Acórdão nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução06 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1 MBM/JG/RP Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra ALL2IT - Infocomunicações, S.A.

    , pedindo que seja: i) declarado que entre as partes vigorou um contrato de trabalho; ii) declarada a existência de justa causa para a resolução de tal contrato por parte do Autor; iii) condenada a Ré a pagar-lhe a quantia global de €55 104,116, correspondente aos créditos a que tem direito por força do contrato de trabalho e da respetiva cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal.

  2. Proferida sentença a julgar a ação improcedente, o A. interpôs recurso de apelação, impugnando quer a decisão relativa à matéria de facto, quer a de direito.

  3. O Tribunal da Relação do Porto rejeitou o recurso da decisão de facto, por inobservância dos ónus neste âmbito consagrados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, com a seguinte fundamentação: “(…) [C]onstata-se, desde logo, que sendo é certo manifestada a intenção, por parte do Recorrente, em recorrer da matéria de facto, no entanto, vistas as alegações e conclusões que apresentou, constata-se que nem sequer dirigiu o recurso, o que entendemos que lhe era imposto, à efetiva pronúncia do Tribunal a quo nesse âmbito, ou seja, tendo por base as respostas que esse Tribunal fez constar do despacho que proferiu e em que se pronunciou sobre a matéria de facto.

    Na verdade, noutros termos, o Recorrente identifica os pontos de facto, em relação aos quais diz que pretende que a resposta seja outra, por referência aos artigos dos articulados, fazendo-o ainda em bloco, ou seja para todos esses pontos de facto, assim dizendo que que esse Tribunal "deveria ter respondido como provado e sem restrições à matéria da petição inicial, dos artigos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 8° a 15°, 16°, 18°, 19° a 22°, 23° a 26°, 29° e também respondido sem restrições à matéria do articulado complementar dos pontos 1° e 18° sem restrições e respondido de forma negativa aos pontos 3 a 34 e 42 a 49 da contestação".

    Por outro lado, ainda, agora a propósito dos meios de prova em que baseia a alteração que pretende, assim testemunhal e por declarações, para além de indicar essa prova de modo genérico a todos aqueles factos, nem sequer localiza nas alegações, por referência aos registos de gravação, as extensas transcrições de passagens dessa prova que diz fazer, assim designadamente referentes à testemunha BB e às declarações de parte, limitando-se a referir: quanto à primeira, "cujo depoimento se encontra gravado no sistema de gravação integrado no Sistema Informático "Habilus", com inicio às 15:29 e termo às 15:58 horas", acrescentando de seguida que desse "resulta que o Tribunal "a quo" deveria ter respondido como provado à matéria da petição inicial, dos artigos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 8° a 15°, 16°, 18°, 19° a 22°, 23° a 26°, 29° e também respondido sem restrições à matéria do articulado complementar dos pontos Io e 18° sem restrições"; e quanto às suas próprias declarações, que da sua análise, "cujo depoimento se encontra gravado no sistema de gravação integrado no Sistema Informático "Habilus", com inicio às 16:48 e termo às 17:01 horas, resulta também que o Tribunal "a quo" deveria ter respondido como provado e à matéria da petição inicial, dos artigos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 8° a 15°, 16°, 18°, 19° a 22°, 23° a 26°, 29° e também respondido como provado à matéria do articulado complementar dos pontos 1° e 18° sem restrições".

    Por sua vez, a respeito das demais testemunhas a que se refere, assim as que diz serem "da Ré", mais uma vez indicadas também em bloco a todos os factos, não faz sequer neste caso qualquer referência ao registo da gravação desses depoimentos e muito menos localizando nesses registos as passagens da gravação de onde retira as afirmações que faz a seu propósito nos pontos 112.° a 123.° das alegações, para concluir no ponto seguinte (124.°) "Pelo que também por esta perspetiva, resulta da analise dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, que o Tribunal "a quo" deveria ter respondido como provado e sem restrições à matéria da petição inicial, dos artigos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 8° a 15°, 16°, 18°, 19° a 22°, 23° a 26°, 29° e também respondido sem restrições à matéria do articulado complementar dos pontos 1° e 18° sem restrições e respondido de forma negativa aos pontos 3 a 34 e 42 a 49 da contestação (...)".

  4. Do assim decidido, interpôs o A. a presente revista, dizendo, em síntese, nas conclusões da sua alegação: - Não tendo o Tribunal da Relação conhecido da impugnação do apelante sobre a decisão da matéria de facto, com base na circunstância de aquela não ter especificado nas conclusões, em relação a cada um dos pontos de facto impugnados, os fundamentos e os meios probatórios que entendia imporem uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, o acórdão recorrido cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 615.º, do CPC.

    - A entender que as conclusões das alegações eram deficientes, o Relator deveria ter convidado a Recorrente a completá-las ou esclarecê-las, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

    5.

    A R. não contra-alegou.

  5. A Ex.m.ª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

  6. Delimitação do objeto do recurso: Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC (como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário), não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).

    No acórdão que julgou a apelação, a Relação pronunciou-se expressamente sobre a impugnação da decisão de facto, rejeitando nessa parte o recurso, decisão que poderia, eventualmente, constituir um erro de julgamento (sede em que a questão será apreciada na presente revista), mas que não configura a invocada nulidade, prevista na alínea d), 1.ª parte, do n.º 1 do artigo 615.º (omissão de pronúncia).

    Posto isto, inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes[1]: - Se a Relação deveria ter conhecido do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da matéria de facto; - A concluir-se no sentido do incumprimento pelo recorrente dos ónus previstos no art. 640.º, do CPC, se o mesmo deveria ter sido convidado a corrigir a alegação do recurso.

    E decidindo.

    II.

  7. Consta do preâmbulo do DL 39/95, de 15 de fevereiro, que introduziu a gravação da prova no processo civil português[2], que o “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente [que impugne a decisão relativa à matéria de facto], decorre (…) dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (…) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta.”.

    A imposição de tais ónus radica ainda, conexamente, no princípio da autorresponsabilidade das partes e em imperativos de racionalidade e economia no julgamento do recurso de apelação.

    Relativamente ao exato sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640.º, n.º 1 e 2, sintetiza Abrantes Geraldes[3], na parte que ora releva: “a) Em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
12 temas prácticos
12 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT