Acórdão nº 0957/13.1BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A……….., Unipessoal, Lda.

, com sede na Rua ………, nº …….., ………. – Aveiro, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF), contra a ADRA – Águas da Região de Aveiro, SA.

, com sede na Rua Capitão Pizarro, nº 60, Aveiro, acção administrativa comum, peticionando: “(…) a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de 20.316,44€, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização.

”*O TAF de Aveiro, por decisão proferida em 30 de Junho de 2019, julgou a acção administrativa comum procedente e, em consequência, condenou a R. no pagamento à A. da quantia de 20.316,44€, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento sobre a quantia de 20.000,00€.

*A R.

ADRA, inconformada, apelou para o TCA Norte da sentença proferida pelo TAF de Aveiro e este, por acórdão proferido a 19 de Novembro de 2021, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando totalmente improcedente a acção.

*A A………..

, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «A. O presente recurso recai sobre o Acórdão prolatado pela Secção de Contencioso Administrativo (Unidade Orgânica 1) do TCAN. a 19/11/2021 e que foi, a 25/11/2021, notificado à ora Recorrente, que rejeitou o recurso da matéria de facto interposto, por parte da Ré (e então Recorrente) «AdRA – Águas da Região de Aveiro, S.A.», da sentença proferida pelo T.A.F. de Aveiro, mas aplicou distintamente o Direito a tal matéria de facto, revogando a douta Sentença proferida pela 1ª instância, julgando improcedente a ação e absolvendo a Ré do pedido.

B. A revista deve, excecionalmente, ser admitida, nos termos do art.º 150º, nº 1, do CPTA, (1) quer pela sua relevância jurídica, (2) quer pela sua relevância social, (3) quer pela clara necessidade da sua admissão para melhor aplicação do Direito, atenta a complexidade da relação material controvertida, a profusão de diplomas legislativos constitutivos do quadro legal de referência (em especial, o Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto, e o Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de agosto), a inexistência de doutrina sobre o tema e a solução jurídica diametralmente oposta a que, com a mesmíssima matéria de facto, chegaram as instâncias.

C. A questão que se colocou (e coloca) – tendo, naturalmente, como pressuposta a factualidade assente – é se existe, ou não, responsabilidade civil extracontratual (de uma pessoa coletiva integrada no setor empresarial) do Estado, numa situação de risco para a saúde pública, pela não execução, em 9 (nove) meses, de ligação de uma rede predial ao sistema público de saneamento e pela violação do direito à informação dos particulares durante esse hiato.

D. O S.T.A. já reconheceu que a apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas consubstancia questão que, pela sua relevância jurídica, justifica a admissibilidade da revista excecional prevista no art.º 150º, nº 1, do CPTA – por ex., no recente Acórdão de 13/07/2021 (proc. nº 02163/10.8BEPRT), consultável em www.dgsi.pt.

E. Verificam-se divergências nas instâncias quanto ao entendimento a seguir sobre a questão jurídica decidenda, justificando-se – por razões de Justiça material e de economia processual, quer no caso sub iudice, quer em casos futuros – a intervenção do STA em ordem a uma melhor aplicação do Direito.

F. É notória a complexidade na subsunção ao Direito da factualidade apurada, tendo em conta o quadro legal de referência aplicável, que convoca – entre outros: k) A Constituição da República Portuguesa; l) O Código de Processo nos Tribunais Administrativos; m) O Código de Processo Civil; n) O Código Civil; o) A Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro; p) O Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto; q) O Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de agosto; r) A Lei nº 159/99, de 14 de setembro; s) A Lei nº 169/99, de 18 setembro; e, t) O contrato de parceria pública entre o Estado Português e o conjunto dos municípios de Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga e Vagos.

G. O litígio em causa nos presentes autos pode ser despoletado, no futuro, em qualquer ponto do país e opor qualquer particular a qualquer pessoa coletiva de Direito Público ou equiparada, pelo que a apreciação da questão pelo STA se reveste, também, de importância fundamental pela sua relevância social.

H. O T.C.A.N. reconheceu o pressuposto da culpa da Ré/Recorrida, mas não reconheceu o pressuposto da ilicitude do facto/omissão.

I. A execução de ligações aos sistemas públicos ou a alteração das existentes compete, em exclusividade absoluta, à Ré, enquanto entidade gestora, nos termos do art.º 69º, nº 9, do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto.

J. O T.C.A.N. reconhece, por isso, até na senda do facto provado em D), que a Ré tomou conhecimento de uma anomalia no sistema (privado) predial em 17-18/01/2012, em consequência da reclamação inicial da Autora.

K. A própria Ré, expressamente, e até por escrito, admitiu, como alternativa à precedência do pedido de execução do ramal pela proprietária, a possibilidade de execução de obras coercivas, nos termos do art.º 26º do Decreto-Lei nº 207/94 (cfr. documento nº 13 junto com a petição inicial e depoimento do Diretor de Clientes B……….).

L. A putativa incorreção dessa informação (em virtude da ocorrência de revogação do Decreto-Lei nº 207/94, de 06 de agosto) constitui violação do direito à informação dos particulares, garantido pelo art.º 61º do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto e aplicável à Ré por força do art.º 77º do mesmo diploma legal.

M. O art.º 71º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto, continua a legitimar a entidade gestora a tomar todas as medidas necessárias para a salvaguarda da integridade dos sistemas prediais, pelo que a execução, por necessidade, do ramal de ligação sempre estaria a coberto desta disposição legal.

N. Ainda que assim se não entendesse, os art.ºs 70º, nºs 1, 2 e 4 do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto, e 121º, nº 1, e 201º do Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de agosto, obrigavam a Ré a diligenciar por uma ação de inspeção ao sistema predial, uma vez que não só houve uma reclamação, como a fossa séptica se encontrava em local público, como, por fim, havia perigos de contaminação ou poluição (perigos para a saúde pública) – cfr. factos provados L), O), S) e Y.

O. Só em 23/07/2012 (mais de 6 meses depois de ter tomado conhecimento da anomalia no sistema na rede predial, da reclamação da Autora e dos riscos para a saúde pública) é que a Ré notificou a proprietária da fração do 1º andar e, mesmo assim, consignando que “não temos a certeza se a notificação será recebida, nem estamos seguros quanto às consequências da notificação.” – cfr. factos provados O) e S).

P. A Ré não suspendeu o fornecimento de água para o local, antes tendo, nesse hiato, celebrado três contratos de fornecimento de água e saneamento para o local.

Q. Embora já tivesse anteriormente pago a ligação ao ramal em 1997 e 2002 (factos G e AP, AQ, AR, AS, AT, AU e AV) – a proprietária do 1º andar pediu, expressamente, a execução da ligação ao ramal em 29/03/2012 (facto F), ligação essa que a Ré não fez.

R. Em face da matéria de facto dada como provada (e da sua não alteração pelo Tribunal recorrido) não podia o T.C.A.N. concluir que “nada nos autos permite concluir que [a inexecução do ramal] se ficasse a dever a actuação, por acção ou por omissão, da entidade gestora Ré.” S. No contexto do caso sub iudice, não se pode, de todo, interpretar a declaração negocial “não concordo, de nenhuma maneira, de ter um segundo contador, nem pagar uma segunda ligação” como anulatória do pedido de execução dessa mesma ligação (a discordância refere-se ao pagamento do preço, não à execução do ramal).

T. A Ré não executou o ramal de ligação no seguimento da reclamação da Autora de 17-18/01/2012, violando o disposto nos art.ºs 26º do Decreto-Lei nº 207/94, de 06 de agosto, 59º, nºs 2, e 3, 69º, nº 9, 71º, nº 1, al. a), e 72º, nº 1, al. e), do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto e 146º do Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de agosto); U. Não realizou, nem diligenciou pela realização, de uma ação de inspeção ao sistema predial, violando o disposto nos art.ºs 5º, nº 1, als. b), c) e e), e 70º, nºs 1, 2 e 4 do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto, e 121º, nº 1, e 201º do Decreto-Regulamentar nº 23/95, de 23 de agosto; V. Perante uma situação de risco para a saúde pública, não suspendeu o fornecimento de água, violando o disposto no art.º 70º, nº 4, do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto; W. Prestou informação errada, incompleta e desarticulada à Autora (particular), violando o disposto no art.º 61º do Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de agosto; X. Tais ações e omissões não são apenas culposas (como, e bem, consideraram as instâncias), mas são também ilícitas.

Y. E são, causalmente, adequadas à produção dos danos sofridos pela Autora e, como tal, constitutivas da responsabilidade civil extracontratual da Ré (cfr. artºs 22.º da CRP, 483º e 486º do C.C. e 1º, 9º e 10º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro).

Assim, em face de tudo o exposto, Z. Deve o Acórdão recorrido ser revogado, julgando-se inteiramente procedente a ação e condenando-se a Ré/Recorrida no pedido formulado na petição inicial (indemnização no valor de € 20.316,44 [vinte mil, trezentos e dezasseis euros e quarenta e quatro cêntimos], acrescida dos juros de mora vincendos contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento).»*A recorrida AdRA contra-alegou, concluindo: “I. Para fundamentar a admissibilidade da revista, a Recorrente procede a alegações muito vagas e escassas:

  1. Que é fundamental a...

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