Acórdão nº 4451/17.3T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA intentou contra o Banco B.I.C. PORTUGUÊS, S.A., acção de processo comum com vista à sua condenação no pagamento de € 117.504,11 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência das aplicações feitas pelo Réu do montante de € 100 000, ali depositado pelo Autor.

Invocou para tanto e em resumo, que efectuou aplicações em tudo iguais a um depósito a prazo, sendo o seu dinheiro aplicado em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", sem que o A. soubesse em concreto em que consistia tal produto, desconhecendo que a SLN era uma empresa, tendo dado autorização para a sua aplicação pelo facto de lhe ter sido assegurado pelo gestor de conta que o capital era garantido pelo banco R., com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a R. com três dias de antecedência, tendo o A. actuado convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com características de depósito a prazo. Acrescentou que a falta de informação sobre o produto em causa leva à obrigação de ressarcimento dos prejuízos por si sofridos e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 100.000,00.

Concluiu pedindo, em qualquer dos casos, o pagamento do capital investido acrescido de juros de mora vencidos desde o dia seguinte à obrigação de restituição do capital, em 26-10-2014 (que importam em € 12.504,11), bem como os juros vincendos, a ainda a ressarci-lo pelos danos morais sofridos com a perda do seu capital, para o que pede indemnização de € 5.000,00.

O Banco Réu contestou, excepcionando a prescrição do direito do Autor, por terem decorrido mais de dois anos sobre o conhecimento pelos mesmos da conclusão do negócio e respectivos termos, com invocação do Art. 324° do Cod. dos Valores Mobiliários. Mais impugna o R. a pretensão do Autor, alegando em síntese que o Autor deu instruções para que procedesse à aplicação dos valores em causa tal como foi feita e relatando que subscreveu as obrigações por si, adquiridas enquanto intermediário financeiro, por sua livre e esclarecida vontade, agindo de acordo com a vontade do subscritor, sabendo perfeitamente que não tinha um depósito a prazo ou algo parecido, pois que foi prestada ao A. informação completa quanto às obrigações por aquele subscritas.

* O A. veio responder à excepção de prescrição, no sentido da sua inexistência, por considerar ser inaplicável o prazo de 2 anos previsto no art. 324°, n° 2 do CMVM, devendo ser aplicado o prazo de 20 anos previsto no art. 309° do Código Civil.

* Findos os articulados, foi designada data para realização da audiência prévia na qual, resultou frustrada a tentativa de conciliação, tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.

* Realizado o Julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Nestes termos julga-se a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: 1 - Condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 112.504,11 (Cento e doze mil quinhentos e quatro euros e onze cêntimos) a que acrescem juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sobre € 100. 000 (Cem mil euros) desde 11 de Dezembro de 2017 e até efectivo e integral pagamento.

2 -Absolvo o Réu do demais pedido.

O Réu interpôs recurso de apelação, tendo a Relação do Porto, em acórdão, confirmado a sentença.

* De novo inconformado, vem o Réu Banco BIC Português, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1) O Recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente e mormente quanto ao risco de insolvência da entidade emitente.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso, 7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a), b) e c) do Código de Processo Civil.

Dito isto, 9) A menção à expressão capital garantido, ou de capital garantido pelo Banco, não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer sentido de desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF.PINTOMONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 11) A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

12) Ora, a apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! Apenas são o que parecem, uma enumeração de características de um produto! Portanto, devem ser lidas ou interpretadas de forma literal, não se prestando a variações tão relevantes que conduzam a uma desinformação a um ponto que se julgue a informação falsa e omissa! 13) O mesmo vale para a menção de que o capital seria garantido pelo Banco. De facto, o Banco era uma sociedade-filha da entidade emitente, detido a 100% por esta! E por essa simples circunstância, o Banco sempre asseguraria o bom cumprimento de todas os deveres e obrigações da entidade emitente, por integrar o património desta! 14) O certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante! 15) Nunca é demais sublinhar que o douto aresto recorrido parece fundar a sua posição exclusivamente na existência de um suposto risco de cumprimento que não teria sido informado, e mais, que teria sido dissimulado por via do recurso às expressões capital garantido ou capital garantido pelo Banco.

Ora, 16) Como acabamos de verificar, não corresponde à verdade que aquelas expressões tivessem qualquer tipo de intuito enganoso, correspondendo, ao contrário, à verdade de que um produto que era, de facto, conservador e seguro! De resto 17) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

18) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

19) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento! 20) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma...

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