Acórdão nº 779/20.3T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução20 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 779/20.3T8VFR.P1 Secção Social ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.

No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra RESTAURANTE A..., Unipessoal, Lda, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 2, pedindo que, na procedência da ação, se condene a Ré a pagar-lhe o seguinte: - a quantia de €35.331,91, a título de créditos salariais; - a quantia de €20.000,00, a título de indemnização por danos morais - e, ainda, que se condene a Ré a entregar as contribuições à Segurança Social em falta, desde junho de 2011.

Para tanto, alega, em síntese, que em junho de 2011 celebrou com BB, sócio único da Ré, um contrato de trabalho a tempo parcial, de segunda a sexta-feira, entre as 08h00 e as 11h00, para sob as suas ordens e direção, exercer as funções próprias da categoria de empregada de limpeza, pagando-lhe uma retribuição de €3/hora, contrato que não foi reduzido a escrito.

Em janeiro de 2014, a A. passou a desempenhar funções próprias da categoria de ajudante de cozinha, prestando trabalho a tempo completo.

Em janeiro de 2016, BB constituiu a sociedade R., passando a A. a trabalhar ao serviço desta, a partir de março de 2016.

Em 19.03.2019, o contrato cessou por denúncia da trabalhadora.

Desde janeiro de 2014 até à data da cessação, a A. trabalhou de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 15h00 e das 18h00 às 22h00, sábados das 08h00 às 22h00 e domingos das 08h00 às 16h00.

Além disso, também trabalhou em todos os dias feriados, com exceção de 25 de dezembro, 1 de janeiro e domingo de Páscoa, únicos em que o restaurante encerra.

Nos meses de junho, julho, agosto e setembro, em que aumentava o trabalho, não era permitido à A. gozar qualquer dia de descanso. O trabalho suplementar prestado pela A. nunca foi remunerado. Além disso, nunca foram pagos à A. os subsídios de férias e de Natal a que tinha direito, com exceção da quantia de €280 pagos em agosto de 2017, a título de subsídio de férias. E a A. nunca gozou férias.

Aquando da cessação do contrato, a Ré apenas lhe pagou a quantia de €300, no dia 11.03.2019.

Além disso, a partir do ano de 2016, a A. auferia retribuição inferior ao SMN, sendo-lhe devido a esse título €1.106,80.

Entre junho de 2011 e outubro de 2015, a Ré sempre recusou fazer as contribuições devidas para a Segurança Social, o que se repercutiu negativamente no montante que recebeu por doença.

Em maio de 2018, a A. sofreu um acidente de trabalho ao serviço da Ré, tendo-se queimado com óleo da fritadeira, acidente que foi presenciado pelo gerente da Ré, que negou que a trabalhadora se deslocasse ao Hospital, uma vez que não existia seguro de acidentes de trabalho. Em julho de 2018, a A. começou a sentir muitas dores no pescoço, braços, cabeça e a perder a força em ambos os braços, tendo ficado incapaz para o trabalho desde aquela data, tendo ficado de baixa. Além das pressões da Ré para que regressasse ao trabalho, pelo facto de a Ré não ter feito contribuições para a Segurança Social, a A. auferiu valores de subsídio de doença inferiores aos devidos, sendo-lhe devido por isso a quantia de €1.340,74.

Também não foi facultada à A. formação profissional, pelo que tem direito a esse título à quantia de €415,20.

Pela violação do seu direito ao descanso, a A. deve ser indemnizada pelos danos não patrimoniais em quantia não inferior a €20.000.

Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.

A ré veio apresentar contestação, onde pede a final que a ação seja julgada improcedente, por não provada, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Desde logo, invoca a ilegitimidade da Ré, uma vez que a sociedade demandada só foi constituída em 19.01.2016, aceitando os trabalhadores que aí prestavam serviço ao identificado BB, que só iniciou a sua atividade em 01.03.2014, pelo que não aceita qualquer contrato de trabalho em data anterior a esta.

Mais alega que o início do prazo de prescrição se iniciou em janeiro de 2019, data em que recebeu a carta em que a A. cessou o seu contrato e não no dia 19 de março de 2019, pois a A. não juntou qualquer documento de baixa médica até essa data, pelo que os créditos peticionados devem ser julgados extintos por prescrição, tendo em conta que a ação só foi instaurada em 04.03.2020.

Além disso, alega que relativamente aos créditos respeitantes aos anos anteriores a 2015, não existe também qualquer documento idóneo, pelo que, só podendo os mesmos ser provados por documento idóneo nada há que demonstre a existência desses créditos respeitantes a violação do direito a férias, indemnização e pagamento de trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos, o que tem por consequência a improcedência do pedido relativo aos mesmos.

Por impugnação, alega que a A. celebrou com BB um contrato de trabalho, a partir de 17 de novembro de 2015, tendo sido comunicada a admissão da trabalhadora à Segurança Social. Ficou convencionado que o período normal de trabalho era de 4 horas diárias/20 horas semanais, podendo ser aumentado até 4h diárias.

A A. sempre gozou folgas e sempre lhe foi proporcionado o gozo do descanso compensatório.

Refere ainda que a A., no final de cada mês, passou a assinar os recibos e nunca reclamou do valor pago.

Mais alega que a carta em que comunica a cessação do contrato nem sequer vem acompanhada de qualquer documento comprovativo que a mesma estava de baixa, pelo que, a A. deveria ter regressado ao trabalho até ao pretendido dia 19 de março de 2019, não tendo deste modo a mesma cumprido qualquer prazo de aviso prévio.

Reitera que as funções da A. eram as de limpeza e não as de ajudante de cozinha, e que a própria A. não quis um horário superior ao referido, porque tinha dívidas e não queria o seu salário penhorado.

Mais refere que lhe foi pago o subsídio de férias e de Natal.

Por fim refere que a A. age em abuso de direito, já que só depois de ter cessado o seu contrato é que veio invocar que fazia funções diferentes das de limpeza e reclamar créditos laborais que nunca antes reclamou.

A A. respondeu, à matéria das exceções e pronunciou-se quanto aos documentos juntos, alegando quanto à exceção de ilegitimidade que foi com o Sr. BB, que a A. acertou o seu horário de trabalho, vencimento e funções, e que foi ele que desde junho de 2011 até ao fim da relação laboral lhe deu ordens. O restaurante “A...” é um estabelecimento familiar, aberto há 35 anos, pelo que reconhecendo a Ré que aceitou a transmissão dos trabalhadores que trabalhavam naquele estabelecimento, a Ré é parte legítima e responsável desde a data de admissão da A.

Quanto à prescrição, alega a A. que a mesma não se verifica, porquanto comunicou a denúncia do seu contrato, em 18.01.2019, com a antecedência de 60 dias. Com essa carta, a A. não enviou atestado de incapacidade temporária para o trabalho, porque a essa data já tinha entregue à Ré o certificado de incapacidade para o período compreendido entre 04.01.2019 e 02.02.2019, tendo posteriormente entregue os certificados dos períodos entre 03.02.2019 e 04.03.2019 e entre 05.03.2019 e 03.04.2019.

E porque lhe foram entregues os atestados, a ré emitiu e certificou o requerimento de prestações compensatórias de subsídio de Natal e de subsídio de férias por doença, para o período compreendido entre 26 de julho de 2018 e 19 de março de 2019.

Tendo o contrato cessado em 19.03.2019, a ação foi proposta tempestivamente, sendo certo que aquando da receção da carta de denúncia com aviso prévio, a Ré não pôs em causa a denúncia, nem o aviso prévio.

Pugna também pela improcedência da exceção de prescrição dos créditos relativos a compensação por violação do direito a férias e pagamento de trabalho suplementar, uma vez que requereu que a Ré juntasse o registo de horas de trabalho suplementar da A. no período entre 01.01.2011 e 31.07.2018 Findos os articulados, o Tribunal a quo não realizou audiência prévia, tendo proferindo despacho de saneamento do processo, onde conheceu da exceção de ilegitimidade da Ré, no sentido da sua improcedência e relegou para momento posterior o conhecimento da exceção de prescrição de créditos, a que alude o artigo 337º, no1, do Código do Trabalho e da prescrição do crédito respeitante a compensação por violação do direito a férias e pagamento de trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos, nos termos do artigo 337º, no2, do Código do Trabalho.

Foi dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

Realizou-se o julgamento, com observância do legal formalismo.

I.1 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte: -«Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: a)- julgo improcedente a exceção da prescrição a que alude o artigo 337º, nº1, do CT.

b)- condeno a Ré a pagar à A. a quantia global ilíquida de €17.138,60 (dezassete mil, cento e trinta e oito euros e sessenta cêntimos), respeitante a créditos salariais dos anos de 2015 (neste apenas os devidos a título de férias e subsídio de férias), 2016, 2017 e 2018.

c)- condeno a Ré a pagar à A. A quantia ilíquida de €1.106,80 (mil, cento e seis euros e oitenta cêntimos), pelas diferenças salariais devidas, respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018.

d)- condeno a Ré a pagar à A. quantia ilíquida de €415,20 (quatrocentos e quinze euros e quinze cêntimos), a título de formação obrigatória não ministrada pela R., desde setembro de 2018 a julho de 2020.

e)- Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a data do respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% (artos. 804.º, 805.º/2/ª) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil).

f)- condeno a Ré a pagar à Autora, a quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não...

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