Acórdão nº 2517/16.6T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | MANUEL AGUIAR PEREIRA |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça ֎ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1.
AA, instaurou acção declarativa com processo comum contra N Seguros, SA, actualmente integrada por fusão na Lusitânia – Companhia de Seguros, SA, pedindo a sua condenação nos termos seguintes: - a pagar-lhe uma indemnização no valor global de 448.185,97 euros, por danos patrimoniais e não patrimoniais por ela sofridos; - a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em posteriormente relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais futuros, decorrentes, nomeadamente, de exames e acompanhamento médico, tratamentos e medicação; - pagar-lhe os juros de mora vencidos e vincendos calculados, em alternativa, nos termos que indica e aqui se dão por reproduzidos.
Alegou a autora para o efeito, muito em síntese, que no dia 22 de agosto de 2011 ocorreu um acidente de viação em que tiveram intervenção um veículo automóvel conduzido pela autora e sua propriedade e um outro veículo conduzido por BB e que embateu violentamente na parte traseira do primeiro quando este se encontrava parado numa fila de trânsito compacta, tendo resultado de tal acidente para a autora múltiplos ferimentos e lesões traumáticas, apresentando desde então as queixas, lesões e sequelas que descreve.
2) A ré contestou o pedido, sem pôr em causa a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, mas alegando que dele resultaram apenas ferimentos ligeiros na pessoa da autora e que esta na autora apresentava desde os seus 22 anos um quadro depressivo grave, tendo acabado por abandonar o acompanhamento que os serviços clínicos da ré vinham fazendo sem permitir uma avaliação final do dano sofrido.
3) No termo da tramitação em primeira instância, após a audiência final viria a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora a quantia global de € 118.051,22, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento, absolvendo-a dos restantes pedidos formulados, e ao Instituto de Segurança Social, IP a quantia de € 4.367,29, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido.
Na condenação do pagamento da indemnização à autora estão englobados os danos de natureza não patrimonial – € 40.000,00 – e os de natureza patrimonial – € 78.051,22 – nas suas várias vertentes: dano biológico e de perda de capacidade de ganho (40.000,00 euros), perdas salarias (2.832,71 euros), despesas médicas e medicamentosas (9.887,89 euros), deslocações (1.570,62 euros), e as consultas e tratamentos médicos futuros (23.760,00 euros).
4) Inconformadas interpuseram recurso de apelação a autora e a ré.
Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de abril de 2022, foram ambos os recursos julgados parcialmente procedentes e a sentença de primeira instância parcialmente alterada, sendo a ré condenada a pagar à autora a quantia global de € 121.011,21 (cento e vinte e um mil onze euros e vinte e um cêntimos), assim repartidos: - a quantia de 61.320,00 euros para ressarcimento do dano biológico (valor actualizado); - a quantia de 21,640,00 euros para ressarcimento do dano não patrimonial (valor actualizado); - as restantes quantias relativas a danos patrimoniais descritas na sentença de primeira instância (perdas salarias – 2.832,71 euros, despesas médicas e medicamentosas – 9.887,89 euros, deslocações – 1.570,62 euros, consultas e tratamentos médicos futuros – 23.760,00 euros) no valor de 38.051,22 euros.
O Tribunal da Relação do Porto, além disso, confirmou a sentença impugnada quanto à absolvição da ré pelos danos alegados concernentes à perda de investimento financeiro e bem assim quanto ao valor da indemnização por danos patrimoniais relativos às alegadas perdas salariais.
֎ ֎ Parte II – A Revista 5) Ainda inconformadas a autora e a ré interpuseram recurso de revista.
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Recurso de revista interposto pela autora: A.1.
Inconformada a autora interpôs recurso de revista, que viria a ser admitido pela formação de Juízes Conselheiros a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil, a título excepcional, quanto à definição do montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do dano biológico em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica.
A autora, ora recorrente, formula as seguintes CONCLUSÕES nas suas alegações de recurso [1]: “1) A Autora não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 11 pontos que lhe foi fixado), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde).
2) A Autora não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
3) A Autora não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em indemnizar a Autora na quantia de €17.024,00, a título de perda de investimento financeiro, por ter tido de trespassar o estabelecimento comercial que montou e cedido a sua quota na firma “G... Unipessoal, Lda”.
4) A Autora não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de perdas salariais relativas ao período de tempo compreendido entre 22/08/2011 e até 22/08/2013.
5) Atenta a matéria de facto dada como provada e constante dos itens n.ºs 17, 33, 34, 41, 42, 47, 48, 49, 50 e 52 dos factos julgados como provados e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora a titulo de dano biológico na vertente de dano patrimonial (diminuição da sua capacidade de ganho para a sua profissão em concreto em consequência da diminuição de capacidades funcionais decorrentes do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos que lhe foi fixado), deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a € 100.000,00 (Cem Mil Euros).
6) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores: 1. A Autora, à data do embate, tinha 37 (trinta e três) anos de idade, tendo nascido a .../.../1974 – fls. 61/62 (L).
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Ao exame objetivo, a Autora apresenta: - discinesias faciais e do membro superior esquerdo; - adota postura assimétrica à custa da elevação do ombro esquerdo com projeção anterior do mesmo, cotovelo esquerdo ligeiramente fletido e membro em adução; - levanta-se com frequência da cadeira ou adota ligeiras alterações na sedestação; - mobilidades dolorosas na coluna lombar.
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Exames complementares de diagnóstico: c) exame de psiquiatria realizado no ... do qual se extrai: considera-se que a examinanda preenche critérios para o diagnóstico psiquiátrico de perturbação neurótica não especificada.
Não obstante os antecedentes psiquiátricos prévios, após o acidente de viação verificou-se um claro agravamento do quadro psiquiátrico, com sintomatologia ango-depressiva e somática relevante e reativa ao acontecimento, com necessidade de ajustamentos e intervenções terapêuticas complementares. Atendendo à natureza e grau das alterações psicopatológicas referidas, considera-se que o seu impacto adicional na eficiência pessoal e profissional da examinanda, relativamente ao grau de funcionamento prévio, é moderado.
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Exame neurológico levado a cabo na Delegação do Centro do qual releva: paciente com antecedentes psiquiátricos, depressões major recorrentes com ideação suicida, revelando marcadas alterações do humor correspondentes a estado angodepressivo não controlado, com repercussão comportamental e afetiva, a que se associa quadro discinético-distónico generalizado, mas assimétrico de predomínio braquial esquerdo com dolorosa repercussão funcional motora ativa e passiva. Este enquadramento clínico determina um sinergismo sintomático intensamente eficaz, concretizando uma espiral de agravamento clínico e sintomático. Trata-se, portanto, de uma situação de distonia tardia de provável indução farmacológica a que não é alheia também a instabilidade emocional e afetiva que a sinistrada padece.
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O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 11 pontos: sintomatologia ansiosa e depressiva reativa ao acontecimento enquadrável em Nb 1202 – 11 pontos; 5. As sequelas de que a Autora ficou a padecer são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional de gestora de estabelecimento de estética, compatíveis com exercício de tal atividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
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A Autora padece, ainda, das seguintes queixas: a) náuseas e tonturas; b) períodos de obstipação; c) humor lábil, com períodos de depressão e tristeza; já teve ideação suicida; d) alterações de memória, do sono, e da capacidade de concentração; e) sente que a sua vida se desmoronou desde o acidente; f) lombalgias e cefaleias ocasionais; g) sente tremores que lhe condicionam falta de precisão na manipulação de objetos; h) socialmente sente-se afetada pelos tiques que evidencia.
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A Autora concluiu, a 11/07/2003, o primeiro ciclo de estudos em Gestão na Universidade ... – fls. 821.
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A Autora tem também como habilitações a categoria profissional de “...” – fls. 121/122.
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A Autora trabalhou por conta de outrem: a) para a sociedade C..., S.A., entre novembro de 2008 e abril de 2009, auferindo a remuneração base de € 1.250,00 – fls. 901/902; b) para a sociedade P... Sociedade Unipessoal, Lda, entre janeiro e março de 2007, auferindo a remuneração base de € 2.160,00 – fls. 902.
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À data do acidente (22/08/2011), a A. encontrava-se a desenvolver um projeto de criação de uma empresa no ramo da estética, da qual seria gestora.
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A A. exerceu as funções de “..., ... e de ...” entre fevereiro de 2012 e dezembro de 2012 –...
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