidade do recurso (motivações e conclusões/ caso dos autos...) - de entre a variada jurisprudência do TC, v. g. os acórdãos ns.º 319/1999, 337/2000, 265/2001, 320/2002 e os referidos no acórdão n.º 259/2002.

Afirma-se neste último acórdão (acórdão do TC n.º 259/02), que:

"...essa jurisprudência não chegou a admitir um genérico direito do arguido ao aperfeiçoamento de uma peça processual por si apresentada.

Na verdade, tal jurisprudência censurou a inexistência de despacho de aperfeiçoamento quando, embora de modo deficiente ou incompleto, o arguido tivesse cumprido determinados ónus processuais, mas dela não pode retirar-se a conclusão de que o despacho de aperfeiçoamento serviria para facultar ao arguido um novo prazo para, pela primeira vez, impugnar a própria decisão proferida, ou mesmo indicar outros fundamentos de recurso.

Dito de outro modo, considerou-se constitucionalmente desconforme a rejeição liminar de um recurso (portanto, sem prévio convite ao aperfeiçoamento) quando as conclusões da motivação faltassem, fossem em grande número ou ocupando muitas páginas, nelas se cumprisse deficientemente certos ónus ou se não procedesse a certas especificações, mas não chegou a afirmar-se, por exemplo, o direito do arguido a apresentar uma segunda motivação de recurso, quando na primeira não tivesse indicado os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos".

O que está de acordo com a ideia de que a rigidez ou formalismo processual não podem sobrepor-se às garantias consagradas para o processo criminal, expressa na ideia de que não se pode "....sufragar uma interpretação normativa assente numa rigidez formal que posterga, desrazoavelmente, as garantias constitucionais consagradas para o processo criminar.

Para tal basta atentar nos acórdãos 284/00 e 66/01 do Tribunal Constitucional.

Ora, não é este o caso. Aqui não estamos perante uma mera deficiência, um mero vício formal nas conclusões. Não estamos perante uma "deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de especificação, detetadas nas conclusões das alegações, ou seja, algo que tem a ver com a formulação das conclusões" (acórdão do TC n.º 140/2002).

Aqui estamos perante falta do próprio conteúdo das conclusões.

(...)

É sabido que quando o recorrente interpõe recurso está automaticamente vinculado à observância de dois ónus:

1º - ónus de motivar: o recorrente deve fazer uma análise crítica da decisão recorrida, identificando os erros, de facto e/ou de direito, de que enferma essa decisão e expondo os seus argumentos e razões que poderão conduzir à revogação ou alteração dessa decisão recorrida;

2º- ónus de formular conclusões: o recorrente deve finalizar o recurso elencando uma formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem aprecie a decisão recorrida.

Também, como ensina Alberto dos Reis, "a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta."

Contudo, como salienta, o mesmo Ilustre Professor, "para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação."

Ou seja, o recorrente tem um ónus de especificar nas conclusões da sua motivação quais as questões a decidir, nomeadamente os pontos de facto ou de direito que pretende que sejam reapreciados pelo tribunal, e é somente sobre estas questões apostas nas conclusões que o Tribunal superior terá de atentar.

É esta a principal função da aposição obrigatória de conclusões, devendo, pois, o recorrente elencar as questões que irão constituir o objeto do recurso. Neste quadro:

a) se o recurso tem por finalidade a impugnação da matéria de facto, cabe-lhe cumprir com o ónus da tríplice especificação constantes do disposto no artigo 412, número 3 do Código Processo Penal; ou/e

b) se o recurso tem por finalidade a impugnação de direito deve especificar quais as normas ou interpretações normativas que tem por violadas, delimitando, assim, o objeto da atividade jurisdicional do tribunal ad quem.

Não temos dúvidas que no caso de serem elencadas no recurso conclusões que se definem como deficientes, obscuras, complexas, incompletas ou extensas, são passíveis da prolação obrigatória de aperfeiçoamento, o que já não nos parece ser o caso em situações, como o dos autos, da sua total omissão pura e simples.

Acresce dizer, "(...) versando o recurso matéria de direito e de facto, não faria sentido que não se impusesse o ónus de especificação, nas motivações e nas conclusões, das normas jurídicas cuja violação serve de fundamento ao recurso, do sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal a quo interpretou cada norma ou com que a aplicou e do sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada e, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.".

Em suma, a reclamação não pode proceder, sendo de manter o teor da decisão sumária nos seus precisos termos.

Last but not least, quanto à eventual violação dos princípios da Segurança Jurídica, da Confiança, e do processo equitativo, e das garantias de defesa consagradas- nos artigos 2º e 32º, n.º 1 da CRP invocados pelo reclamante, diremos que carece de fundamento o invocado.

Basta atentar no seguinte:

O direito é constituído por um conjunto de normas de conduta cuja observância se impõe. E o processo é constituído por um conjunto de atos jurídicos ordenados em função de determinados fins. Assim, este conceito não pode ser separado da denominada autorresponsabilidade dos intervenientes conexo com um quadro de ónus, cominações e preclusões.

É com este enquadramento, que o acesso ao direito e à tutela judicial efetiva deve ser visto. Ou seja, deve ser...

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