Acórdão nº 906/17.8T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., lugar de ..., ..., comarca ..., intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

, deduzindo o seguinte petitório: - ser o Réu condenado a restituir e a pagar à Autora a quantia de € 55.897,81 (cinquenta e cinco mil oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e um cêntimo), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), desde a citação e até integral e efectivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna[1].

Citado, o Réu, veio o contestar, invocando: > A ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir; > A prescrição do direito da Autora, por já ter decorrido o prazo de 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação de transacção por parte do intermediário financeiro; > A excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium; E impugnando, aduziu, em súmula, que: > As Obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco-R.; > Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada; > Vale isto por dizer que já qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, com garantia de capital, no sentido de que o seu valor de reembolso não sofre variações de natureza especulativa ou sequer que resultem de qualquer tipo de negociação; > E cujo único risco é o risco geral do incumprimento, existente em todos os contratos; > A esta segurança acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património; > Pelo que dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro ou conservador como a subscrição daquelas obrigações; > Tal produto era efectivamente seguro e de baixíssimo risco, tendo o incumprimento acabado por ser determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais; > À data da subscrição, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria, necessariamente, uma prévia insolvência do próprio Banco, por ser um seu activo ; > Pelo que, também por aqui, o risco da aplicação era semelhante ao de um depósito bancário no próprio Banco ; > Sendo que nenhuma informação falsa foi transmitida à Autora; > O produto era conservador e de risco equivalente ao do próprio Banco, pelo que encaixava perfeitamente no perfil de investidor da Autora; > O gestor explicou à Autora a natureza do produto, que a sociedade emitente era a sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto naturalmente seguro, com um nível de risco equivalente ao do próprio Banco; > As condições do produto foram-lhe explicadas, acompanhadas da respectiva nota técnica, o que a Autora compreendeu de forma exaustiv ; > Tendo dado ordem expressa para a subscrição dos ditos instrumentos financeiros; > Ademais, nunca a Ré disse á Autora que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN.

Conclui, no sentido da improcedência da acção e, por tal via, pela sua consequente absolvição do pedido.

Por despacho de fls. 118 e 119, datado de 20/03/2017, nos termos dos artigos 3º, nº. 3 e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, determinou-se a notificação da Autora para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções arguidas na contestação.

Notificada, veio a Autora pronunciar-se sobre as excepções deduzidas - cf., fls. 122 a 125 -, negando a existência de nulidade principal por ineptidão da petição inicial, que existe dolo ou culpa grave na actuação do Réu, pelo que o prazo prescricional é de 20 anos, nos termos do artº. 309º, do Cód. Civil e negando a existência de qualquer abuso de direito Conclui, pela improcedência das excepções deduzidas, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores trâmites.

Fixado o valor da causa e dispensada a realização de audiência prévia, foi indeferida a suscitada nulidade principal por ineptidão da petição inicial, saneados os autos, relegada para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição e fixados o objecto de litígio e os temas de prova.

Foram, ainda, apreciados os requerimentos probatórios e designada data para a audiência final.

Foi realizada a audiência de julgamento, conforme resulta da acta de fls. 155 e 156, com observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido julgar improcedente a acção e, consequentemente absolvo a ré do pedido formulado pela Autora. Custas pelos AA. Notifique e registe”.

Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 16/10/2017, por referência à decisão prolatada.

Conforme Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 07/02/2019 - cf., fls. 374 a 425 -, foi decidido: 1.

determinar a ampliação da matéria factual apurada, no que concerne ao ponto factual alegado no artº. 71º da petição inicial, na parte em que refere que a Autora, caso se lhe tivesse sido mostrado e explicado o conteúdo da nota informativa respeitante ao produto financeiro em apreço (ou mesmo da informação existente a nível interno, mencionada no facto 15.), nomeadamente no que se refere à Subordinação do produto financeiro proposto, não teria efectuado o investimento naquela Obrigação; 2. consequentemente, determinar, nos termos do artº. 662º, nº. 2, alín. c) e 3, alín c), do Cód. de Processo Civil, a anulação da sentença recorrida/apelada, devendo o julgamento a efectuar cingir-se apenas à produção probatória citada, sem prejuízo “da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições”; 3. após, deverá ser prolatada nova sentença, na qual deverá figurar resposta à matéria factual omitida; 4. em considerar, atento o supra exposto e, pelo menos, por ora, ocorrer prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto da presente apelação; …

.

* Cumprido o determinado, foi designada nova data para a audiência final, após a qual foi prolatada nova sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido julgar improcedente a acção e, consequentemente absolvo a ré do pedido formulado pela Autora. Custas pelos AA. Notifique e registe”.

Novamente inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, por referência à decisão prolatada, vindo, a final, por Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 27 de Maio de 2021, a ser decidido: 1.

julgar totalmente improcedente o recurso interposto ; 2.

confirmar, ainda que com argumentação não totalmente coincidente, o juízo absolutório feito constar na sentença recorrida/apelada

[2].

** Mais uma vez inconformada, veio a Autora AA interpor recurso de revista ordinário, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: « B.

O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada interpretação e aplicação da lei.

C.

A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e até do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, bem como deste Colendo Tribunal.

D.

É um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial, a forma como o Banco réu comercializava as obrigações SLN aos seus balcões. à forma como eram comercializadas as obrigações SLN aos balcões do Banco réu, originada pela situação financeira que a mesma então atravessava.

E.

Tanto o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, como o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido, prolataram, entre muitos outros, em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC), um grande conjunto de acórdãos.

F.

Em todos eles se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar da existência do nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o prejuízo sofrido pela autora, ora recorrente.

G.

Sendo certo que não existem processos ou «casos» iguais, neles assomando diversas realidades e uma multiplicidade de questões de facto e de direito, certo é também que é já um facto conhecido do público em geral a situação económica e financeira da SLN aquando da subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 e o modus operandi utilizado pelo Banco réu para as comercializar, aos seus balcões.

H.

Independentemente de estarem em causa, do lado ativo, diferentes sujeitos e de serem diversos os factos alegados em cada caso já levado a tribunal, ou até da variedade de factos provados e não provados, em função quer dos meios de prova apresentados, quer da diversidade de tribunais que os apreciam em diversas circunscrições e instâncias judiciais, o certo é que todos eles se reportam à forma como eram comercializadas as obrigações SLN aos balcões do Banco réu, originada pela situação financeira que a mesma então atravessava - tal facto é um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial.

I.

A representação, razoavelmente feita pela autora, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

J.

No caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou a autora, que perdeu o valor...

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