Acórdão nº 191/13.0TCFUN.L1.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA e BB intentaram contra o Millennium - Banco Comercial Português, SA acção declarativa com processo ordinário alegando, em síntese, que em Julho de 2007 constituíram no banco réu um depósito a prazo no valor de 750 000,00 euros com juros convencionados e garantindo o réu a sua segurança e restituição a qualquer momento, mas tendo investido esta quantia na aquisição de títulos do K... Bank sem o consentimento dos autores, o que só veio ao conhecimento destes quando, em 17 de Dezembro de 2009, o réu lhes enviou uma comunicação escrita instando-os a reclamar os seus créditos junto do referido banco por o mesmo ter entrado em situação de insolvência, perante o que o autor reclamou a restituição do montante depositado e solicitou os documentos de suporte das aplicações, o que o réu não foi capaz de satisfazer, embora recusando a restituição do depósito, invocando que a operação foi efectuada ao abrigo das instruções dos autores, o que é falso, pois o réu actuou por sua conta e risco, nada tendo comunicado aos autores, que assim perderam a quantia depositada, o que determinou a impossibilidade de investimentos e causou preocupações e sofrimento.

Concluíram pedindo a condenação do réu a pagar-lhes (a) a quantia de 928 875,00 euros, correspondente ao capital de 750 000,00 euros e juros convencionais vencidos desde 7/10/2008, bem como os juros vincendos, (b) a indemnização de 2 000 000,00 euros por prejuízos materiais e (c) a indemnização de 100 000,00 euros por danos não patrimoniais.

O réu contestou arguindo a excepção da prescrição por já ter decorrido o respectivo prazo legal de dois anos desde a data em que os autores alegam ter tido conhecimento do investimento, sendo certo que tiveram conhecimento muito antes, mediante o recebimento de extractos bancários que mencionavam a aquisição dos títulos; por impugnação, alegou, em síntese, que os autores são clientes do contestante há vários anos, no decurso dos quais se revelaram investidores experientes, com um vasto histórico de realização de investimentos financeiros de risco igual ou superior ao dos títulos em causa, sendo a quantia reclamada o resultado desses investimentos, tendo a mesma sido transferida para a conta dos autores com o objectivo de vir a ser aplicada em investimentos financeiros, para o que os autores constituíram três depósitos a prazo, acordando em prazos curtos para serem libertados os fundos necessários ao investimento de aquisição dos títulos em causa, o que foi executado por instrução dos autores, que sabiam estar a realizar um investimento financeiro e não um depósito a prazo, não exigindo a lei que tal instrução fosse dada por escrito e vindo os autores a perder o investimento devido aos factos imprevisíveis relacionados com a conjuntura financeira que se verificou na altura.

Concluiu pedindo a procedência da excepção de prescrição e a improcedência da acção.

Os autores replicaram, opondo-se à excepção de prescrição e mantendo a versão da petição inicial.

Os autos foram saneados, tendo sido remetido para final o conhecimento da prescrição e procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu o réu do pedido.

* Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa, em acórdão (de 08.02.2018), julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença.

** De novo inconformados, vieram os Autores interpor recurso de revista excepcional, alegando e formulando conclusões, onde, para além do mais, arguiram a nulidade de omissão de pronúncia do acórdão recorrido, por não se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade invocada nas alegações do recurso de apelação, o que fizeram nos seguintes termos: - A posição assumida no acórdão recorrido, relativamente à inconstitucionalidade suscitada, na interpretação dada ao artigo 312° do CVM e artigo 591° do CCivil, implicando a violação dos artigos 37° e 62° da Constituição da República, constitui nulidade por omissão de pronúncia que, para todos os efeitos, se arguiu.

- O douto acórdão recorrido violou, além de todas as disposições legais citadas no texto das alegações, os artigos 37° e 62° da Constituição da República, artigos 364°, 393°, 539°, 540°, 591°, 762° n°2, 796°, 798°, 799° e 800°, 1142°, 1144°, todos do CCivil, artigos 7°, n° l, 30°, 289°, 290°, 291°, 295°, 304°, 312°, 314°, 327°, 375° do CVM e 70° a 79° do RGICSF, artigo 407° do C. Comercial e artigo 8o da Lei 24/96, de 31/7, artigo 848° n° l, 463° e 574° n°2 e 521° e 663° do C.Processo Civil.

O recorrido contra-alegou, sustentando, quanto a esta matéria, que não há omissão de pronúncia porque o acórdão recorrido, na sua página 27, pronunciou-se sobre a arguição de inconstitucionalidade.

Subido o processo ao Supremo Tribunal de Justiça, foi (em 23.05.2019) proferido despacho que, entendendo haver omissão pronúncia do acórdão recorrido relativamente à arguição de inconstitucionalidade, decidiu nos seguintes termos: "Pelo exposto, determino a baixa dos autos à Relação, a fim de ali se tomar posição sobre a invocada nulidade do acórdão recorrido".

A Relação, por acórdão proferido em conferência (em 12.09.2019), proferiu, então, a seguinte decisão: “Pelo exposto, acorda-se (1) em julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão recorrido e, caso assim não seja entendido pelo Tribunal Superior, (2) em julgar improcedente a arguição de inconstitucionalidade da sentença da 1a instância.”.

Mais uma vez inconformados, vieram os autores arguir a nulidade deste acórdão de 12.09.2019, porque (dizem) a respectiva decisão deveria ter sido proferida apenas pela relatora e não em acórdão pelo colectivo (“uma vez que a Conferência já não tinha competência para intervir, nesta fase” – dizem os Recorrentes).

A Relação (considerando manifesta falta de razão dos recorrentes) julgou improcedente esta arguida nulidade e admitiu o recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

** Nas alegações de revista são apresentadas as seguintes CONCLUSÕES A. ALEGAÇÕES INICIAIS (principais): - Quanto à admissibilidade do recurso excepcional de revista

  1. Da relevância jurídica [alínea a) do n° 2, do art0 672° do CPCivil] 1. Estão em causa questões de especial relevância jurídica no âmbito da actividade financeira e da relação do cidadão consumidor com as instituições de crédito, envolvendo regras e princípios que dimanam de normas comunitárias (Regulamentos e Directivas).

    1. Igualmente relevante juridicamente é a controvérsia sobre o sigilo bancário e a liberdade (ou não) dos funcionários bancários poderem depor a favor do Banco R., com violação de tal sigilo, sem o consentimento dos respectivos clientes, neste caso os AA..

    2. Não menos importante é a questão da exigência de documento escrito, ou "redução a escrito", tanto para a ordem de investimento, como para a observância do dever de informação estabelecido, tanto no Regulamento Geral das Instituições de Crédito - art° 77°, como no Código de Valores Mobiliários - art° 312° e 327° - e a sua caracterização como documentos ”ad probationem ".

    3. Igualmente relevante é a questão do ónus da prova do ilícito, face à presunção de culpa relativamente aos deveres de informação, por parte do Banco recorrido, como intermediário financeiro e o seu correcto enquadramento no âmbito da responsabilidade civil, subordinada aos princípios e especiais exigências do Direito Bancário.

  2. Da especial relevância social dos interesses em causa [alínea b) do n° 1, do art° 672° do CPCivil] 5. Estão em causa questões associadas a um período conturbado do sector bancário e à grave crise social ocasionada por perdas brutais de pequenos investidores, como era o caso dos recorrentes, que viram as suas poupanças utilizadas, por iniciativa do próprio Banco R., na aquisição de produtos financeiros, que colapsaram e comprometeram qualquer eventual esperança de poderem contar, com as suas economias como um complemento às suas pensões.

    1. E pública e conhecida a repercussão social dessas brutais perdas e das quebras bancárias, significativamente designada por "Resolução" e a envolvência de todos os órgãos de soberania nessas questões, tanto por via de Comissões de Inquérito, como através da apresentação de iniciativas legislativas, como foi o caso da Proposta de Lei 64/13 por parte do Governo.

  3. Do fundamento do presente Recurso Excepcional de Revista, com base na alínea c) do n.°l,e alínea c) do n.° 2 do art0 672°, CPC.

    1. O Acórdão recorrido está em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, que adiante se identificará, relativamente ao acórdão do STJ, já transitado em julgado, de 17-12-2014, processo 1786/12, Sumários 211, pág. 709.

    2. Efectivamente, no douto Acórdão sob Recurso refere-se já o facto de, nas "conclusões " do apelante indicar os pontos de facto que pretende ver alterados, não indicando alguns a que fez referência no corpo das alegações, consubstancia uma restrição do objecto inicial do Recurso nos termos do art° 635° do CPC, pelo que se conhecerá os pontos de facto indicados nas conclusões.

    3. Em virtude tal oposição sobre a mesma questão fundamental de direito - ser exigível, ou não, reportar às conclusões os pontos de facto que se pretende alterar, o sentido de tal alteração e os elementos probatórios que o justificam - como indispensável para o conhecimento de tal matéria pelo Tribunal de Recurso ou baste tal menção no corpo das alegações, justificando-se, assim, também a este título, a admissão do presente recurso excepcional de revista.

    4. Aliás, a este propósito vale a pena citar o Prof. Jorge Miranda, quando lembra não poder o direito de recurso, ser objecto de interpretação restritiva, ao referir: "O direito de recurso - à semelhança, aliás, do direito de reclamação do despacho que não admita o recurso - constitui, inclusivamente, em coerência com a relevância dos direitos processuais no sistema de direitos fundamentais consagrado...

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