Acórdão nº 758/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 758/2022

Processo n.º 667/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de março de 2022, pedindo a fiscalização concreta das seguintes normas de Direito ordinário, por violação das seguintes normas e princípios constitucionais:

A.) Artigos 365.º-A, 256.º, n.º 1, als. b) e c), e n.º 3 e 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), todos do Código Penal (CP) interpretados no sentido de que permitem julgamento e condenação penais por crimes de branqueamento de capitais, falsificação de documentos e burla qualificada, respectivamente, depois de, pelos mesmos factos, o agente ter sido julgado e condenado por crimes de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo artigo 105.º. n.º 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), ainda que o conjunto de factos subjacente a ambos os processos seja o mesmo, arguindo violação do princípio constitucional ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa;

B.) Artigo 368.º-A, n.º 5, do CP na redação conferida pela Lei n.º 83/2017 de 17 de agosto, interpretada no sentido de que a norma pode ser imediatamente aplicável a factos “anteriores a agosto de 2017 e, assim, anteriores à referida redação”, arguindo violação do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.

A. interpôs ainda um segundo recurso para este Tribunal Constitucional, também ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, este do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de maio de 2022, que apreciou subsequente incidente de reclamação de nulidade, pedindo a fiscalização concreta das seguintes normas de Direito ordinário e apelando a violação das seguintes normas e princípios constitucionais:

A.) Artigos 203.º, 204.º, 213.º, n.º 4, 216.º e n.º 1 do artigo 217.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o disposto nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do CPP, interpretados no sentido segundo o qual pode haver lugar à substituição da secção competente para o julgamento do recurso, através de nova distribuição, que não seja comunicada ao arguido, e no sentido em que não é nulo o Acórdão elaborado por uma secção, apurada na sequência de uma redistribuição sem fundamento dado a conhecer ao Arguido, arguindo violação do princípio do juiz natural e do disposto no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa;

B.) Artigos 123.º, n.º 1 e 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, isoladamente ou conjugados, do mesmo diploma, interpretados no sentido segundo o qual o Arguido não tem de ser notificado da redistribuição do recurso penal a distinta secção e que a irregularidade não tem como consequência a nulidade do Acórdão proferido, arguindo violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de um processo equitativo, das garantias de defesa e à garantia do contraditório, ínsita à estrutura acusatória do processo penal, decorrentes, respectivamente, dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.

2. A. foi condenado pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (juiz 6), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática de um crime de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, alínea a) e art. 202.º, alínea b), e um crime de branqueamento, p. p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, na pena única, apurada em cúmulo jurídico, de 5 anos e 6 meses de prisão.

O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão recorrido, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão de 1.ª instância.

3. A. apresentou de seguida, em 16 de março de 2022, reclamação contra o acórdão que negou provimento ao recurso, com fundamento em violação do princípio do juiz natural por ter tido lugar redistribuição do processo no Tribunal da Relação de Lisboa e que qualificou juridicamente como vício de nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, alíneas a) e 2), do Código de Processo Penal (CPP).

Para além disso, o recorrente reclamou por irregularidade (artigo 123.º do CPP) por falta de notificação da redistribuição, pedindo pela invalidação do acórdão de 8 de março de 2022.

4. Na pendência do incidente, foi interposto por A. o primeiro dos recursos para este Tribunal Constitucional supra relatados.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de maio de 2022, apreciou a indeferiu a reclamação de nulidade apresentada por A., em 16 de março de 2022.

Deste acórdão foi interposto o segundo recurso para o Tribunal Constitucional suprarreferido.

5. Pela decisão sumária n.º 482/2022, decidiu o relator (desta 2.ª secção) do Tribunal Constitucional não conhecer do mérito dos dois recursos interpostos, então com os seguintes fundamentos:

“(…) 8. Recurso de Constitucionalidade do Acórdão de 8 de março de 2022

8.1. Um primeiro problema que salta à vista no relatório que antecede sobre o primeiro recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente respeita à definitividade da decisão jurisdicional recorrida, que constitui pressuposto processual de que depende o recurso interposto para o Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70.º, n.º 2, 1.ª parte, da LTC. (…)

Ora, na situação sub iudicio, o recorrente, antes de interpor recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional reclamou contra o acórdão recorrido, pedindo fosse declarada a sua nulidade, assim instaurando incidente destinado a obter a integral cessação de efeitos da decisão e espaço processual que permitisse a inversão do respetivo sentido decisório. A instauração deste incidente que atacou a validade do aresto recorrido, por nulidade insanável ou irregularidade, em consonância com o exposto, precludiu a sua definitividade, já que o Tribunal “a quo” foi convocado a pronunciar-se sobre a validade do julgado e, bem assim, compelido a reformular o seu juízo.

Significa isto, pois, que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional antes de a reclamação ter sido decidida conforma irregularidade insuprível da instância para fiscalização concreta, já que não estava ainda obtida a «última palavra» da jurisdição e porque não se podia entender, como tal, a questão como definitivamente decidida para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, 1.ª parte, da LTC (…)

De sublinhar que a atuação do recorrente não se justifica sequer por argumento «de cautela», já que o artigo 75.º, n.º 2 da LTC lhe garantia que, quando se confrontasse com a irreversibilidade do acórdão recorrido na jurisdição comum (v. g., por indeferimento de reclamação), o prazo para interposição de recurso de fiscalização entender-se-ia diferido para esse momento ulterior. Assim, estava assegurado ao recorrente que não ficaria precludido o recurso de fiscalização para o Tribunal Constitucional e que lhe seria admitido interpô-lo depois de concluído o debate sobre a validade do acórdão recorrido e da marcha processual que a ele conduziu. Assim, o comportamento processual observado, para além de irregular, é injustificável pela economia de processo.

Concluímos, em face do exposto, que também com este fundamento o recurso é inadmissível, vício da instância impeditivo da sua apreciação e passível de conhecimento oficioso (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 2, da LTC (…)

8.2. O modelo legal de recursos para o Tribunal Constitucional do Direito português em sede de fiscalização concreta recenseado no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 69.º-85.º da LTC depende que a questão cuja sindicância se pretende tenha sido colocada no processo a que respeita de modo a ser apreciada na decisão recorrida (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alíneas b), 2.ª parte e f), 2.ª parte, da LTC). (…)

Ora, compulsando as alegações de recurso definidas pelo recorrente e, em especial, as respetivas conclusões (que delimitam o competente objeto, vinculando o Tribunal de recurso à respetiva apreciação), temos que não merece dúvidas que não se encontra formulado qualquer pedido de fiscalização da constitucionalidade de um qualquer programa normativo.

O recurso interposto compreendia a apreciação das seguintes questões: legitimidade e falta de queixa-crime, prescrição do procedimento criminal, nulidade insanável, proibição de ne bis in idem face a processo-crime anterior por sobreposição de temáticas processuais, e denegação de diligências probatórias durante a fase de instrução (e nulidade por omissão de pronúncia, por pretensamente, estas mesmas questões não terem sido apreciadas na 1.ª instância, embora arguidas em contestação) (conclusões 4.º), erro no julgamento da matéria de facto (conclusões 5.º, 6.º e 8.º) e violação, pela decisão, do princípio in dubio pro reo (conclusões 7.º e 8.º). Este o objeto do recurso, sendo que o arguido acrescentou ainda uma conclusão que, não permitindo caracterizar uma temática de recurso, descreve a situação pessoal do arguido (conclusões 9.º).

Está bom de ver, o recorrente não suscitou, nem sequer vagamente, qualquer problema de compatibilidade entre as normas aplicáveis e a Constituição da República Portuguesa, cingindo o recurso a questões estritamente jurídico-processuais e a dirigir crítica à decisão proferida em 1.ª instância. É certo que o recorrente arguiu a operatividade de normas constitucionais (e, concretamente, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa), mas em sentido...

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