Acórdão nº 2165/19.9T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.

I – RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Central Cível ... - Juiz ..., AA, solteira, residente na Rua ..., ... ..., instaurou contra o ‘BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.’, com sede na Av. ..., ..., ... ..., acção declarativa, com processo comum, pedindo que o Réu seja condenado a indemnizar a Autora no montante de €100.000,00, acrescido de juros de mora devidos desde 09/05/2016 e até efetivo pagamento, sendo o seu montante vencido até 27/06/2019 de €12.536,99, além de dever o R. pagar uma indemnização à A. por danos não patrimoniais causados, no valor de €5.000,00.

Para tanto e em resumo alegou que o Banco Réu foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior `Banco BIC Português, SA`, no ‘BPN – Banco Português de Negócios, SA’.

Que o atual Banco BIC é detentor de todos de todos os direitos e obrigações que o anterior BPN detinha à data da fusão.

Que o BPN, em 08 de Maio de 2006, colocou no mercado obrigações emitidas pela ´Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA’, sociedade esta que até 11/11/2008 foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN, estando este registado na CMVM como intermediário financeiro, pelo que estava sujeito aos deveres e obrigações que, no exercício dessa atividade, lhe são impostos pelo Código de Valores Mobiliários.

Que essas obrigações eram denominadas ‘Obrigações SLN 2006’ e que o BPN transmitiu aos seus clientes a informação de que se tratava de um produto seguro e sem qualquer risco, que correspondia a um investimento num produto BPN, com capital integralmente garantido, como se de um depósito a prazo se tratasse.

Porém, essas obrigações não tinham a garantia de pagamento do capital investido nas mesmas, sendo que o risco de pagamento do capital nelas investido recaía na sociedade emitente, não no BPN.

Que a A. era, à data, detentora de uma conta de depósitos à ordem junto do Balcão de ... do BPN, tendo sido aconselhada pelos funcionários do BPN a investir €100.000,00 nas referidas obrigações, por proporcionarem uma boa rentabilidade e com capital garantido pelo BPN, sem qualquer risco.

Nada mais foi a A. informada sobre tal produto, pelo que a A. confiou nas ditas informações, pois é uma pessoa humilde, sem conhecimentos da área financeira.

Face ao que a A. ficou detentora de duas obrigações SLN 2006, no valor de €50.000,00 cada.

Que em 9 de Maio de 2016, data de vencimento das ditas obrigações, não foram as ditas pagas, nem posteriormente, não tendo o Banco Réu assumido esse pagamento.

Que permanece por pagar o capital subscrito pela A., dado que em 29/06/2016 foi declarada a insolvência da sociedade Galilei, SGPS, SA.

Que o BPN ocultou, de forma deliberada, informações sobre o referido produto financeiro, designadamente a sua verdadeira natureza, fazendo acreditar que se tratava de um mero depósito a prazo, sem qualquer risco associado, pelo que violou os seus deveres de informação enquanto intermediário financeiro, e fê-lo com dolo ou com culpa grave, causando danos patrimoniais e não patrimoniais à A..

Face ao que é o Réu, enquanto intermediário financeiro, responsável por indemnizar a A., nos termos peticionados.

Razões pelas quais se demanda o Banco Réu.

Contestou o Réu, impugnando o alegado pela A. e alegando, muito em resumo, que informou devidamente a A., a qual até sempre auferiu os juros contratuais fixados e nunca reclamou dos mesmos.

Que o produto financeiro em questão era um produto seguro à data da sua emissão, o que apenas deixou de o ser aquando da nacionalização do capital do BPN.

Que a A. sempre soube o tipo de produto que subscreveu, tanto mais que antes subscreveu outros produtos idênticos.

Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

* Proferida a sentença, nela foi decidido julgar a ação improcedente, com absolvição do Réu do pedido.

* Dessa sentença interpôs a Autora recurso de Apelação, tendo a Relação de Coimbra decidido nestes termos: “Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a impugnação relativa à decisão de facto proferida, nos termos supra referidos, e procedente o recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida e julgando parcialmente procedente a presente ação, com a condenação do Réu no pagamento à A. do montante de €100.000,00 (cem mil euros), montante este acrescido de juros de mora contados desde 09/05/2016 e até efetivo pagamento, à taxa dita legal, nos termos dos artºs 805º, nº 1, als. a) e b), 806º, nºs 1 e 2, 559º, nº 1, do C. Civil, e Portaria nº 291/2003, de08/04.”.

* Inconformado com o assim decidido pela Relação, vem o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A interpor recurso de Revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: 1) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 2) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 3) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 4) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 5) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

6) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 7) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 8) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

9) Ao parecer entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto, 10) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

11) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

12) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível.

13) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

14) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

15) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

16) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

17) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

18) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam: a.

  1. Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado; c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do...

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