Acórdão nº 1436/19.9T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução28 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Carlos Moreira 1.º Adjunto: Rui Moura 2.º Adjunto: Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

AA, instaurou contra A..., SA, atualmente denominada B..., SA, a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Pediu a condenação da ré: i) no pagamento das quantias de € 36.919,36, a título de indemnização por danos patrimoniais, e de € 250.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de 8%.

ii) no pagamento da quantia de € 8.200,00, “a título de sanção pecuniária compulsória decorrente do art. 40º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, à razão de € 100,00/dia contados desde 05/07/2019 até à atualidade, acrescido de € 100,00/dia e até que a não assunção de responsabilidade seja devidamente fundamentada”; iii) no pagamento de “uma renda vitalícia anual no valor de € 2.000,00 a contar do ano subsequente à interposição desta ação e que deverá perdurar até ao termo da vida da demandante”.

Alegou: Foi vitima de um acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ..-..-UL, sendo certo que a responsabilidade civil emergente dos danos causados pela circulação deste veículo tinha sido transferida para a seguradora Ré.

Para além da fratura, em vários pontos, do membro superior direito, “esta ocorrência, associada à indispensável submissão a intervenção cirúrgica para eliminar as referidas fraturas, agravou sobremaneira a evolução da pré-existente doença de Parkinson de que a demandante sofre, fazendo-a perder o equilíbrio, o que causou subsequentes quedas e fraturas, com submissão a novas intervenções cirúrgicas”.

Devido ao acidente foi submetida à realização de “diversos exames, análises, internamentos, tratamentos de fisioterapia, cirurgias e tratamentos farmacológicos”, despendendo o montante global de € 36.919,36.

A Ré, interpelada para proceder ao reembolso das quantias despendidas pela Autora, assim como para indemnizar os danos não patrimoniais pela mesma sofridos, se limitou a comunicar, através de email datado de 5 de julho de 2019, que não concorda com o pedido que lhe foi dirigido.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 40º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, é devido pela Ré o pagamento “de uma quantia diária de € 200,00 por cada dia de atraso”, assim como o pagamento de juros de mora calculados ao dobro da taxa legal.

A Ré contestou.

Impugnou parte dos factos descritos na petição inicial.

Acrescentou que “assumiu, após averiguação do sinistro, a responsabilidade pela ocorrência, o que fez em devido tempo e dando cumprimento ao estatuído ao disposto no artigo 40º do Dl 291/2007 de 21 de agosto”.

No entanto “não foi possível o consenso com a aqui Autora, porque no seu entender algumas das queixas apresentadas não tinham nexo causal com o sinistro dos autos, decorrendo, antes, de patologias pré-existentes e, nesse sentido, também não têm nexo causal as despesas apresentadas”.

Assim, disse, “os danos peticionados são manifestamente exagerados”, devendo a presente ação declarativa ser julgada de acordo com a prova a produzir em sede de audiência final.

No decurso da audiência final a Autora requereu que o pedido relativo à renda vitalícia por si solicitada seja ampliado, de forma a que lhe seja atribuída uma renda vitalícia mensal de, pelo menos, € 2.500,00, a apurar em sede de incidente de liquidação, o que foi admitido.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 18.459,68 (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 8%, desde o dia 1 de outubro de 2019 até integral pagamento, bem como a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 8%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

    Decido ainda condenar a Ré a pagar à Autora uma renda mensal vitalícia no valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros), com início a 25 de outubro de 2019, absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.

    Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 67,97% e 32,03%, respetivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), ficando ambas as partes dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.».

  2. Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A – Com fundamento no alegado e evidenciado nos precedente nº 6 a 20 das alegações de recurso e com base nos depoimentos testemunhais de natureza clínico-profissional prestados por BB e por CC, deve-se aditar à factualidade provada na sentença recorrida que o acidente de viação dos autos e seus efeitos imediatos e mediatos aceleraram e anteciparam em cerca de 15 anos, em média, o actual estado em que a A. se encontra, o qual, mesmo assim, poderia não ter sido atingido com a intensidade e a extensão no estado de saúde da A. com que efectivamente se manifestou., alterando-se apenas nesse sentido a decisão proferida em sede de matéria de facto na mencionada sentença.

    B – Na sentença recorrida não foi feita uma correcta aplicação do preceituado no art. 494º e 496º nº 3 do Cod. Civil, dado que, a limitação da indemnização a montante inferior aos danos causados decorrente da sua fixação equitativa no caso de responsabilidade civil causada por mera culpa prevista no art. 494º do Cod. Civil, aplicável aos danos não patrimoniais “ex vi” do nº 3 do art. 496º do invocado diploma legal, pressupõe que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, assim como as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

    C – Ora, conforma claramente flui da factualidade assente nestes autos, o grau de culpabilidade do condutor do veículo sinistrante é bastante elevado, embora a título negligente, como bem o classifica a Sra. Juiz “a quo” a pag. 41 a 44 da sentença recorrida, cuja responsabilidade foi para a Apelada transmitida por via da celebração do contrato de seguro automóvel.

    D – A situação económica da Apelada, como seguradora que é e para quem a responsabilidade do lesante se transferiu pela referida forma, é bastante elevada, como é do conhecimento e do domínio publico, não carecendo, por conseguinte, de alegação e de prova, para além de que todas as demais circunstâncias do caso de que a sentença dá conta não são de molde, nem de perto nem de longe, a consentir o recurso à limitação da indemnização a valores inferiores aos danos reais decorrentes do instituto da equidade e que se não mostra minimamente justificado.

    E – conforme resulta do alegado e evidenciado nos precedentes nº 6 a 21 destas alegações, o estado de saúde da Apelante antes do acidente encontrava-se estável, situando-se o síndromo Parkinsónico de que padece num estado intermédio, com manifestações dos seus efeitos muito ligeiras e controladas por medicação e fisioterapia adequadas, não sendo minimamente previsível a ocorrência de quedas, subsequente fracturações ósseas e consequentes intervenções cirúrgicas, como, aliás, atestam os depoimentos clínicos prestados por BB e por CC.

    F –O acidente automóvel, tal qual o efeito de uma pedrada num pacífico e estável lago, provocou súbita e brutalmente uma aceleração abrupta na progressão da doença de Parkinson que levou à verificação de uma primeira intercorrência clínica como resultado imediato do sinistro e, sucessivamente, à ocorrência de quedas frequentes, com quebras ósseas e consequentes intervenções cirúrgicas, que, por seu turno, forçaram a interrupção da medicação e da fisioterapia que a Apelante vinha regularmente seguindo, o que se assemelha à ocorrência de uma súbita, forte e imparável ondulação no dito lago, outrora tranquilo, por efeito da força do choque daquele impacto e cujos efeitos se produzirão até à exaustão.

    G –Se o acidente não tivesse ocorrido, nunca a Apelante teria sofrido as provações de que foi vítima que, recorde-se, ocorreram num curto espaço de tempo de somente 3 anos a contar da data da ocorrência do sinistro, o que não era minimamente previsível do ponto de vista clínico que viesse a suceder, pois o horizonte temporal em que tal, eventualmente, poderia, progressiva e lentamente, verificar-se, se situa numa escala de 10 a 15 anos, tal como, aliás, é na sentença recorrida reconhecido.

    H – Deste modo, a indemnização por danos não patrimoniais deveria ter sido fixada em consonância com o montante peticionado, o qual corresponde não só ao valor real do dano, mas também à sua função punitiva, nunca numa escandalosa e humilhante proporção de apenas 32% do que foi a esse título peticionado.

    I – Assim sendo e face a todo o exposto a Sra. Juiz “a quo”, ao ter decidido como decidiu, violou o disposto no art. 494º e 496º nº 3 do Cod. Civil, pelo que, com esse fundamento, deve a sentença ora recorrida ser parcialmente revogada e substituída neste segmento em concreto por outra decisão que fixe uma indemnização por danos não patrimoniais de valor idêntico ao peticionado, ou seja, no montante de € 250.000,00.

    J – No que à indemnização por danos patrimoniais sofridos pela A. Apelante respeita, o recurso às regras de equidade para fixar o seu montante não tem o mínimo de justificação no caso em apreço, até porque o disposto no art. 566º nº 3 do Cod. Civil o impede. Com efeito, K – nos nºs. 74º, 80º e 83º da factualidade provada, com reflexo nas pags. 69 a 71 da sentença recorrida, a Sra. Juiz “a quo” considerou como assente que a Apelante sofreu um dano patrimonial no valor de € 36.919,36 com a realização de tratamento de fisioterapia, aquisição de medicamentos, realização de exames, consultas e tratamentos médicos, internamento hospitalar, cirurgias, alojamentos e cuidados continuados, transportes, terapia...

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