Acórdão nº 140/02 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução09 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 731/99 Acórdão nº 140/02

Plenário

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I

O pedido e os seus fundamentos

  1. O Procurador-Geral da República requereu, em Novembro de 1999, ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, que aprecie e declare a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos seguintes preceitos legais:

    a) Artigo 31º do Decreto-Lei n.º 242/97, artigo 30º do Decreto-Lei n.º 243/97, artigo 31º do Decreto-Lei n.º 244/97 e artigo 28º do Decreto-Lei n.º 245/97, todos de 18 de Setembro de 1997

    Os diplomas referidos aprovaram a orgânica, respectivamente, do Teatro Nacional de S. João (TNSJ), da Orquestra Nacional do Porto (ONP), do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM) e da Companhia Nacional de Bailado (CNB).

    O primeiro daqueles preceitos é do teor seguinte:

    "Aos actos e contratos abrangidos pelos artigos 29º e 30º é aplicável o disposto na alínea a) do artigo 47º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto".

    Os demais preceitos questionados têm o mesmo teor, apenas diferindo no número dos artigos, a que se reportam, do correspondente diploma.

    A Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, é, por sua vez, a "Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas", sendo que, na alínea a) do seu artigo 47º, para que aqueles preceitos remetem, são excluídos da fiscalização prévia (visto) desse Tribunal, inter alia, os actos e contratos praticados ou celebrados por certas entidades (as incluídas no elenco do artigo 2º, n.ºs 2 e 3, da mesma Lei).

    O sentido e alcance das normas questionadas é, assim, o de estabelecer uma isenção de visto prévio (do Tribunal de Contas) para os actos e contratos de que tratam: essa é, de resto, justamente a epígrafe que levam todas as correspondentes disposições.

    b) Artigo 22º, n.º 2, dos Estatutos do Instituto Marítimo Portuário (IMP), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 331/98, de 3 de Novembro, que dispõe como segue:

    "Os actos e contratos do IMP não estão sujeitos ao visto do Tribunal de Contas".

    c) Artigo 1º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 299-B/98, de 29 de Setembro, que cria o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF), com a seguinte redacção:

    "Aos actos e contratos praticados ou celebrados pelo INTF aplica-se o previsto na alínea a) do artigo 47º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto".

    Ou seja, utilizando uma vez mais a remissão cujo alcance já ficou esclarecido [supra, a)], a norma exclui, igualmente, do visto prévio do Tribunal de Contas esses actos ou contratos.

    d) Artigo 15º, n.º 2, dos Estatutos do Instituto das Estradas de Portugal (IEP), artigo 15º, n. 4, dos Estatutos do Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e artigo 15º, n.º 2, dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), estatutos, todos eles, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho

    Trata-se, em todos estes casos, de preceitos que, remetendo para a alínea a) do artigo 47º da Lei n.º 98/97, excluem da fiscalização prévia do Tribunal de Contas os actos e contratos desses Institutos.

    O teor de tais disposições é o seguinte:

    "Aos actos e contratos praticados ou celebrados pelo IEP [vel, pelo ICOR, vel pelo ICERR] aplica-se o previsto na alínea a) do artigo 47º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto".

  2. O pedido fundamenta-se na circunstância de a isenção do visto prévio do Tribunal de Contas, relativamente a certos actos e contratos, em alguns dos casos, e relativamente a todos os actos e contratos praticados ou celebrados pelos organismos referidos, noutros casos, ser estabelecida por normas editadas pelo Governo, sem prévia autorização parlamentar.

    O que o requerente argui é, portanto, a inconstitucionalidade orgânica dessas normas (as enunciadas e transcritas supra, 1.), por violação da reserva consignada no artigo 165º, n.º 1, alínea p), da Constituição da República Portuguesa (na parte, obviamente, relativa à "organização e competência dos Tribunais").

    Para fundamentar esta arguição, argumenta o Procurador-Geral da República, básica e resumidamente, como segue:

    a) A definição da jurisdição e da competência do Tribunal de Contas consta presentemente da Lei n.º 98/97. De harmonia com essa definição, a jurisdição do Tribunal estende-se aos institutos públicos [artigo 2º, n.º 1, alínea d)]; e na sua competência material inscreve-se a de "fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesas ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades, directos ou indirectos, para as entidades referidas no n.º 1 do artigo 2º".

    A delimitação rigorosa do âmbito de incidência desta fiscalização prévia (ou visto) resulta dos artigos 46º e 47º da Lei, sendo que este último preceito estabelece taxativamente os actos e contratos que são excluídos de tal fiscalização prévia: ela é excluída, nomeadamente, por força do 47º, alínea a), da Lei, quanto aos actos e contratos das entidades referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2º da Lei, entidades essas entre as quais se contam as empresas públicas, mencionadas na alínea b) do artigo 2º da Lei (cfr. artigos 1º e 2º do requerimento).

    1. Todas as entidades a que se reportam as normas abrangidas pelo pedido (supra, 1.) "têm, face aos respectivos diplomas estatutários, a natureza de institutos públicos" [itálico acrescentado].

    E nem essa qualificação "é afectada pelo facto de algumas dessas entidades deterem – em grau diferenciado – natureza empresarial [itálico acrescentado], atento, nomeadamente, o regime da respectiva gestão financeira e patrimonial"; no pedido, esta asserção é demonstrada com a distinção, nas entidades em causa, de três tipos de situações diferentes (cfr. artigos 3º a 5º do requerimento).

    c) A definição da competência do Tribunal de Contas, em sede de fiscalização prévia, é matéria incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 165º, n.º 1, alínea p), da Constituição] – pelo que não é lícito a um decreto-lei editado no exercício da competência própria do Governo "dispor inovatoriamente sobre esse tema" (isentando de visto actos e contratos a ele sujeitos por força das disposições da Lei n.º 98/97) ou "pretender interpretar autenticamente" o regime constante dos preceitos legais que definem essa competência material do Tribunal (cfr. artigo 6º do requerimento).

    d) Ora, as normas objecto do pedido, editadas sem autorização parlamentar, dispõem directamente sobre essa matéria, "isentando de visto actos e contratos, celebrados pelos institutos públicos atrás referidos, que a ele poderiam considerar-se sujeitos, face a uma possível interpretação do preceituado nos artigos 2º, n.º 1, alínea d), e 5º, n.º 1, alínea c), da citada Lei n.º 98/97". E, isto, seja dizendo-o directamente, seja remetendo para um preceito dessa lei [a alínea a) do artigo 47º] "que, na sua literalidade, apenas prevê a isenção de fiscalização prévia relativamente às entidades referidas no artigo 2º, n.ºs 2 e 3" (cfr. artigos 7º a 11º do requerimento).

    e) Entretanto, a conclusão, no sentido da inconstitucionalidade, a que assim tem de chegar-se, não é afastada pela tendência mais recente para reduzir o âmbito do controlo prévio do Tribunal, nem pela circunstância de não ser legítimo extrair da Lei n.º 98/97 qualquer sinal expansivo do controlo prévio (considerações, estas, de "Parecer" da Procuradoria-Geral, que se cita).

    "É que" – diz-se – "nem todos os institutos públicos em causa têm um regime de gestão financeira e patrimonial moldado segundo o direito privado e plenamente equiparável ao das empresas públicas" (essas, sim, legalmente dispensadas da fiscalização prévia).

    "E mesmo" – acrescenta-se e sublinha-se – "quanto aos institutos públicos – como o ICOR – em que tal equiparação tem efectivamente lugar, por o respectivo diploma orgânico acentuar a sua vertente empresarial, continua a delimitação da competência material do Tribunal de Contas, em sede de fiscalização prévia, a ter necessariamente de radicar numa autónoma interpretação dos preceitos da Lei n.º 98/97 que a definem, não sendo lícito a um decreto-lei, não credenciado por autorização parlamentar, interpretar autenticamente tais preceitos, dispondo expressa e directamente sobre o preenchimento da norma de competência contida na referida alínea a) do artigo 47º daquela Lei" (cfr. artigos 12º a 15º do requerimento).

  3. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro contestou, na sua resposta, a conclusão e o pedido do Procurador-Geral da República, com uma argumentação que radica basicamente na natureza das entidades em causa.

    Com efeito, partindo da noção e do âmbito das categorias de "instituto público" e de "empresa pública", e registando o aparecimento, nessa grelha institucional, de "institutos públicos empresariais", ou "institutos públicos de estrutura híbrida" (os quais submetem uma parte dos actos e contratos que aprovam ou celebram ao direito público e outra parte aos princípios da gestão privada), alega o Primeiro-Ministro ser esse justamente o caso de quase todos os "institutos públicos" (só se omite a referência ao Instituto Marítimo-Portuário) abrangidos pelo pedido, como exemplifica (cfr. artigos 8º a 16º da resposta).

    Assim, em consonância com esse regime legal dualista, e tendo em conta que da conjugação dos preceitos pertinentes (e já acima referidos) da Lei n.º 98/97 resulta que a "fiscalização prévia" do Tribunal de Contas incide sobre os actos e contratos dos "institutos públicos" (meramente administrativos), mas não das "empresas públicas", há-de concluir-se diz o Primeiro-Ministro que os actos ou contratos dos entes ora em causa, quando "celebrados de acordo com as regras do direito público" (isto é, actuando aqueles como "institutos públicos em sentido estrito") ficam sujeitos...

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